quinta-feira, 7 de julho de 2022

Quando é que a AR vai discutir a crise?


Discute-se na AR a moção de censura apresentada pelo Chega. Infelizmente, os discursos passam ao lado das causas mais importantes da crise que estamos a viver e que, tudo o indica, se agravará nos próximos meses. E as causas são estas:

1) o colete de forças da moeda única (vulgo "Portugal das contas certas") que leva o Governo a evitar uma negociação séria das carreiras na Administração Pública (SNS, Educação, etc.), a admitir que terá de voltar a olhar para o sistema de pensões com os óculos do neoliberalismo, a limitar o essencial do investimento público ao PRR, a conduzir uma política de relações públicas dirigida aos mercados financeiros, a exibir um discurso de "bom aluno" no quadro de uma UE cada vez mais pressionada pelos países da Europa central e de leste, ou seja, no quadro de uma UE submissa aos interesses geo-estratégicos dos EUA;

2) as sanções económicas e financeiras decretadas contra a Rússia que, como muitos previram (comparando com sanções antecedentes), não impedem a guerra, não derrubam Putin, nem afundam a economia russa, pelo menos pelo que se viu até agora. Um verdadeiro "tiro no pé" da UE com consequências que se afiguram gravíssimas, sem que a Ucrânia tenha qualquer benefício.

Na realidade, as sanções produziram na UE uma gravíssima crise de energia (última hora: nacionalizações na Alemanha e na França), possivelmente também uma crise alimentar de grande escala no Sul global, uma enorme subida do custo de vida que mais uma vez agravará a vida dos pobres e de boa parte da classe média, um abalo no excedente comercial da Alemanha, um novo cenário internacional que pode pôr em causa o modelo de crescimento alemão, com repercussões negativas para o resto da zona euro. Recorde-se que a Alemanha é o terceiro destino das exportações portuguesas.

Isto, ao mesmo tempo que o BCE anuncia subidas (cautelosas, é certo) da taxa de juro para "combater" uma inflação que nada tem a ver com excesso de procura, e a UE promete com grande espectáculo um novo alargamento que (a concretizar-se, o que duvido) produzirá na UE o caos institucional, como de resto António Costa já percebeu.

O melhor cenário para os próximos meses seria uma situação de relativo equilíbrio no confronto militar que conduzisse a Rússia e a Ucrânia a aceitarem o regresso às negociações.

Eu sei que este cenário é injusto para a Ucrânia invadida, cuja classe dirigente, pouco importa agora as suas motivações, acreditou poder contar com outros exércitos ao seu lado para submeter os separatistas e enfrentar a Rússia. E tinham alguma razão para acreditar nessa ajuda musculada porque, embora 'de jure' a Ucrânia estivesse fora da NATO, a NATO estava 'de facto' na Ucrânia antes do golpe de 2014. Um dia saberemos mais sobre esta trágica instrumentalização da Ucrânia pelos EUA.

Na verdade, os EUA conduziram a Ucrânia a uma situação-limite, como bem explicam os diplomatas que conhecem a História e, estando agora aposentados, não se sentem condicionados pela propaganda.
Também por compaixão para com o povo ucraniano, precisamos de algum realismo para pôr fim à tragédia. O trio Scholz-Macron-Draghi devia ter a ousadia de dizer a Joe Biden (alguém acredita?) que a guerra tem de terminar já, até porque o stock de armas e munições dos fornecedores está perto do fim.

Enquanto esperamos por melhores dias - uma espera activa, pela minha parte - devemos dispensar a voz dos falcões da guerra (dos que querem uma "solução militar"). Ouçamos antes a voz de diplomatas experientes, de académicos que anteciparam o que estamos a viver, de militares que trabalharam para a NATO, ou mesmo o idoso Henry Kissinger, gente que conhece bem o que nos conduziu a este beco e sabe como isto ainda nos pode conduzir à catástrofe nuclear. Alguns exemplos: (1), (2), (3).

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