segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Promiscuidades 4

Telejornal, 18/12/2022

Há, cada vez mais, uma sintonia entre PS e direita na política social.  

Essa sintonia passa pela visão da Segurança Social (de ser sobretudo uma rede dos mais pobres); passa pelos próprios conceitos usados (os cidadãos sem rendimento transformam-se em "os mais desfavorecidos", coitados...); pela justificação económica ("prudência orçamental", "contas certas", "primeiro a dívida pública"); e, finalmente, passa pela terapêutica política (umas centenas de euros, concedidas de forma extraordinária, mas tão generosamente, por quem governa, como migalhas a adrajosos, em vez de serem atribuídos apoios e rendimentos como direitos de uma cidadania condigna). 

Ontem, Miguel Poiares Maduro elogiou a medida do Governo de conceder 240 euros para mitigar os efeitos da inflação do segundo semestre no cabaz alimentar de uma família-tipo de três pessoas mais pobres. Foi no espaço do Telejornal da RTP para o debate entre PS e PSD (ver aqui, ao minuto 12)  

"Devo dizer que me parece positiva (...) até nos moldes em que é feita, porque procura o Governo manter algum equilíbrio e prudência orçamental face aquilo que é a incerteza (...). Não sabemos do ponto de vista económico o que nos espera e num país como o nosso que tem ainda uma dívida tão grande nós temos de ter alguma prudência e, nesse contexto, é àqueles que estão mais desfavorecidos, aqueles que estão em situação económica muito mais susceptíveis de ser afectada pela inflação, pelos cortes de rendimento que têm existido, que se devem dirigir estas medidas de apoio. Dito isto continua o Governo com um desafio muito grande nos próximos tempos. Terá, no médio prazo, de recuperar os rendimentos da classe média que estão a ser perdidos com a inflação [É só um problema do Governo?]. E veremos em que medida a inflação vai ou não reduzir-se ou se vai aumentar, e isso constitui um desafio muito grande, para o Governo e para o país." [E mais uma vez o PSD não diz como poderia resolver esse "desafio"...que deixa para o PS]

A quantia [porquê 240 euros?] será concedida a 23/12 apenas aos agregados familiares que beneficiem da tarifa social de energia eléctrica e que receberam o apoio na 2ª fase ou que, não tendo contador, que tenham prestações sociais mínimas por referência ao mês de novembro. Ficam assim incluídos quem tenha um rendimento anual até 5808 euros - ou seja 484 euros mensais em 12 prestações [porquê 484 euros?]- e que seja beneficiário do Complemento Solidário para Idosos, do RSI, da pensão social por invalidez, complemento de prestação social para a inclusão, prestação social de velhice, subsídios de desemprego ou abono de família.  

Ou seja, a larga fatia das "vítimas" da inflação fica de fora. [porquê?].  

O argumento de Poiares Maduro coincide quase perfeitamente com os alegados pelo Governo na conferência de imprensa, da passada quinta-feira. A ministra do Trabalho Ana Mendes Godinho disse: "Penso que, nesta fase, todos percebemos que são estas famílias mais vulneráveis que têm a nossa prioridade total". A ministra Vieira da Silva respondeu com o compromisso já assumido pelo ministro das Finanças, Fernando Medina, de usar totalmente a margem orçamental disponível, dentro do chamado objetivo de "contas certas", mas que "o que está em causa é identificar uma necessidade. A inflação ficou acima do que tínhamos previsto inicialmente – leia-se, que todas as organizações internacionais previram – e (está em causa) podermos adaptar o apoio a essa inflação".  

Fica claro que a inflação apenas existe para quem receba abaixo de 484 euros mensais... 


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