terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Confederações patronais têm de mudar de argumentário

 

Na conferência organizada pelo Colabor (ver aqui), realizada ontem na Fundação Calouste Gulbenkian, houve um painel para ouvir as opiniões das confederações sindicais e patronais. E um dos temas foi, obviamente, a eficácia do recém-assinado "Acordo de médio prazo de melhoria dos rendimentos, dos salários e do trabalho" (ver texto do acordo aqui e procurar o ano de 2022). 

Como é visível no gráfico (retirado do acordo), um dos objectivos essenciais é fazer subir a parcela dos salários no PIB em três pontos percentuais face aos valores de 2019 (de 45,3% do PIB em 2019 para 48,3% em 2026). Ora, este objectivo requer algumas palavras simples. 

Primeira: o "grandioso" objectivo anunciado pelo Governo significa obter em 4 anos o valor que já se tinha conseguido... em 2009 (ver gráfico). Por outras palavras, os trabalhadores andarão a marcar passo em torno do que já tinham... antes da intervenção da extrema-direita económica, personalizada pelas ideias brutais de Passos Coelho/ Paulo Portas/Vítor Gaspar/António Borges, etc., que se materializaram num imparável e rápido rolo compressor neoliberal sobre direitos de trabalhadores e pensionistas e, consequentemente, numa enorme transferência de rendimento dos trabalhadores para as empresas (queda do peso dos salários no PIB). Resta, pois, saber por que razão o Governo aceitou um prazo tão dilatado para fixar o que já se obtivera muito antes. Pior: essa "borla" às confederações patronais ocorre quando não há mecanismos, nem referenciais, nem sequer um exemplo do sector público para evitar, já este ano e no futuro, a enorme transferência de rendimento dos trabalhadores para as empresas, conseguida pelo facto de os salários estarem a subir muito aquém da inflação verificada. 

Segunda: nos bastidores do acordo, não parece ter havido alguma análise do que levou à quebra do peso dos salários no PIB entre 2009 e 2016, de modo a alterar o que possa ter sido feito... de errado. 

Terceira: ao que tudo indica, o patronato não faz tensões de o atingir esse magro objectivo. Pelo menos a julgar pelo que disse, na referida conferência, o representante patronal, o director adjunto da CIP, responsável pelo departamento dos assuntos jurídico e socio-laborais. Nuno Biscaia teceu elogios vários ao acordo, mas no final repetiu o estafado argumento, ouvido sobretudo desde os anos 80 e que ainda ecoa nas vozes de direita: ou seja, que a repartição de rendimento deve ser favorável às empresas porque desse investimento virá, a prazo, benefícios para todos (trickle down). Disse Nuno Biscaia que, na actual conjuntura, não irá ser possível subir os salários mais do que a produtividade.

Pequeno compasso teórico para se entender o sentido das suas palavras: em termos aritméticos, só se consegue que os salários pesem mais no PIB se o salário médio crescer mais do que produtividade. O assunto é mais complicado do que isto (o Paulo Coimbra e o João Rodrigues tem se debruçado aqui, aqui e aqui). Caso queira argumentos de barricada, pode ver aqui. Mas basicamente, tudo tem a ver com a repartição do bolo. Se os aumentos da produtividade não são pelo menos repartidos irmamente entre trabalho e capital, então o peso dos salários no PIB vai cair.  Foi isso que aconteceu no passado. 

Fica-se assim sem saber se o director adjunto da CIP não sabe economia, se o acordo ainda não foi suficientemente interiorizado pelos representantes patronais; se pura e simplesmente não pretendem aplicá-lo ou se os representantes patronais sabem que, mesmo aplicado, nunca se atingirá aquele objectivo. 


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