quinta-feira, 13 de abril de 2023
E desta vez, também vamos cair que nem patinhos?
Vítor Gaspar, o ex-ministro das Finanças de Passos Coelho que transitou para o FMI, apresentou ontem o Fiscal Monitor, dando nota de que a instituição «estima que nos próximos cinco anos a dívida pública mundial cresça a um ritmo muito mais elevado face ao período pré-pandemia» e afirmando que «parte da tarefa para evitar tensão no mercado da dívida e reduzir o risco de uma nova crise soberana passa por um “reequilíbrio das finanças públicas”». Como está bem de ver, daqui à reedição do «andámos a viver acima das nossas possibilidades», imputando aos Estados a responsabilidade pela crise, vai só um pequeno passo.
Vale por isso a pena ter presente a forma como a crise de 2008, causada pelos desmandos de um sistema financeiro desregulado, foi habilmente convertida numa crise das dívidas soberanas, como se fossem os Estados - que tiveram que responder aos impactos recessivos desses desmandos - os culpados pela situação, abrindo portas aos processos de «ajustamento estrutural» e às desastrosas políticas de austeridade, estúpida e contraproducente. Cortes de salários e pensões, retração dos serviços públicos, desregulação do mercado laboral e privatizações, tudo em linha com a agenda neoliberal, posta em prática com o espaldo da troika e que permitiram mesmo, no caso português, ir «além da troika».
Nesta segunda golpada que pode estar em curso, a crise que tem, na sua génese, a pandemia e a guerra - com impactos ao nível das cadeias de produção e do aumento do preço da energia - foi irresponsavelmente agravada pela opção política, de bancos centrais ditos independentes, de deixar as finanças públicas entregues aos apetites irracionais dos mercados financeiros privados e, ao subir a taxa de juro a um ritmo sem precedentes nos últimos 40 anos, fomentar falências e desemprego e impor contenção na política orçamental e na política de rendimentos. Isto é, orientações de política que geram abrandamento do crescimento e os défices que se antecipam. Tudo isto para depois se antever - como se não fosse essa a consequência óbvia destas medidas - a subida da dívida pública e a necessidade de adotar medidas de «reequilíbrio das finanças públicas», como já começa a receitar Vítor Gaspar.
Primeiro como tragédia e depois como farsa, parece pois que a história se repete, numa nova tentativa de nos fazer cair como patinhos, através da conveniente narrativa que parece estar a desenhar-se.
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