O PSD apresentou, na sua festa do Pontal, um conjunto de propostas fiscais que fazem parte - avisa o partido - de "uma reforma fiscal profunda" que "melhore a sua equidade" no sistema. Mas a versão anunciada não faz muito pela equidade (muito pelo contrário) e, nalguns aspectos, representa um pé-na-porta para uma contra-reforma inconstitucional.
O PS respondeu bem à proposta do PSD: 1) é incoerente (o PSD quis primeiro baixar o IRC e só depois o IRS, agora quer o contrário); 2) é regressiva (dá mais dinheiro a quem mais recebe); 3) é “profundamente enganadora” para os jovens (ao propor uma taxa de 15%, dá mais dinheiro a quem mais recebe); 4) Não responde estruturalmente aos desafios da produtividade: desvia salários para prémios e a produtividade não se resolve com prémios salariais; 5) prejudica a carreira contributiva dos trabalhadores e reduz, a prazo, apoios sociais (ao isentar os prémios de TSU); 6) agrava a desigualdade (dá mais dinheiro aos CEO de empresas do que aos jovens que recebem um salários médio); 7) limita a acção do Estado ao reduzir a receita fiscal.
Mas o PS acaba por omitir - tanto quando o PSD - os problemas de base. E tal como o PSD, esquiva-se a um diagnóstico e a uma verdadeira terapia.
Falso Diagnóstico
Há muito que o PSD confunde observação com diagnóstico. Apenas apresenta indicadores do empobrecimento dos trabalhadores e do país, da subida da emigração dos jovens, da baixa produtividade nacional. Mas não dá alguma explicação, não defende uma tese ou ideia sobre a causa. Apenas conclui que há uma elevada carga fiscal (misturando impostos com contribuições sociais, ou seja, alinhando visivelmente com o ponto de vista dos grandes empresários...) e zás! Conclui que essa é a raiz dos males no país. Por acaso político, esse é o mesmo falso “diagnóstico” que a extrema-direita faz.
É enganador: mostra gráficos da subida abrupta lá em 2011/2013... e omite que essa subida foi aprovada pelo
PSD/CDS, quando as suas ideias de corte nos vencimentos da Função
Pública foi chumbada pelo Tribunal Constitucinal; e a de corte de 7% nos
salários - pelo aumento da TSU dos trabalhadores (de 11% para 18%) e
redução da patroal (de 23,75 para 18%) - foi chumbada nas ruas. Ou seja, escamoteia - tanto como o PS - as políticas que conduziram a uma pronunciada desvalorização salarial.
É duplamente enganador, porque é ineficaz: é um pobre diagnóstico que deixa de lado o que é estrutural, o que
tem efectivamente gerado o empobrecimento nacional. Ou seja, a aposta
nacional em sectores de actividade de baixo valor acrescentado (em que
assenta a "indústria" do turismo), de baixos salários, que explicam a
crescente emigração de jovens qualificados e o progressivo recurso a
imigrantes, à medida que já não é possível baixar mais os salários
médios nacionais. E enquanto isso não mudar, o afunilamento económico de Portugal não se alterará, por muito que dêem dinheiros aos empresários.
Ou seja, o PSD - e o PS caminha no mesmo sentido - insiste numa tese, que revela o que há de pior na Política: aposta em medidas fáceis e ineficázes - reduzir impostos - mantendo os défices estruturais e, ao mesmo tempo, retirando meios ao Estado, para que possa intervir na sociedade, incapacitando-o ainda mais de se dotar de melhores serviços públicos e de ter um papel na verdadeira mudança do país.
Terapêutica em contra-reforma
Se, para o PSD, os males nacionais estão na elevada carga fiscal, claro que a solução - simplista! - é... baixar os impostos. Mas era possível baixar de diversas maneiras. Ora, é aqui que surge a inovação do PSD. Vejamos duas delas.
