A subida das taxas de juro parece ter vindo para ficar. Depois do anúncio do Banco Central Europeu (BCE), que aumentou as taxas de juro de referência em 50 pontos base, espera-se que a tendência se mantenha. É neste sentido que se tem discutido as suas principais implicações.
O impacto mais destacado tem sido o do crédito à habitação: para quem tem empréstimos com taxas variáveis, as prestações já estão a aumentar e poderão subir substancialmente, já que o indexante utilizado nos contratos (a taxa Euribor) acompanha a flutuação das taxas de juro de referência. Além disso, a subida das taxas vai tornar mais cara a concessão de crédito para as empresas e terá um efeito de restrição do investimento no conjunto da economia, o que pode aumentar o desemprego.
No entanto, o aumento dos juros não é uma má notícia para todos. O setor bancário, por exemplo, é um dos principais beneficiários deste processo. Depois de terem recebido mais de 2 biliões de euros em empréstimos do BCE para fazer face à crise provocada pela pandemia, os bancos europeus têm agora uma oportunidade de ouro: depositar o dinheiro nas contas que detêm no banco central, aproveitando os juros mais elevados para obter lucros extraordinários. Para perceber como funciona o esquema, é preciso recuar uns anos.
Em 2019, o BCE começou a conceder empréstimos aos bancos comerciais com condições bastante favoráveis. Estes empréstimos ficaram conhecidos como “operações específicas de refinanciamento de longo prazo” e eram concedidos a taxas de juro negativas (-0,5%). Por outras palavras, o banco central pagava aos bancos comerciais para estes receberem o dinheiro. Com o início da pandemia, o BCE reduziu ainda mais essa taxa, para -1%, justificando-o com a necessidade de fornecer liquidez aos bancos e impedir uma quebra generalizada da concessão de crédito, à semelhança do que aconteceu na última crise financeira e que desencadeou uma vaga de incumprimentos e falências.
Só que, com o aumento da taxa de depósito do BCE, é expectável que os bancos aproveitem para depositar os empréstimos que receberam no banco central e arrecadar os juros. De acordo com as contas dos analistas financeiros da Morgan Stanley, esta operação poderia render ao setor bancário entre quatro e 24 mil milhões de euros até ao fim do programa em 2024. Um dirigente de um banco europeu, citado pelo Financial Times, explicou de forma sucinta que “este negócio tem sido bastante lucrativo”, embora reconheça que “é difícil para os bancos gabarem-se abertamente disso – ninguém quer admitir que estão a beneficiar da pandemia”. Apesar do risco de um aumento dos incumprimentos nas prestações dos empréstimos, as perspetivas do setor bancário europeu para os próximos tempos parecem ser francamente otimistas.
Em Portugal, o setor bancário também não tem motivos de queixa. Os lucros dos cinco principais bancos – BCP, Santander, CGD, BPI e Novo Banco – aumentaram 78% nos primeiros seis meses do ano, face ao mesmo período do ano passado. Ao mesmo tempo, as comissões bancárias voltaram a subir: ao todo, os cinco bancos cobraram 1222 milhões de euros aos clientes no primeiro semestre de 2022.
Os banqueiros têm recusado comparações com o ano passado devido às restrições impostas pelo confinamento. Nesse sentido, argumentam que os resultados são um indicador de regresso à normalidade. Mas a verdade é que o valor cobrado em comissões subiu 19% em relação ao mesmo período de 2019, o que indica que a pandemia está longe de explicar tudo. Na verdade, as comissões aumentaram 163% nos últimos 10 anos, como notou recentemente a DECO, o que demonstra o poder de mercado dos principais bancos e o seu impacto na carteira dos consumidores.
Em Espanha, o governo de centro-esquerda liderado por Pedro Sánchez (PSOE) já avançou para a tributação dos lucros extraordinários do setor bancário. A ideia passa por cobrar uma taxa sobre os ganhos extraordinários decorrentes da subida dos juros e do aumento das comissões bancárias. É uma medida de justiça social, por visar os grupos que estão a lucrar com a crise, e de bom senso económico, por desencorajar preços especulativos e permitir financiar outras medidas de apoio a quem está a perder poder de compra.
Por cá, o Governo não parece ter muito interesse em atuar. Num ano em que os salários reais terão uma quebra acentuada – uma das maiores do conjunto dos países da OCDE – face à escalada da inflação, o Governo continua a preferir manter intocados os lucros dos grandes grupos, da energia ao retalho, passando pela banca.
Artigo publicado inicialmente no Setenta e Quatro.
O dinheiro gratuito aos bancos - aos seus acionistas - não choca quase ninguém já se esse mesmo dinheiro fosse dado à generalidade dos cidadãos seria um ultraje.
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