Público, 2/6/2012 |
Há dez anos, os dados do desemprego começaram a sair fora do Excel oficial.
Os efeitos da austeridade - desejados como teoria económica, como ideologia, como terapia para o equilíbrio das contas externas de um país que "vivia acima das suas possibilidades" (!!) e não porque o Governo Passos Coelho/Portas/Moedas/Montenegro fosse obrigado a querê-los - começaram a ficar fora do controlo.
A ideia era mesmo criar uma bela recessão, fazer aumentar o desemprego - sim, dando cabo da vida de centenas de milhares de pessoas! - como forma de reduzir a procura interna e quebrar a resistência dos trabalhadores à descida dos salários nominais. Claro que apenas os puros ideólogos defendiam a dura tese pura. Enquanto Passos Coelho se esquivava escolhendo as palavras para não ser apanhado a mentir (ver citação acima); o consultor do Governo António Borges assumia tudo o que havia a assumir, seguindo o economista chefe do FMI (ver a secção 5 deste estudo): baixar os salários era "uma urgência, uma emergência", porque só baixando salários é que se ganhava competitividade no quadro de uma moeda única e forte.
Nunca é demais frisar aquilo que escreveu, em 2006, Olivier Blanchard:
Os trabalhadores podem ser induzidos a aceitar uma redução nos salários nominais? A resposta pode muito bem ser não. Os sindicatos podem discordar do diagnóstico e, assim, discordar da necessidade de restabelecer a competitividade. Eles podem esperar um crescimento mais rápido da produtividade. Muitos anos de alto desemprego podem ser necessários para convencer os trabalhadores da necessidade do ajuste.
E, com delay, a comunicação social exerceu, a partir de 2010 (governo Sócrates), o seu papel de rolo compressor da corrente dominante liberal. Diziam:
“A certeza de que é preciso fazer ao País o que se faz às árvores: cortar para crescer melhor” (Pedro Santos Guerreiro, 27/1/2010). “Está na hora de os liberais saírem da toca. Em Portugal, já concluímos que o Estado é caro, insustentável e ineficiente. Não podemos pagar tantos salários, pensões, riscos a privados, filigranas partidárias, subsídios, incentivos, apoios, enlatados sob o chapéu-de-chuva da protecção estatal. Não é uma ideologia, é viabilidade” (PSG, 3/2/2010). “Até porque, se não o fizermos, outros nos obrigarão a fazer. Por isso, o anúncio do congelamento dos salários nas empresas públicas é um bom sinal. Que outros se sigam” (Nicolau Santos, 27/2/2010). “O Estado só consegue reduzir a sua dívida vendendo activos públicos” (Camilo Lourenço, 9/3/2010). “A boa noticia do PEC é que ele é mau. Mau para funcionários públicos, para alguns pensionistas, para muitas famílias da classe média, para utentes de serviços do Estado, para desempregados, para dependentes de rendimentos sociais, para investidores. Não é sadismo. É porque tinha de ser” (PSG, 11/3/2010). “E o congelamento dos apoios sociais, como o RSI, reclama de todos nós o regresso a atitudes mais solidárias e menos dependentes do Estado no combate à pobreza” (HG, 22/3/2010). “O melhor que poderia acontecer a Portugal era um plano à FMI imposto pela União. Em vez desta morte lenta, teríamos uma violenta, boa e rápida recessão. Para voltarmos de novo a crescer com saúde” (HG, 22/4/2010). O plano de austeridade que ontem foi anunciado peca por tardio, pela ausência de medidas de política económica e por estar a ser concretizado por um Governo que já não é governo. A recessão de que precisávamos vem aí. Falta chegar a governação que oriente o país para o regresso da prosperidade (HG, 15/5/2010). “Moral da história: a recessão é como uma dieta que se tomou inevitável para equilibrar o organismo” (CL, 16/5/2011).“Do Estado às famílias, todos vamos ter de enfrentar a realidade de sermos mais pobres do que pensávamos. E sairemos dela menos saloios, menos deslumbrados com palácios inúteis a que chamaram investimento público” (HG, 22/9/2010).
