Jornal Publico 8/3/2002 |
Neste dia internacional da Mulher, o jornal Público de 2002 não lhe deu muita importância.
À excepção de uma chamada de 1ª página para a queixa de uma centena de britânicas sobre os efeitos de uma nova pílula contraceptiva, apenas a secção da Cultura abriu com uma barra sobre o dia, com um artigo sobre maestrinas (Joana Carneiro parecia uma criança). Tudo o resto estava centrado noutro lado.
Há 20 anos, vivia-se em campanha eleitoral, depois da António Guterres se ter demitido, após a derrota nas eleições autárquicas de 16/12/2001.
"Portugal vive hoje uma situação de pântano político, como foi reconhecido pelo ainda primeiro-ministro António Guterres na noite das eleições autárquicas de 16 de dezembro passado"
Começava assim um artigo de opinião de Miguel Frasquilho - na altura economista-chefe do Grupo Espírito Santo, no qual ingressou em 1996 - em que defendia a necessidade de um "choque fiscal" para fazer aumentar a produtividade do país.
Jornal público 8/3/2002 |
Achava-se que apenas um "choque do lado da oferta poderia tirar o
país da situação em que se encontra e retomar a aproximação ao nível de
vida médio europeu". Sugeria-se uma descida da tributação e alargamento
da base tributária em IRC, incentivos à poupança estável em IRS, a
reforma da tributação do sector imobiliário; e a reestruturação dos
escalões do IRS. Frasquilho dizia-se - veja-se! - "um adepto do caso
irlandês" (!). Onde foi que já se ouviu isso?
Sim, foi há 20 anos, mas parece que estamos a ler um programa do partido IL, como se fosse uma grande novidade. Novidade talvez para quem o elaborou ou para os jovens, mais novos que a idade da ideia, inebriados pela aparente frescura das suas ideias. Mas sim, foi exactamente há 20 anos, que o PSD apresentou esta e outras ideias - como a realização de uma auditoria às contas públicas que reduzisse o "excesso" de despesa pública. Mas nem esta nem a outra política do "choque fiscal" foi levada à prática, dados os seus impactos orçamentais e na vida dos cidadãos, nem nunca a descida fiscal teria a eficácia pretendida, como aliás o mostram diversos estudos, já citados neste blogue.
Cavaco Silva e António Borges - dois economistas impregnados das ideias neoliberais que de, uma forma ou doutra, marcaram estruturalmente o país com a aplicação dessas ideias, sendo em grande parte responsáveis por estarmos onde estamos (um pântano, não é o que se diz?) - torciam-se então com essa ideia do "choque fiscal". Talvez fossem um pouco mais sensatos do que alguns novos actores que repetem agora esta velha ideia.
Visto assim à distância, as ideias do PSD pouco evoluíram. Parecem decalcadas das que ainda hoje são defendidas como reformas imprescindíveis tanto pelo PSD e entidades patronais, como - mais grave! - pelos novos partidos à direita.
Para quem viveu tudo isto, é um pouco ingrato assistir-se a uma recuperação/reformatação do passado ou verificar que, apesar de tudo o que se passou no país, nada se aprendeu e tudo se repete, apenas com novas caras ou tom de voz que possam convencer a nova geração de incautos eleitores que julga que o passado é uma fotografia desfocada que começou pouco antes de cada um ter nascido.
Então, o PS propunha um debate na concertação social para a criação de um Livro Branco da Produtividade e parecia ser favorável à "flexibilidae do trabalho". Essa flexibilidade viria, de facto, com a aprovação em 2003 de um Código do Trabalho cujo articulado estava já nessa altura a ser preparado fora do Parlamento, em obscuros escritórios, e que o PS viria anos mais tarde, em 2008, a aprofundar ainda mais, com efeitos desastrosos na descida dos salários médios e no esvaziamento do papel das organizações sindicais.
Nessa altura, em 2002, o PS defendia bem alinhado com o discurso dominante: "Temos de ser capazes de captar investimentos", "não há falta de empreendorismo em Portugal", "vamos promover o reforço da cooperação entre empresas e o sistema científico". Já o PSD queria - como hoje! - apenas distribuir o que se criasse e não o contrário. Ao longo desses 20 anos, essa ideia serviu para que os ganhos de produtividade não fossem distribuídos pelos salários, reduzindo o peso dos salários no PIB. E hoje todos choram que tenhamos dos mais baixos salários médios da União Europeia.
Mas após todo o cansaço gerado por António Guterres - que, desde 1995, fora primeiro-ministro aplicando as principais ideias do neoliberalismo - todas essas ideias de reforma foram eleitoralmente eficazes: Durão Barroso viria a ser primeiro-ministro, apoiado em Santana Lopes. Mas não por muito tempo. Valores mais altos - ou melhor, mais a norte - se ergueriam diante
de si.
Nessa altura, o PSD revelava toda a sua capacidade "reformadora". As suas - perigosas - propostas para a justiça geraram uma viva reacção no sector.
À esquerda parecia haver algumas ideias comuns e que talvez se fosse traçar um caminho em sintonia...
Enfim, sobrevoar os jornais com 20 anos, traz-nos a percepção de que algo falhou e que se demasiado perdeu tempo com as mesmas políticas, que tudo se esvau na gestão do dia-a-dia e na reformatação constante de velhas ideias ineficazes. E que muito possivelmente não se conseguiram as alianças necessárias para impedir o rolo compressor dos efeitos das ideias empobrecedoras do neoliberalismo que, parecem, estar prontas para mais uma ronda de reformas estruturais que nos levarão a um novo círculo na descida aos infernos do mesmo pântano.
Pensem bem !
Choque fiscal?!!! Isso é coisa de meninos... Esperem até sentir o choque "boomerang" das inteligentes sanções da União Europeia à Federação Russa.
ResponderEliminarEstou à espera que o Iniciativa Liberal nos ensine a todos a "criar riqueza" no meio da devastação económica geral...