terça-feira, 7 de junho de 2022
Afinal, de que se queixa a direita em Portugal?
Temos de conceder que os últimos anos da evolução institucional da direita portuguesa vieram acompanhados de substantivas melhorias de propaganda política e de moldagem da perceção pública. Evolução que não nos deve ser estranha se pensarmos que parte dessa direita emerge e se reproduz a partir da tão eficaz quanto oca estratégia dos departamentos de marketing que dominam os discursos das marcas e, de forma crescente, de todas as instituições, mesmo as públicas.
Uma das conquistas dessa estratégia foi conseguir criar a perceção de que somos governados por um grande polvo socialista, que se estende do PS ao Bloco, passando pelo PCP. Esse "socialismo" é definido como extremista, intervencionista e contrário aos valores da liberdade. Os empresários são as grandes vítimas deste sistema. O "socialismo" é também o espaço da permissividade, onde o crime e a delinquência são tolerados e a ordem desprezada.
O problema desta narrativa é o seu contraste com a realidade. Alguns exemplos recentes da governação do Partido Socialista são uma ilustração perfeita do fosse entre a perceção pública e a sua efetiva tradução.
i) O Governo quer uma trajetória de crescimento de 20% nos salários no setor privado mas porfia em ter aumentos abaixo de 1% no público, omitindo o quão incoerente é este gesto e o quanto agudiza o problema de incapacidade de retenção de quadros qualificados no setor público.
ii) O Governo diz-se pela igualdade, mas rejeita taxas sobre os lucros excessivos num contexto inflacionário, quando até o partido conservador britânico está na linha da frente da sua aplicação.
iii) O Governo agita a Agenda do Trabalho Digno e a centralidade do balanço entre vida profissional e familiar, mas deixou cair a valorização do trabalho extraordinário dessa Agenda, à mais leve reticência das entidades patronais. Já para não referir a forma intransigente como sempre se posicionou contra a valorização do trabalho por turnos, nomeadamente durante a negociação do anterior Orçamento de Estado.
iv) o Governo é um indefetível defensor do SNS, mas assiste impávido enquanto cada vez mais portugueses ficam sem médico de família e o setor de privado se expande sem que o governo aumente a competitividade dos salários no SNS para garantir um serviço verdadeiramente universal.
v) O Governo é a favor da escola pública, mas continua a consentir que as universidades públicas cobrem propinas de mais de 10.000€/ano por mestrados, tornando-se um contribuinte ativo para a reprodução da desigualdade através da restrição à educação por recursos económicos.
vi) O Governo define como essencial o direito á habitação, mas continua a ter medidas que, não só não restringem, como favorecem a financeirização da habitação em Portugal, com a habitação a ser cada vez mais um ativo vendido como qualquer outro em portefólios de investimento internacional. O que se traduz num crescente fosso entre os preços da habitação e os rendimentos dos cidadãos, com efeitos catastróficos no acesso à habitação por parte das classes baixa e média, sobretudo entre os mais jovens.
vii) O Governo, pela voz de José Luís Carneiro, promete um grupo especial de combate à delinquência juvenil, com um linguajar de fazer corar André Ventura ou o Paulo Portas dos velhos tempos.
E a lista continuaria. Não sei de que se queixa a direita radical em Portugal. Nestas, como noutras questões, não vejo o que fariam de diferente. O "socialismo" que combatem é, em boa parte, o seu próprio programa. Mesmo que o discurso seja de sentido oposto.
Os exemplos que apresenta são todos eles resultado de "propaganda política e de moldagem da perceção pública" feita pelo ... PS que, não esqueçamos, se chama Partido Socialista.
ResponderEliminarPor isso é que o seu post falha o alvo. A direita portuguesa não tem hoje qualquer poder ou impacto efetivo na sociedade: nas autarquias, na Assembleia da República, na Administração Pública, na União Europeia, ... Tem, quando muito, uns soundbytes na comunicação social a que ninguém liga e que não influenciam nada.
A não ser que considere que as políticas do PS que refere são afinal, o resultado da poderosa influência da direita portuguesa. António Costa ri-se.
Assim se justifica o eleitor do PS, seja por candura ou malícia.
EliminarO mesmo se passa com a Esquerda,não tem poder na sociedade:na Assembleia da República,nas autarquias,na Administração Pública,na comunicação social.........o PS meteu na gaveta à décadas o socialismo........
ResponderEliminarSeria excelente se as políticas de direita não tivessem impacto, mas são elas que nos governam.
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