sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Querido diário - Orgulhosamente só...

Público, 20/10/2012

Público, 20/10/2012

Nos nossos dias, os mais diversos comentaristas alegam que o Governo Passos Coelho aplicou toda a austeridade  a contra-gosto, com sacrifício e mesmo tristeza porque "não se faz mal aos portugueses de bom grado". E no entanto, basta ler a comunicação social da altura para verificar que o então primeiro-ministro estava imbuído de uma cegueira ideológica que o impedia de ver o óbvio. E mesmo ao arrepio da vida de quem governavam.

Tão óbvio era que mesmo no seio do seu próprio partido - como era o caso de Manuela Ferreira Leite, a líder que Passos Coelho derrubara - se questionava o desenho da austeridade traçado. Tão óbvio era que o próprio FMI (que integrava a troika) criticava - ao contrário do presidente da Comissão Europeia, o social-democrata Durão Barroso - o ritmo do ajustamento imposto aos pobres países e aos seus cidadãos. Tão óbvio era que o próprio FMI  (que integrava a troika) concluíra já que estavam errados os multiplicadores económicos usados para aferir do ajustamento aplicado. Tão óbvio que o parceiro de coligação com o PSD - o PP de Paulo Portas - revelava sinais públicos de discordância com a política seguida no Orçamento de Estado de 2013 ("Se Portugal tivesse uma crise política agora ficaria muito perto da situação da Grécia", ou seja, algo como "sou estou aqui porque não quero ser responsável por algo ainda pior"). Tão óbvio que, no jornal do mesmo dia, o jurista Jorge Miranda - longe de ser um perigoso "radical" de esquerda - criticava como inconstucionais as alterações ao IRS - integrado no "enorme aumento de impostos" anunciado por Vítor Gaspar em 2012 - que reduzia o número de escalões: "Elevar os rendimentos dos mais baixos e colocar no mesmo escalão quem pertence à classe média e quem recebe rendimentos muito superiores, correspondentes por vezes a cinco ou dez vezes mais, claramente viola o princípio da progressividade" e que "o que seria necessário seria um aumento dos escalões, diminuindo a carga fiscal sobre os mais carenciados e aumentando sobre os que têm rendimentos mais elevados". Aliás, um tema que se mantém actual face aos projectos até de criar um única escalão ou de dois (como propõe o IL). 

E o que dizia Passos Coelho, no mesmo jornal? 

"É uma verdade de La Palisse afirmar que a austeridade tem custos ao nível do crescimento e do emprego". "Toda a gente sabe que é difícil concretizar um ajustamento da amplitude daquele que nós estamos a fazer e que isso tem evidentemente custos sociais que são relevantes". Toda a gente sabe que os países que estão sob assistência financeira ou que estejam sob maior pressão dos mercados não têm a mesma liberdade que os outros". Por isso, para Passos Coelho, não há razão para "alimentar qualquer polémica" sobre os novos cálculos do FMI...

Não havia razão para "alimentar qualquer polémica" porque Passos Coelho concordava com os objectivos da brutal política seguida: à custa do empobrecimento de todos, fomentar uma abrupta desvalorização salarial que, no entender dessa ideologia económica, iria fomentar uma subida igualmente abrupta de competitividade das empresas (o que não de verificou!) e fragilizar a Segurança Social, fomentando a ideia de que, no futuro, não haveria pensões ou que poderiam ser alvos fáceis das medidas políticas. 

Hoje, se temos baixos salários médios (sem que a competitividade das empresas tivesse subido) e se vemos a extrema-direita a querer conquistar os corações dos trabalhadores enganados e explorados, a Passos Coelho se deve. 

P.S.: Todos estamos cansados de falar de Passos Coelho. Mas por que razão, de repente, a direita do PSD volta a falar tanto dele? Acharão que, para combater a extrema-direita, se tem "contratar" um neoliberal cego?   


2 comentários:

  1. Não estou a contar nenhuma novidade ao dizer que existe uma tentativa de requalificação dos PàFistas como Passos e Relvas, mas até não me importo que tragam à ribalta estes bandidos que deviam já ter sido levados à Justiça pelos crimes económicos colossais que cometeram, é uma oportunidade para confrontar a população com as mentiras que foram contadas, como a bancarrota, para justificar a roubalheira de rendimentos dos de baixos para serem entregues às oligarquias tanto nacionais como internacionais.

    O João Ramos de Almeida faz um trabalho que merecia estar num jornal de "referência", mas a comunicação social convencional há muito que se desinteressou pela elementar verdade... apenas mais um sinal do decadente período que nós estamos a atravessar.

    Que o dia em que seja banal dizer que o Governo PàF, Comissão Europeia, BCE estavam a destruir Portugal, o seu povo e a sua economia de propósito chegue o mais depressa possível.

    ResponderEliminar
  2. Que saudades de Paulo Portas, Pedro Passos Coelho, Vítor Gaspar, Assunção Cristas, António Pires de Lima, Pedro Mota Soares, Maria Luís Albuquerque, Rui Machete, Miguel Poiares Maduro, Paulo Macedo, Paula Teixeira da Cruz...

    ResponderEliminar