quinta-feira, 30 de março de 2023

Nocebo


Não posso garantir a qualidade da tradução, mas posso garantir que este livro, muito bem escrito por um historiador social-liberal, tem um ponto da máxima importância, secundado por ampla e bem articulada evidência: “a nossa visão pessimista da humanidade é um nocebo [ao invés de um placebo]. Se acreditarmos que não podemos confiar nas pessoas é assim que nos relacionaremos uns com os outros, com prejuízo para todos”. 

Bregman insiste que somos muito mais generosos, virtuosos, do que se reconhece na esfera pública, nas narrativas torcidas e distorcidas veiculadas pela comunicação social dominante, mas não só. De facto, as motivações humanas estão muito para lá da visão esquálida do homo economicus e quejandos. Caso contrário, nenhum sistema de provisão funcionaria. Este facto não tem a visibilidade que merece. 

Para quem reduz o seu núcleo de convicções inabaláveis a isto – as pessoas fazem o melhor de que são capazes nas circunstâncias que são as suas, sendo que o dever da ação coletiva é humanizar circunstâncias e desenvolver potencialidades –, este é um livro simultaneamente realista e esperançoso, mesmo que haja todo um quadro institucional com efeitos corrosivos. 

Serve esta missa para lembrar muitos intelectuais públicos de esquerda que o seu pessimismo desesperançado sobre os nossos concidadãos corre o risco de favorecer inadvertidamente a extrema-direita. Sinceramente, não compreendo porque se insiste, sem grande evidência, em propagar hipóteses destas: 

“É que quando lemos o tweet [racista] de André Ventura podemos ter a certeza de que – mais do que o seu pensamento sobre o que aconteceu ontem em Lisboa no centro ismailita – ficamos a saber qual é o pensamento de uma parte significativa dos portugueses e que mensagem querem que seja dita, alto e bom som, em pleno espaço público.” 

Se até Carmo Afonso, uma das nossas melhores cronistas, coloca assim as coisas, é caso para dizer que ficaremos pior. Pelo contrário, devemos sempre acreditar que a esmagadora maioria dos portugueses não pensa e não age desta forma. É que as crenças têm um certo grau de performatividade. E, na realidade, temos sempre razões para ter esperança. O progresso moral, mesmo que apoucado e invisibilizado, ainda anda por aí.

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