O Observatório Fiscal Europeu avançou recentemente que, em 2019, Portugal perdia cerca de 630 milhões de euros de receita fiscal pela não tributação de lucros de multinacionais a funcionar em Portugal. Isto representava cerca de 10% da receita de IRC. Em 2015, os lucros transferidos para paraísos fiscais atingiam 2,6 mil milhões de euros e passaram a 3,4 mil milhões em 2019.
Deve notar-se que Portugal não é dos países mais lesados por estas práticas, uma vez que não estão fixadas muitas multinacionais em território nacional. Contudo, como comparação, podemos ver que, em Março, se estimava que eram necessários cerca de 200 milhões para um aumento extraordinário das pensões.
Para combater este problema de fuga de impostos por parte de multinacionais e garantir um nível de tributação mínimo, em outubro do ano passado, 136 países da OCDE assinaram um acordo internacional. Assentava em dois pilares: combater o desvio de lucros e a erosão da base tributária.
Para que se compreenda a questão é preciso sublinhar que o principal problema é o não reconhecimento jurídico de grupos multinacionais, mas apenas das suas entidades constituintes. Isto quer dizer que o grupo, ao funcionar transnacionalmente, pode escolher onde deve colocá-las, especializando-se em aproveitar as lacunas entre os vários sistemas fiscais nacionais. Este acordo permite este reconhecimento jurídico.
O primeiro pilar combate os chamados “preços de transferência”, isto é, a declaração de preços fictícios por transação entre subsidiárias do mesmo grupo, de forma a transferir contabilisticamente o lucro para jurisdições onde os impostos são baixos ou até mesmo inexistentes.
A ideia fundamental é tributar onde a atividade económica de facto ocorre e não onde é apenas registada como exercício contabilístico. A discussão traduz-se numa fórmula de repartição dos lucros entre jurisdições, utilizando fatores como os ativos detidos, o emprego, as vendas.
O segundo pilar cria uma taxa efetiva mínima a que todos os grupos devem estar sujeitos. Desta forma, evita-se a prática de alocação de subsidiárias estrategicamente em jurisdições que ofereçam benefícios fiscais específicos. Estas muitas vezes são criadas para desenvolver atividades específicas (como transações financeiras, transporte, providenciar aconselhamento, ou outros serviços) ou como empresas detentoras de ativos (como direitos de propriedade intelectual, obrigações, ações), e podem existir até apenas em papel, as chamadas shell companies.
Precisamente sobre este segundo pilar, resolveu-se esta segunda-feira o impasse que se verificava há meses no Conselho pelo veto da Hungria à proposta de diretiva da Comissão Europeia de um nível mínimo de IRC. Os Estados-Membros terão agora de adotar domesticamente as regras até ao final do próximo ano.
Como eu e o José Gusmão já defendemos aqui, a proposta (apesar de repetidamente adiada) é bastante fraca: apenas se aplica a 10-15% das multinacionais, a taxa de IRC escolhida é abaixo do que maior parte dos países já aplica, e prevê uma série de isenções.
Com esta notícia, há dois apontamentos que devem ser feitos. Primeiro, os países que se mostravam disponíveis (e bem) para avançar com a implementação da diretiva, mesmo que não passasse no Conselho, entre os quais estava Portugal, devem dar um sinal político claro e fazê-lo agora de forma mais ambiciosa do que o que a diretiva prevê.
Depois, o que não pode acontecer é o que alguns fiscalistas defendem: utilizar este acordo para descer à boleia a taxa de IRC em Portugal para 15%, por forma a tornar a economia “mais competitiva”. Para além da não eficácia económica desta medida, bem explicada já pelo Vicente Ferreira aqui, tratar-se-ia de uma leitura completamente distorcida dos objetivos do acordo internacional: garantir que as multinacionais pagam o seu quinhão de impostos.
A fuga aos impostos é legal?
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