Já nem há vergonha.
As imobiliárias vendem cada vez mais a ideia de que “nós, os ricos, os cada vez mais ricos, estamos para ficar”, pressupondo-se o esquecimento social do que se passa com os "outros": “os pobres, os trabalhadores pobres, que morram atirados para a sarjeta”. O site idealista divulgou, nos seus mails promocionais, uma entrevista ao venezuelano Federico Rosales, sócio do italiano Filippo Buffa. As declarações são tão cruas que se tornam interessantes da sua visão do que se passa. Começa assim a introdução:
Se há segmento no imobiliário que já mostrou ser resiliente a crises é o residencial de luxo. E nem a pandemia ou os efeitos da guerra na Ucrânia - um aumento brutal dos custos da energia e da taxa de inflação que forçou [!] o Banco Central Europeu (BCE) a subir as taxas de juro diretoras -, parecem estar a deixar marcas neste nicho de mercado em Portugal. Pelo contrário. [tudo como se fosse uma coisa boa... Que descaramento, mas real].
E vem a voz do investidor... :
“Teremos um projeto de ultra-ultraluxo, não apenas de ultraluxo (…). É um mercado que tem procura em Portugal”. "Não costumamos falar disso, mas a verdade é que vendemos a penthouse (...) por um valor superior ao pago por Ronaldo: por 16.800 euros/m2. E vendemo-lo por videochamada. (...) Há portugueses que compram para arrendar, norte-americanos que compram por uma questão de investimento e trazem depois outros norte-americanos. Gostamos muito dos clientes norte-americanos, porque são muito honestos com os preços. Mas também temos famílias de portugueses que compram para viver. Os franceses também compram muito por uma questão de investimento.
Os cidadãos dos EUA são os principais clientes?
São os melhores pagadores e são dos principais players. Como os brasileiros. A qualidade dos clientes brasileiros melhorou, agora são mais justos com os preços. Diria que os nossos principais clientes são brasileiros, norte-americanos, portugueses e depois investidores nórdicos. (...) O nosso ADN é residencial de luxo e ultra-ultraluxo. Em Portugal há mercado para todos os segmentos, creio que não é o facto de haver escassa oferta, mas sim alta procura. [Claro porque o mercado foi deixado à solta desde a lei Cristas (PSD/CDS), não devidamente alterada pelos governos PS] (...) Já não investimos [em Espanha]; a aposta agora é Portugal e é uma aposta mais a longo prazo. Os fundamentals de Portugal estão mais de acordo com a nossa filosofia. [Temos notado!] (...) Já não é como em 2017 (...), que se pensava: “E se”. Já não é assim, já chegaram os investidores, já regressaram os portugueses que estavam no estrangeiro [ah pois! Quem serão eles? Porque estavam no estrangeiro e voltaram? Serão aqueles que beneficiaram da amnistia fiscal dada pelo PSD/CDS em 2012?]. Ou seja, já não é pensar que Portugal pode ser uma aposta, mas sim que Portugal é uma aposta. (...) Gostamos muito do Porto. É uma cidade que tem um potencial brutal, [Cuidado, Porto...] mas estamos muito focados em Lisboa. [Por que será?] Ainda há muito para fazer [Imagine-se o que ainda virá!]. Acreditamos que acrescentamos mais valor aqui, não estando tão dispersos. E, na verdade, o interior do país está já aqui ao lado [O interior que se cuide... e os trabalhadres que se ponham a pau porque não vai sobrar nada para eles]. A mensagem que quero deixar é que o desenvolvimento imobiliário em Portugal não é uma dúvida, mas sim uma realidade. O país está a crescer e assim vai continuar.
Assim!
Portugal que - segundo os jornalistas das televisões - esteve no centro do mundo com as Jornadas Mundiais da Juventude - está no centro do investimento imobiliário de luxo - do ultra-ultra luxo - na mesma altura em que se sabe que a juventude não pode sair de casa dos pais antes dos ... 34 anos.
