Repescando uma notícia do Público de 2005 («Habitantes do Rossio não chegam a ser uma dezena»), António Nogueira Leite sugere no twitter que, caso se prefira, «podemos voltar às políticas que faziam da baixa e do centro um deserto acessível». Pela ironia, Nogueira Leite imagina certamente o centro histórico e a baixa da capital como espaços hoje repovoados e revitalizados, graças, deduz-se, às dinâmicas de intensificação do turismo e do alojamento local, a reforma do arrendamento de Cristas ou o aumento do investimento imobiliário estrangeiro.
É provável, portanto, que o economista não tenha prestado atenção aos dados do último recenseamento. Se o fizesse, perceberia que hoje as freguesias da baixa e do centro têm ainda menos população que em 2001 e em 2011, tendo aliás perdido mais residentes na última década que na anterior. De facto, se entre 2001 e 2011 a redução da população foi de -12% na baixa e centro (e -13% quando se consideram apenas as freguesias da baixa), entre 2011 e 2021 a quebra rondou os -16% no primeiro caso (cerca de -8.300 habitantes) e -24% no segundo (quase -6.200 moradores).
Estamos portanto a falar da perda, em dez anos, de cerca de 25 pessoas por cada 100, na baixa, e de 16 por cada 100 no total do centro histórico. De um declínio que se torna ainda mais expressivo quando se considera apenas a população com naturalidade portuguesa, situando-se nesse caso as perdas em -35% na baixa (mais de 1/3 da população residente em 2011) e -26% na baixa e centro histórico. Isto quando, na década anterior, a perda de residentes se situava em -21% e -18%, respetivamente. O tal «deserto acessível» é portanto hoje, claramente, deste ponto de vista, ainda mais árido que em 2005, ao contrário do que Nogueira Leite aparentemente supõe.
Poderá argumentar-se, evidentemente, que baixa e centro histórico fervilham hoje de turismo e que o edificado beneficiou da reabilitação e gentrificação associadas ao investimento, nacional e estrangeiro. E achar-se, portanto, que esta era a boa e natural solução para o problema de partida, desvalorizando a expulsão de residentes e o sacrifício da própria identidade dos lugares, ou os efeitos em termos de deseconomia urbana e disfuncionalidade na organização da cidade (que na última década perdeu, toda ela, população). Mas de facto, para quem não vê aqui nenhum problema e rejeita, por princípio, uma intervenção pública capaz de assegurar os necessários equilíbrios - preferindo que seja o mercado a moldar a realidade - nada disso importa.
Muito interessante esta análize. Na Mesericórdia os moradores "antigos" desapareceram. Muitos pela idade. Outros simplesmente foram-se embora. Porquê?. Não há moradores Não há sossego nem segurança devido à típica volátil população de fim de semana, de copos ou despedida de solteiro/a....
ResponderEliminarUma análize da proveniência dos actuais "moradores" é esclarecedora. Vivem nas lojas de conveniência.
Já não há "lojas" de comércio geral. Só bares. Todas foram transformadas em bares. Lembremo-nos que este negócio abre hoje tão rapidamente como fecha, amanhã. A "mercadoria valoriza com o tempo, não está sujeita a modas.
Que família, hoje em dia, quer morar numa zona com ruído até de madrogada, insegura, sem comércio e até sem lugar para estacionamento?.
"Repovoar" estas zonas, com famílias e vida de bairo, é um mito. Este fenómeno social é conhecido. Não ocorre só em Lisboa ou em Portugal. Não vale a pena sonhar em artificialmente recriar estas zonas para serem o que eram.
A gentrificação não é só provocada pela iniciativa privada.
ResponderEliminarVários edifícios grandes que estavam na esfera do Estado foram deixados vagos, por ex: o hospital da marinha, o hospital do desterro, o hospital de arroios, várias escolas primárias, ministérios etc. Quantos foram usados para habitação a preços moderados pelo Estado? Nenhum. Quantos foram vendidos a grupos turísticos? Todos ou quase todos.
Como exemplo não está mal. Vê-se como é grande a preocupação dos sucessivos governos e executivos camarários com o problema.
Há um cem numero de vozes em Portugal que não dizem nada, absolutamente nada, só têm voz porque estão do lado "certo" da luta de classes, só isso. A esquerda tem de ser muito mais que isso, a esquerda tem de ser toda ela intelectual, o discurso da direita é por norma medíocre, elementar e pouco sustentado, uma pura perda de tempo.
ResponderEliminarA economia das zonas históricas mudou sem que o edificado acompanha-se as exigências da nova economia por duas boas razões:
ResponderEliminar- Conservar as características arquitetónicas impedia alterações dramáticas.
- O congelamento das rendas impedia a conservação e melhoria do edificado.
Ignorar esses factores, da mercearia e do galego da corda, ao centro comercial e ao supermercado, nada diz sobre as alterações populacionais.
Junte-se a evolução dos transportes urbanos...
Os idosos que passaram toda uma vida nos Centro Históricos,são agora expulsos para as periferias;alojamento local e apartamentos para estudantes é um grande negócio dos senhorios,politicas publicas de habitação não existem,as cidades não são para os pobres nem para as classes médias baixas.
ResponderEliminarHá muita gente com a mesma "esperteza saloia". Ao longo do tempo a Baixa foi sempre entendida como uma "oportunidade" cuja revitalização não passaria pela intervenção pública, seria apenas aquilo que o Mercado viesse a determinar. Recorde-se o que dizia Augusto Mateus(1), então membro do Comissariado Baixa-Chiado que assumia em 2006, em entrevista ao Expresso, que a nova Baixa seria uma parte da cidade para os que tinham poder de compra. Apenas para esses.
ResponderEliminarhttps://www.publico.pt/2006/06/11/jornal/venda-do-patrimonio-do-estado-uma-oportunidade--para--a-cidade-e-os-cidadaos-83663