E passados dez anos, é óbvio que saímos disto de tudo isto muito pior, bem mais pobres - outros bem mais ricos! - com uma economia cada vez mais assente em sectores de trabalho extensivo, de fraca produtividade, em que é possível ver crescer o emprego, sem que subam os salários. E em que a exploração se reproduz na fragilidade do poder reivindicativo dos trabalhadores presos e obedientes na engrenagem da precariedade, que impede uma vida independente e civicamente participativa, mas que transforma silêncio em votos na extrema-direita ruidosa. A desigualdade social não trouxe prosperidade colectiva.
Já passaram dez anos, mas a teoria - mesmo sem que alguém o diga ou assuma - continua a ser a mesma. Todo o edifício legal erguido sobretudo desde 2003 - que visou dar "flexibilidade" às empresas - colocou os salários e as organizações dos trabalhadores como variável de ajustamento do que era "necessário" fazer. Todas as medidas do âmbito das relações laborais visaram uma descida dos salários e uma transferência de rendimento dos trabalhadores para os donos das empresas e, neste capítulo, sobretudo para as grandes empresas (que é onde há grandes concentrações de trabalhadores).
E agora?
Agora, quando em breve se tornarem públicas as medidas que o actual governo - que se diz socialista - vai apresentar às confederações patronais e sindicais como a sua nova política de rendimentos, procure alguma delas que belisque esse edifício legal montado para desvalorizar salários. E depois, se não encontrar - como é provável que não encontre! - questione-se: que medidas apresentadas irão combater as desigualdades sociais, melhorar a situação de estagnação do rendimento ou fazer com que os salários recuperem uma melhor parte na repartição do rendimento, como o Governo diz desejar?
Ou será que o Governo prefere mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma e, como é seu hábito nas negociações com os patrões, colocar o Estado - ou pior, a Segurança Social! - a pagar os aumentos dos salários nominais... disponíveis (depois de impostos)? E digo "pior" porque ao aceitar descontos na TSU, o Governo usa dinheiros dos trabalhadores para pagar os aumentos salariais de outros trabalhadores e aceita a filosofia liberal de que as contribuições sociais são efectivamente uma "carga fiscal", um fardo carregado pelas empresas. Tanto trabalho teve Mário Centeno a desmontar o conceito, para o actual Governo o deitar pela janela sem avisar "água-vai!".
É que, se for para isso, os eleitores que votaram no PS deverão ficar a pensar que, se calhar, alguém da Iniciativa Liberal conseguiu entrar no Governo e ninguém disse nada...
El presidente del banco estadounidense Goldman Sachs, John Waldron, :
ResponderEliminarPor otra parte, fue más optimista acerca de la capacidad de su entidad para seguir generando ganancias elevadas durante la recesión. "Cualquiera que sea el entorno económico, lo haremos bien", sentenció el banquero.
https://actualidad.rt.com/actualidad/431732-presidente-goldman-sachs-advierte-impactos-economia
Enquanto a Vaca CEE der leite (nunca se recebeu tantos milhões) vai havendo um passeio triunfal.
ResponderEliminar“Não é sadismo.” - Pedro Santos Guerreiro
ResponderEliminarNão?!
E eu a pensar que o objectivo da austeridade é acima de tudo sadismo da classe dominante sobre as classes dominadas, ainda bem que tenho Pedro Santos Guerreiro para me elucidar e me salvar de conceitos marxistas pérfidos que toldam o juízo!
“A recessão de que precisávamos.” - Helena Garrido
Isto diz tanto desta criatura.
“E o congelamento dos apoios sociais, como o RSI, reclama de todos nós o regresso a atitudes mais solidárias” – Helena Garrido
Terá esta criatura praticado solidariedade alguma vez na vida? Duvido, contudo, é sempre bom saber que o sofrimento é um requisito para sermos boas pessoas, que nos levará à redenção e nos garantirá o bilhete de entrada no Paraíso.