Mais interessante: isto já dura há bastante tempo. Em 2011, escrevia-se no Público: Mais de metade da geração 18-28 adia a saída da casa dos pais por não ter condições para o fazer.
E vai continuar a fazê-lo porque para quem manda neste país - e como disse Augusto Santos Silva, em democracia, “os bancos não obedecem ao Governo” - há duas certezas: o mercado deve ser estimulado, para gerar procura de investidores, e a retribuição salarial deve ser mantida baixa para que a oferta possa ser competitiva. No caminho, os trabalhadores, os jovens trabalhadores, terão de amochar diante da subida dos preços de luxo, de ultra-luxo, do ultra-ultra-luxo das casas e dos lucros seus promotores. E ainda por cima, tributados com taxas fiscais bem abaixo das praticadas aos trabalhadores.
Englobe-se os rendimentos, aplique-se as mesmas taxas fiscais a todos os tipos de rendimento, resista-se aos gritos dos ultra-neoliberais no Parlamento que apenas ecoam os do BCE, da Comissão Europeia, no fundo em defesa do sector financeiro e dos mais poderosos; e veremos se o mercado não estabiliza.
Parabéns, caro autor. É sempre bom ver que "há sempre alguém que resiste".
ResponderEliminarNenhum acontecimento relevante dos últimos tempos afeta de forma negativa a riqueza ou a capacidade aquisitiva do mais ricos, o que será que isto quer dizer ou diz sobre a realidade atual?
ResponderEliminarSempre excelente!
ResponderEliminarÉ o que dá ter um banco central “independente” em plena guerra de classe contra a maioria subalterna ano após ano.
ResponderEliminarÉ o que dá ter governos liderados por primeiro ministros metidos no negócio do imobiliário.
Não bastava o luxo nem o ultra luxo, também existe o ultra-ultra luxo!
O apartamento do António Costa é só de luxo, mas ele já está a trabalhar para alcançar o escalão seguinte, e tão obediente e bom servo que é da classe dominante certamente receberá uma recompensa ultra luxuosa.
Podem ter a certeza, com o Partido “Socialista” e “socialistas” como António Costa e Augusto Santos Silva no comando Portugal vai continuar a afundar-se.
Continuemos a acreditar no mal menor “socialista” e a não reconhecer o Partido “Socialista” como um inimigo.
Típico comentário de quem quer dar cabo da economia e da criação de riqueza em nome da pobreza igual para todos. Uma tristeza.
ResponderEliminarEsse é sem tirar nem pôr o mesmo tipo de discurso dos reaccionários que andam a vender que a vida era melhor nos anos 50 com o homem a trabalhar e a mulher em casa.
O que se passa neste país no essencial é a falta de vergonha na cara de governantes e de governados. Os governantes fingem que não são responsáveis por nada de mal que acontece neste país já os governados preferem não ver o obvio que no fundo é resultado da sua não ação e da sua pouca capacidade de sentir os outros.
ResponderEliminarOs portugueses com menos capacidade económica estão a ser esmagados e despojados de tudo o que têm em função de outros, querem fazer parecer que isto acontece por causa de uma lei natural da física e que é uma espécie de justiça divina que não deve ser debatida nem contrariada. Quando a esquerda falar em multiculturalismo que tenha presente o que isso significa em países onde o capitalismo tudo pode e tudo manda, já não há paciência para tanta sonsice.
«Típico comentário de quem quer dar cabo da economia e da criação de riqueza em nome da pobreza igual para todos. Uma tristeza.»
ResponderEliminarNaturalmente, não percebeu nada.
«Esse é sem tirar nem pôr o mesmo tipo de discurso dos reaccionários que andam a vender que a vida era melhor nos anos 50 com o homem a trabalhar e a mulher em casa.»
Hã?!?!?!?!?!?