terça-feira, 31 de maio de 2022

Querido diário - A Comissão Europeia ressoa na voz da direita

Há dez anos, estava o Governo Passos Coelho/Paulo Portas a aplicar de boa-vontade o Memorando de Entendimento com a troica  (ver Caderno nº9 - pag.29) e a Comissão Europeia voltava a pressionar para que se cortasse na duração do subsídio de desemprego. Mas porquê?  

Público, 31/5/2012

 

Em Abril de 2012, o Governo - pela mão do ministro da Economia Álvaro Santos Pereira (presentemente na OCDE) e do centrista  ministro do Trabalho Pedro Mota Soares (presentemente na firma Andersen Tax & Legal) - aprovara o corte na duração máxima de 38 para 18 meses alegadamente como forma de reduzir a subsidiodependência dos... desempregados. Na realidade, o que se pretendeu foi outra coisa: baixar os salários médios. Como? Primeiro, aumentando o desemprego, ao provocar uma recessão que equilibrasse as contas externas; e depois reduzindo os apoios aos desempregados (pagos pelos próprios e pelas empresas numa lógica de seguro), como forma de os obrigar a aceitar os salários - baixos - que se lhes fossem sendo oferecidos. Esta medida fez parte de um pacote que visou precisamente a descida dos salários médios, como forma de dar competitividade às empresas nacionais. 

Entre essas medidas figuraram: fim de 4 feriados nacionais, corte de 3 dias de férias, corte para metade do pagamento do trabalho extraordinário e fim do descanso obrigatório por trabalho extraordinário (criando um verdadeiro incentivo ao uso do trabalho suplementar para lá dos horários de trabalho e prejudicando a vida familiar dos trabalhadores), corte das compensações por despedimento, redução do valor e duração do subsídio de desemprego. E tudo isso deve ser somado ao quadro que fora já aprovado com a criação do código do Trabalho (em 2003) e sua consolidação (em 2009) que previu diversas medidas com o mesmo fim de reduzir salários, como foi a caducidade das convenções colectivos, o fim do tratamento mais favorável (sabotando os mínimos legais), a facilitação dos despedimentos ilegais, a criação de bancos de horas, a desregulação dos horários de trabalho, a explosão do número de agências de trabalho temporário, a fragilização contratual, o abuso continuado das falsas situações de trabalho independente, etc., etc.

Ao fim de duas décadas, o novo quadro é visível. 

 

Essas medidas contribuíram para sapar a segurança no emprego, desvalororizar o trabalho e aumentar a insegurança no desemprego, o que se refletiu numa estagnação dos salários médios e na redução do peso dos salários no PIB, em favor de uma transferência do valor criado para os lucros. 

Mas agora todos os partidos de direita esquecem esse passado e fazem campanha política... por uma subida salarial, embora sem nunca defender a alteração das regras legais que nos trouxeram até aqui. Há dúvidas? O teste do algodão é perguntar a cada dirigente de direita se está disposto a mudar as leis que conduziram a essa desvalorização salarial. Veja-se a ginástica da Iniciativa Liberal para defender a subida dos salários... reais! Ou seja, colocando o Estado a subsidiar essa subida. 

Ou pergunte-se, de uma forma mais lata, por que razão estão os salários estagnados. E não se aceite a resposta de que a culpa é dos impostos elevados, porque a carga fiscal subiu de 29% em 1995 para 34,9% em 2022 do PIB (a partir dos dados AMECO) quando na zona euro sempre rondaram os 40%, sendo que, em Portugal, a maior subida foi precisamente no mandato liberal do Governo Passos Coelho/Paulo Portas, quando o então todo poderoso ministro das Finanças Vítor Gaspar criou o "enorme aumento de impostos" para o ano de 2013 depois de o Tribunal Constitucional chumbar - mais uma vez! - o corte na "despesa pública" (vulgo funcionalismo e pensões, além da queda do investimento público) que se pretendia fazer então. E nunca se esqueça que o PIB português estagnou em volume desde 2000, coincidentemente com a criação da zona euro... Ou seja, com um PIB menor, a carga fiscal sobe.

E isto já sem entrar no debate sobre o próprio conceito de "carga fiscal" que inclui as contribuições para a Segurança Social, transformando algo positivo - como seja a criação de emprego e as suas respectivas contribuições sociais - em algo negativo: mais "carga fiscal"... sentida pelas empresas!  

Fonte: a partir de dados AMECO; 

Este "esquecimento" político do passado torna possível aos partidos à direita voltar a defender o que já defendiam antes, embora sem assumir o fracasso das medidas adoptadas há uma década. Leia-se o que dizia a Comissão Europeia em Maio de 2012 e sinta os ecos que ressoam na voz dos deputados do PSD, IL e Chega dez anos depois, no actual hemiciclo:   

"O sucesso do programa depende da aplicação de um vasto leque de reformas estruturais para remover a rigidez e estrangulamentos que estão na base da estagnação da economia na última década" e que "a ambiciosa agenda de reformas" estava "no bom caminho", nomeadamente nas áreas do trabalho, da saúde, habitação, sector judiciário e matéria de concorrência"   
É caso para dizer: tão novinhos e já com ideias tão velhas, retrógradas e ineficazes... Perdão, eficazes para baixar salários e reduzir o seu peso no PIB.

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