IRS jovem
Situação: os jovens ganham abaixo da baixa média nacional (em 2021, segundos os Quadros de Pessoal, o valor médio do ganho foi de 1294 euros; os jovens de 18 a 24 anos recebiam 73% desse valor e os entre 25 e 34 anos de 91%). Esse hiato era superior para as trabalhadoras (em 2021, recebiam um ganho médio de 71% do ganho médio nacional se tivessem entre 18 e 24 anos e de 86% enntre 25 e 34 anos). E isto graças a uma quase estagnação dos salários reais dos trabalhadores com mais de 34 anos.
“Solução”: O PSD - em vez de propor a maior progressão salarial a montante - prefere que seja o Estado a pagar esse esforço no rendimento líquido de IRS (à la extrema-direita neoliberal IL): as taxas de IRS deixavam de ter por base o rendimento recebido (como é justo) e "agrediam" o regime fiscal ao torná-lo à la carte. Os jovens passariam a ter uma redução do IRS até uma taxa máxima de 15%, o que quebraria o princípio constitucional da progressividade do imposto e de igualdade de tratamento fiscal. Esta é uma tentativa de abrir caminho a uma "taxa plana" (flat rate) na tributação em IRS que, nos anos 80, Vítor Gaspar e Jorge Braga de Macedo do PSD chegaram a propor, que Cavaco Silva nunca aplicou ns rendimentos do Trabalho, mas que a extrema-direita vem defendendo para todos. Em vez de se aprofundar o respeito constitucional, caminhando para um englobamento de todos os tipos de rendimentos que presentemente beneficiam de tributações mais favoráveis (tudo em nome da competitividade fiscal), o PSD defende o progressivo desmantelamento dos princípios constitucinais. E nem o diz!
TSU jovem
Este é uma medida hipócrita que visa criar um precedente (grave!). Em nome da defesa da produtividade - “Portugal tem um sério problema de produtividade”- pretende-se antes reduzir os encargos patronais com a Segurança Social.
"Solução": Isenção de IRS e TSU dos trabalhadores e das entidades patronais à “totalidade ou parte do prémio” até 6% dos salários. Ora, a medida em nada melhoraria a produtividade das empresas. “Reduzir-se-iam” os valores estatísticos da produtividade, na “secretaria”, ou seja, seria o Estado e a Segurança Social a pagar essa melhoria estatística. Pior: Como a TSU patronal é mais do dobro da dos trabalhadores, seria um bónus às entidades patronais - com maior volume de pessoal, as grandes empresas - e não a cada um dos jovens.
Mais confuso: a medida apenas se aplica à parte variável da retribuição salarial, o que resultaria num incentivo para o aumento do peso da retribuição variável e não da retribuição base, criando mais instabilidade salarial aos trabalhadores. E já nem se fala do que se passaria na maior incapacidade de controlo por parte dos Segurança Social.
Mais grave: além da redução dos encargos sociais das empresas, esta medida representaria uma forma de estabelecer um limite contributivo das entidades patronais, o que entronca nos esforços da direita de criar um plafonamento das contribuições sociais (limite de contribuições, sendo a parte remanescente usada para financiar esquemas complementares). E sobre isto há um longo historial desde a década de 80 do século passado (veja-se aqui o caderno nº17 e o mais recente artigo da Maria Clara Murteira no Le Monde diplomatique).
Em vez de educar os jovens na sua contribuição para a colectividade, o PSD - oportunisticamente - visa dar uns saldos às suas responsabilidades, educando-os no egoísmo e no individualismo. E assim levando-os pela mão a que sejam eles a abrir a porta ao precedente que contribuirá para quebrar a Segurança Social pública.
Como se observa, o PSD - e o PS - recusa-se a perceber porque emigram os jovens, porque isso colocaria em causa a política seguida por décadas. É, por isso, incapaz de defender uma subida generalizada dos salários brutos porque o seu discurso sempre alinhou com os interesses das maiores empresas: prefere propor um aumento do salários líquidos - depois de impostos e de contribuições sociais - à custa do Estado, aliás como o faz a extrema-direita no Parlamento.
Ora, o importante era perceber por que razão são os salários tão baixos e, depois, atacar essas causas. E não esconder os problemas.
Tanta conversa acerca de quem não tem nada a dizer. Se o PS é o açúcar do bolo de miséria em que o país está, o PSD é a farinha. Um bolo de décadas.
