O artigo do Público, já citado num post abaixo, falha num ponto. E que é um ponto essencial.
O artigo abre o debate - interessante! - sobre o conflito de políticas que pode estar a verificar-se.
Por um lado, a política levada a cabo pelo Banco Central Europeu (BCE), de combate cego à inflação através da subida das taxas de juro, visando rarefazer a procura interna - no consumo e no investimento - para, como um médico malformado, asfixiar o doente (até provocar uma recessão e desemprego) e impedir que ao respirar, se coloque pressão sobre o mercado e, com isso, fazer baixar os preços. Por outro lado, a política seguida pelos governos que, num momento de sufoco inflacionista para cidadãos e empresas, aprovam medidas de apoio orçamental, contribuindo para a manutenção do consumo e do investimento, impedindo que morram sufocadas pela subida dos preços.
O tema é relevante, ainda que tratado de forma levemente acéptica.
Primeiro, porque uma recessão é um momento dramático na vida de uma sociedade. O desemprego é - depois da guerra - dos mais graves fenómenos sociais, que está na base da destruição de postos de trabalho; destruição da vidas de trabalhadores e das suas famílias, responsável pela queda de largas camadas da população de um país na pobreza; do agravamento de depressão psicológica dos visados; da desvalorização do trabalho ao criar uma pressão para aceitação de baixos salários; da delapidação de capital das empresas quando as suas actividades são afectadas, paradas, muitas vezes irremediavelmente perdidas; e ainda da concentração da propriedade de meios de produção. A recessão é um instrumento de transferência de rendimento de muitos para uns poucos.
Segundo e finalmente porque o conflito de objectivos económicos representa igualmente um conflito de poderes: um, o dos governos, democraticamente eleito e passível de ser aferido pela população visada; outro, o do BCE, instituído por deriva ideológica neoliberal como entidade independente do poder democraticamente eleito, e, por isso, sem qualquer prestação de responsabilidades dos seus actos junto de entidades democraticamente eleitas pelos visados pelas decisões desse poder não eleito. Um poder, aliás, que é fortemente entrosado no poder do sector financeiro europeu.
De um lado, o poder democrático; de outro, o poder sem rédea nem controlo, ditatorial, que, na verdade, deveria estar sob o controlo do poder democraticamente eleito. "Fazemos o que temos de fazer", disse a presidente Christine Lagarde.
Algo está, pois errado no actual edifício institucional da política monetária. E convém ser mudado.
Este conflito não será algo como o Dilema do Prisioneiro?
ResponderEliminar