E assim é. Há alguma explicação racional para um (neo ou ordo) liberal que todas as áreas da política devem ser flexibilizadas - todas, menos uma: a monetário-cambial? Só há uma explicação que, aliás, nunca é explicada: A imposição dessa política rígida, que fixa a ditadura de uma determinada e infléxivel paridade cambial é gerida por uma instituição independente do poder político democraticamente eleito (o Banco Central Europeu), mais preocupado com a saúde do sector financeiro (a inflação baixa mantém o valor dos créditos prestados) do que com quem vive do seu trabalho e do valor do seu trabalho.
Público, 19/8/2012 |
Em 2012, eram claros os sinais disruptivos da arquitectura da moeda única. Durante muito tempo, vendeu-se a ideia de que esta arquitectura - coxa - fora a possível para aliciar a Alemanha a perder o controlo do seu bem-amado marco. Mas torna-se cada vez mais claro que as ditas lacunas da moeda única - taxas cambiais fixas e irrevogáveis entre regiões de níveis económicos distintos, ausência de uma política orçamental que compense esse desnível e a forretice de obstar à criação desse orçamento federal - na verdade funcionam às mil maravilhas em proveiro dos Estados mais poderosos da Europa.
Estes passaram a beneficiar de uma moeda mais fraca que a que seria a sua própria. Obrigaram os Estados mais fracos a ter uma moeda mais forte do que a sua própria. E isso está na base de cada vez mais maiores dificuldades para os Estados mais fracos: económicas (maior défices externos, desarticulação das suas estruturas produtivas apoiando-se em sectores fracamente produtivos), sociais (prevalência de baixos salários e aumento da pobreza), orçamentais (incapacidade de políticas expansionistas limitadas pelos magros recursos próprios e pela impossibilidade de os seus bancos centrais financiarem a actividade política), políticas (expansão da extrema-direita e cada vez maior divórcio entre cidadãos e a democracia), demográficas (mais envelhecimento, menos crianças, mais emigração), etc. E que se agravam à medida que a sua dívida se agrava.
É como acontecia com os seringueiros do Ferreira de Castro (ler "A Selva") que, antes de começarem a trabalhar, já deviam ao patrão e trabalhavam para pagar essa dívida, na verdade inexistente...
Foi aquilo que Portugal sentiu em 2012.
Público, 19/8/2012 |
Depois de o Tribunal Constitucional ter impedido o ímpeto "reformista" do PSD de Passos Coelho/Portas/Montenegro/Moedas/Poiares Maduro, a troica voltava com as suas cegas e estúpidas receitas, supostamente para fazer crescer Portugal à la SEDES: ou cortas na despesa pública (vulgo, na saúde pública do SNS, na educação pública, na provisão publica em Habitação, nos apoios sociais, na segurança, etc., etc.) ou tens de aumentar impostos sobre quem paga já impostos. Ou seja, sobre trabalhadores e pensionistas.
E é isso em que nos arriscamos de novo a cair. Dez anos depois... com os senhores não eleitos do BCE a impor suas condicionalidades de cada vez que algo não lhes agradar. Para já, o BCE tudo faz para provocar uma nova recessão, quaisquer que sejam os custos económicos e sociais, e que se impeça uma justa repartição do rendimento. Tudo em nome da alta finança:
Questionada [Isabel Schnabel, membro da comissão executiva do BCE] sobre os riscos de uma recessão, a responsável esclarece que há indícios "de que o crescimento económico desacelere e não está fora da mesa que entremos numa recessão, especialmente se as importações da Rússia forem ainda mais afetadas". Mas, mesmo com uma recessão, a economista, que faz parte do núcleo duro do BCE, adianta que pode não ser suficiente para trazer a inflação de volta a uma linha de controlo de 2%. "O abrandamento do crescimento da economia provavelmente não é suficiente para abrandar a inflação", diz.E se tudo se mantém desarmonioso, por que razão não há-de haver uma nova crise do euro?
Eu quero muito que o povo deste país perceba a perversidade que lhe foi, e continua a ser, infligida.
ResponderEliminarQuando o dia do reconhecimento do mal chegar não gostaria de estar no lugar daqueles que andaram a agredir a maioria da população.