ResponderEliminarReforma fiscal? Ah sim? Já que estamos em Agosto, reforma das ondas na praia?
Caro anónimo,
ResponderEliminarTem razão. Para a próxima tentarei mais sintético.
Mas eu não substimaria as ideias fiscais nem o comentário a essas ideias. Porque essas ideias ainda acabam por mobilizar 70% dos eleitores votantes.
Não sou o anónimo das 20:21 mas acho sempre as suas intervenções muito muito interessantes.
ResponderEliminarEduardo Catroga: “Aos 31, 32 anos, tinha das melhores remunerações do país”
ResponderEliminarhttps://www.publico.pt/2023/08/17/politica/entrevista/eduardo-catroga-31-32-anos-melhores-remuneracoes-pais-2059779
O panfleto de referência europeísta Público achou por bem promover um dos carrascos deste desgraçado país...
Eduardo Pentelho Catroga, um CR7 das finanças e gestão!
Claro que o kamarada da aldeia da Coelha mereceu os rendimentos enquanto esteve na EDP, até merecia mais!!
Não é curioso como à medida que estes génios da finança e gestão ascendiam o País afundava-se? Mera coincidência certamente...
Caro Tina,
ResponderEliminarApenas para lembrar que Eduardo Catroga foi o porta-voz do PSD aquando da negociação do Memrando de Entendimento com a troika, em 2011, e que, nessa altura, chegou a dizer que o PSD estava na base do texto do Memorando, ou seja, da desvalorização salarial aí prevista, levada a cabo em Portugal aliás com grande sucesso.
“Os portugueses andaram a viver acima das possibilidades”, é o que dizem os golpistas como Catroga, e Catroga andou/ anda a viver acima das possibilidades de quem?
ResponderEliminarPara os sociopatas, não basta infligir o mal têm também que responsabilizar as vítimas pelo mal que sofrem.
Outra tática muito curiosa que os golpistas sociopatas utilizam é de evocar um coletivo, “os portugueses” ou “o povo português”, como uma entidade de que eles não fazem parte, como se estivem-se acima dela. Catroga e outros como ele estão acima do povo, tem a autoridade para infligir o mal que até é para o bem do povo.
Todos aqueles que participaram na conspiração “bancarrota” têm as suas declarações e ações gravadas em vídeo, áudio e texto, e por muito que a comunicação social tente lavar a imagem dos conspiradores estes serão objeto de estudo não pelas melhores razões, fizeram por merecer.
Totalmente de acordo com o Anónimo de 16 de agosto às 22:31.
ResponderEliminarEste post de João Ramos de Almeida é de enorme importância dialética e é sempre necessário desmontar, bem, as patranhices do extremo centro, adoptando o esclarecido princípio de estar com um olho no facho e o outro no liberal, porque é bem conhecida a convergência entre estes em matéria de economia política. O PS é um emplastro socio-liberal que aparece frequentemente na fotografia da política económica da direita, e é importante lembrar quem, há 11 anos atrás, fez a luta contra a TSU de Passos e Portas.
E já agora, este post é também serviço público. Não se espere que a RTP ou algum dos outros canais concessionados coloque este assunto em discussão com um verdadeiro contraditório (à esquerda do PS).
Ainda sobre Catroga.
ResponderEliminarNos comentários ao artigo de hoje de Carmo Afonso sobre Catroga no panfleto europeísta de referência Público o celebre argumento (estou a ser muito, muito generoso) da inveja é arremessado a Afonso e à “extrema esquerda”.
Os reaças como sabem que defendem uma cultura de pelintrice tem que atacar quem critica a corrupção institucional, e um dos recorrentes ataques é o da “inveja”.
Para os reaças não interessa que Catroga seja um dos responsáveis políticos pela vinda da Troika, da destruição económica e empobrecimento da maioria! Ainda berram “BANCARROTA!!”...
Assim que o povo fique esclarecido sobre a insidiosa farsa “bancarrota” os reaças perdem um dos mais fortes álibis que tiveram para justificar a destruição deste país.
Não sei é quando o povo será alguma vez esclarecido
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