quinta-feira, 1 de setembro de 2022

Mas qual?

Buraco que tem vindo a alargar-se há 5 anos...

A subdirectora do jornal Diário de Notícias decidiu, hoje, em editorial, apoiar a SEDES, defendendo a sua "verdadeira visão estratégica". Mas estranhamente nem faz uma pergunta simples. "Qual?"

Apesar de lá estar Abel Mateus, ex-administrador do Banco de Portugal ao tempo de Cavaco Silva, defensor de todas as reformas neoliberais dos anos 90 que marcaram o futuro em que estamos; apesar de as receitas para o país cheirarem a mofo e estarem puídas de tanto terem sido usadas em escritos de jornalistas - nos anos 90, na década de 2000 de Durão Barroso, na década passada no mandato de Passos Coelho/Paulo Portas/Montenegro e Moedas - pois a jornalista Joana Petiz incorre no erro de omitir todo esse passado e de as repetir... como se fossem novas.

E pior: adopta como sua a táctica política de todos os quadros de direita: estabelecem um cenário negro (que é real), omitem um diagnóstico (que não lhes convém) e avançam com "receitas" mal concretizadas, mal quantificadas, para que ninguém possa ver como se aplicam, quem são os beneficiarios e os prejudicados, qual a sua eficácia. São um punhado de crenças mal explicadas e mera propaganda eleitoral de direita.

Diz ela:
Se Portugal não se libertar da estagnação [mas como?], será negro o futuro de todos os portugueses. Há vias para fazer duplicar o PIB em 20 anos [mas quais?], mas pôr o país a crescer verdadeiramente implica reformas sérias na economia [mas quais?]. Que vão doer, mas são essenciais para inverter a curva descendente num país que tem hoje um nível de vida comparável ao de há 20 anos, como se vê no retrato feito pela SEDES [é um retrato, mas qual é a terapia?]. E que perdeu uma oportunidade quando voltou atrás nas mudanças forçadas pela troika, com a reversão de políticas levadas a cabo pela geringonça. [Oportunidade? Portugal chegou a ter 25% de taxa de desemprego aplicando essa terapia a todo o vapor, o que gerou uma redução salarial que hoje se acha ser um crime!] Quase uma década depois, tudo será mais difícil, mais penoso. Sobretudo quando estamos à beira de nova recessão e a inflação nos roubou uma boa fatia de rendimentos. Mas em menos de 50 anos, viver da reforma - adiada já então para os 69 anos - será uma sentença de miséria extrema. As pensões que hoje equivalem a um pouco mais de 70% da remuneração passarão a valer cerca de um terço do salário recebido nos anos de atividade. [Mais retratos, mas qual é a solução?] Mudar de paradigma é, portanto, uma questão de sobrevivência [Mas qual é o novo paradigma?]. A transformação é inevitável numa economia que fez zero para inverter a crise demográfica que se agrava há décadas, que não se mexeu para garantir que os seus melhores aqui permanecessem, que alimenta à custa de burocracia e castigo fiscal um tecido empresarial doentiamente dependente do Estado e que deixou degradar os serviços públicos para lá de qualquer limite.[mas como emendar isso?] Não começar a mudar já será votar-nos ao desaparecimento numa espiral de perda e degradação de condições. [Mas mudar como?] E as indicações do caminho preconizado pela SEDES são bastante simples [são?]: tornar o Estado capaz de criar e implementar políticas públicas para o desenvolvimento, reforçar incentivos à inovação das empresas, reformar o Ensino Profissional, apostar numa ferrovia em bitola europeia e, prioritário, um imprescindível choque fiscal. [Onde foi que há ouvi isto? Ah, foi há 30, há 20, há 10 anos. Mas como se faz isso?] Não é possível redistribuir-se o que não existe [Eis uma tirada que estamos fartos de ouvir no Parlamento pelos deputaos do CDS, do PSD, o IL e Chega, pela CIP]. Sustentar um Estado Social exige uma economia saudável. [Idem!] E curá-la da anemia obriga a atrair investimento estrangeiro e melhorar a competitividade, a uma redução séria dos impostos sobre o trabalho pagos pelas empresas, a cortar quase a meio os impostos sobre os lucros e mexer nas taxas de IRS [Eis mais umas ideias tão velhas como Cavaco Silva, repetidas há 30, há 20, há 10 anos]. Quem o diz não é um grupo de perigosos liberais e defensores do grande capital, mas uma das mais antigas associações cívicas portuguesas, cujo lema é "pensar Portugal ao centro" e que tem representantes de diferentes formações académicas, estratos sociais, atividades profissionais e opções políticas a estudar a realidade e a apontar saídas com total independência e único foco na melhoria do país. [Tão velha instituição que foi a única que Marcelo Caetano permitiu que se tornasse legal, para dar a aparência de abertura política. Abel Mateus é um velho economista neoliberal... com velhas falsas soluções] A ambição de melhorar devia ser desígnio de todos nós. [Mas como?] E se essa exigência não existe em quem pode decidir a mudança, cabe à sociedade civil fazer a sua parte e forçar ativamente aquilo que não depende de si [Mas como? Votando à direita, é isso? Força: tivemos essa experiência em 1987/94, em 2002/2004, em 2011/14].
Joana Petiz repete, pois, ipsis verbis, o que outros directores de jornais fizeram há dez anos - procurar aqui o Caderno nº7 sobre as "Narrativas da crise do jornalismo económico". Primeiro, abraçaram o programa revolucionário da troica, defenderam que tínhamos de fazer o que os mercados queriam, que não havia alternativa; para dois anos depois se declararem desiludidos, desapontados, frustrados, revoltados com a ineficácia do mesmo programa e do Governo de direita.

Refira-se que se estamos aqui, não se deveu - como diz Joana Petiz - à reversão das medidas adoptadas no tempo da troica. Estamos precisamente porque ao longo de três décadas - com governos de direita e do PS aplicando a mesma política de direita - temos vindo a adoptar um corpo de medidas encharcadas na teoria neoliberal que tem um claro objectivo: a concentração da propriedade e da riqueza na mão de uma classe supostamente iluminada, financiada pela generalidade da população que não retira proveito dessa "verdadeira visão estratégica" para o país. Está à vista - até no editorial de Joana Petiz - onde nos levaram essas ideias.

Nesse aspecto, Joana Petiz tem razão: é necessário uma verdadeira estratégia para o país. Mas não mais remakes com velhos economistas neoliberais. Ou com novos jornalistas com velhas ideias repetidas.

3 comentários:

  1. Yeap, na mouche.

    "Ao centro?" Viva este 'jornalismo'!

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  2. A comunicação social degenerada convencional sempre a regurgitar os mesmos patati patatás euro-neoliberal de décadas… Não se cansam mas cansam muitos, é fastidioso.
    Eu não sabia quem era a subdirectora do Diário de Notícias mas fiquei a saber que é outra a juntar ao grupo de capatazes ao serviço da classe dominante, o grupo onde se encontram a Helena Garrido, Manuel Carvalho e outras criaturas mesmo nada sérias.

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  3. Quando se faz uma entrevista e se esconde o essencial o objetivo é mentir deliberadamente ás pessoas e isto não tem nada de respeitoso.

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