“Do Estado às famílias, todos vamos ter de enfrentar a realidade de sermos mais pobres do que pensávamos.” - Helena Garrido
Helena Garrido é especialista a desviar-se da pobreza, meter-se na administração da RTP a ganhar seguramente um salário bem acima do mínimo deve ajudar, pelo menos, a não ter que ir ao Banco Alimentar pedir bifes à Santa Jonet.
Curiosamente foi a Garrido que chegou a defender o fim da RTP… Detalhes insignificantes para as mentes neoliberais sempre tão impermeáveis à decência e vergonha.
Devia-se fazer um estudo científico aos cérebros daqueles que se acham no direito de defender austeridade sabendo que eles e elas vão ser protegidos dessa mesma austeridade, aposto que se vão descobrir uma ou mais patologias…
Esta gente vem ao mundo para só praticar o mal?
Estes propagandistas são cúmplices da farsa e crime “bancarrota”, eles criaram as condições para que o valor acrescentado (que defendem, dizem...) não aconteça e depois ainda têm a desfaçatez de acusar as suas vítimas de piegas, malandros, subsídio-dependentes! Repugnância, acho que é uma palavra apropriada para descrever o sentimento em relação a esta turba de propagandistas.
Espero que no futuro façam um filme ou uma telenovela com o título “Bancarrota”, em Portugal não falta material, estas tristes figuras seguramente serão representadas!
António Costa poderá ter azar, se a coisa corre mal vai ficar com a responsabilidade de tudo o que se tem feito de liberal neste país, é claro que a hipocrisia da classe média é também inaudita nunca acharam verdadeiramente que os debaixo deviam ter uma condição tipo a sua e isto é um erro grave.
ResponderEliminarCaro TINA's Nemesis,
ResponderEliminarSou capaz de partilhar consigo a efervescência do sangue quando nos pomos a ler coisas com dez anos e depois olhamos à volta e percebemos o que nos queriam, afinal, impingir. Mas acho sempre preferível não fazer transbordar essa indignação para ataques pessoais, personalizados.
É verdade que, nalguns casos, as incongruências de comportamentos são relevantes. E devem ser apontadas. Mas mesmo assim acho que esses comportamentos podem - e devem, na minha opinião - ser tratados como fraquezas, inconsistências e contradições das suas ideias. Porque mesmo que "vençamos" uma pessoa, as suas ideias não acabam aí.
João, mais de 10 anos passados os defensores do “não há alternativa” continuam na comunicação social a mentir, eles e elas não se redimiram, não apresentaram desculpas, foram recompensados pelos seus serviços e durante estes anos muita gente ficou e continua mal devido às suas mentiras.
ResponderEliminarMais de 10 anos passados aqueles que contam o que verdadeiramente foi a “bancarrota” continuam ostracizados e cancelados, os porteiros da comunicação social não os deixam passar para os estúdios de TV para negarem a narrativa do “não há alternativa”.
E se a retórica da austeridade não é tão intensa como já foi isto se deve ao facto de muita gente ter ficado mal e já não ter tolerância para ela, não se deve ao reconhecimento do quão nefasta foi por parte dos advogados da mesma, estes advogados voltam à carga assim que puderem.
Gostava de dizer que não vejo malícia, que é ignorância, mas não consigo ser assim tão ingénuo…
O trabalho que o João aqui partilha é valioso contra o mal que está instalado mas a ridicularização daqueles que oprimem é também uma ferramenta válida, tem sido uma arma dos pobres contra os poderosos ao longo dos tempos.
As coisas vão ficar ainda piores antes que nós possamos finalmente ter a mudança de paradigma, esta gente que domina a comunicação social não lá está para servir a vasta maioria da população e está a fazer o que pode para manter o actual paradigma decadente, a acusação a alguns de serem “putinistas” é apenas mais um exemplo do que os capatazes da comunicação social são capazes de fazer para preservar o status quo.