sexta-feira, 4 de março de 2022

Condenar a invasão e contextualizar o passado e o futuro


«A invasão da Ucrânia é ilegal e deve ser condenada. (...) Como e porquê chegámos aqui? Há 30 anos a Rússia (então União Soviética) saía derrotada da Guerra Fria, desmembrava-se, abria as suas portas ao investimento ocidental, desmantelava o Pacto de Varsóvia, o correspondente soviético da NATO, os países do Leste Europeu emergiam da subordinação soviética e prometiam democracias liberais numa vasta área da Europa. (…) Com o fim da Guerra Fria, os EUA sentiram-se donos do mundo, um mundo finalmente unipolar. (…) As ideias de correlação de forças e de equilíbrio de poderes desapareceram do seu vocabulário.»

Boaventura de Sousa Santos, Como chegámos aqui?

«Não é admissível o silêncio sobre a invasão militar da Ucrânia pela Rússia, a maior operação bélica na Europa desde a II Guerra Mundial. Por mais previsível que fosse, não deixa de ser uma agressão, em grosseira violação do direito internacional e da Carta das Nações Unidas, que só pode merecer condenação geral.
Só é de lamentar que a Ucrânia e a Nato tenham fornecido pretextos à Rússia para esta ofensiva, desde o abandono do estatuto de neutralidade ucraniana (que tinha sido condição explícita do reconhecimento da independência ucraniana por Moscovo), logo substituída pelo pedido de adesão à Nato (uma óbvia provocação à Rússia), até ao incumprimento do acordo de Minsk de 2015 sobre a autonomia dos territórios russófonos do leste da Ucrânia (que Kiev manteve sob constante assédio militar). Quando se mora ao lado de um gigante ressentido, convém não lhe dar pretextos para a agressão.
»

Vital Moreira, Contra a invasão da Ucrânia

«Do lado ocidental, depois da simpatia inicial por Gorby, ganhou a tese de que a Rússia tinha perdido a guerra-fria, podendo doravante ser ignorada. Apesar das promessas de que a reunificação da Alemanha não implicaria o alargamento para leste da NATO, a verdade é que esta se efectuou em duas fases principais (1999 e 2004), integrando uma dezena de aliados do ex-Pacto de Varsóvia, e mesmo ex-repúblicas soviéticas, como foi o caso dos Estados bálticos. (...) A breve guerra desse ano [2008] na Geórgia, e a anexação da Crimeia em 2014, mostraram que Putin tinha falado a sério em 2007: a Rússia traçou uma linha vermelha à expansão de uma aliança militar, que considerava fazer perigar a sua segurança nacional. O desastrado ativismo bélico da NATO e dos EUA nos últimos 20 anos, num proselitismo democrático coberto de sangue e ruínas, no Afeganistão, Iraque ou Líbia, ajudou a consolidar as reservas de Moscovo.»

Viriato Soromenho Marques, Derrota mútua assegurada

«Que fique bem claro, antes de começarem os disparates nas “redes sociais”, que eu condeno sem ambiguidades a invasão da Ucrânia, por razões que são mais do que evidentes. Putin e a nostalgia imperial são muito perigosos numa Europa sem defesa a não ser os americanos. Acresce que, por muito dividida que esteja a Ucrânia, a sua independência é fundamental para conter a Rússia e manter a face do direito internacional, que, mesmo que seja apenas a face, é importante para as democracias.
Mas a obrigação para quem tem uma escrita pública é perceber que a complexidade da história pode e deve ser compreendida, e que não olhar para as coisas a preto e branco não impede que se tenha posição, bem pelo contrário. Nestes tempos de enorme simplificação, em que o conforto do preto e branco domina as posições e induz ao clubismo político, nunca quis deixar de ver as cores, ou seja, tentar perceber a complexidade de qualquer humano assunto. Isso não ajuda a legitimar Putin, mas combate-lo com mais eficácia.
»

José Pacheco Pereira, Olhar as cores, decidir a preto e branco

«É preciso condenar a invasão desencadeada por Putin e é preciso contextualizar o passado e o futuro da presente situação. As duas coisas não são incompatíveis e a segunda não é menos necessária do que a primeira. De outro modo a escalada arrisca-se a ser imparável. (...) A paz não é a única via para acabar com uma guerra, mas é a menos dolorosa e mais segura das vias. Precisamos de indignação ética e de racionalidade política. É preciso interromper a espiral de parada e resposta, o que exige imaginação e energia diplomática. É demasiado cedo para desistir da paz e quero apenas recordar que o potencial de destruição em jogo é incomparavelmente maior ao de vésperas da II Guerra Mundial. A União Europeia não deve confundir-se com a Nato.»

Zé Neves (facebook)

3 comentários:

  1. "A União Europeia não deve confundir-se com a Nato."

    Não?
    A União Europeia é um projecto imperialista tal como a NATO.
    Reparem como os europeístas estão desejosos em criar os Estados Unidos da Europa por decreto!
    Os povos não querem os Estados Unidos da Europa?
    Os eurocratas querem lá saber do que os povinhos querem ou não querem!
    E não chateiem os eurocratas com referendos, referendos provocam reações alérgicas horríveis nos eurocratas, no Rui Tavares e na Ana Gomes!

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  2. A União Europeia é o mandatário civil da NATO, é um saco de gatos e de cães, é um conjunto de ex-poderes coloniais cheio de manias de grandeza próprias de senhores, mas cujo quotidiano não passa de uma eterna humilhação de lamber as botas ao seu dono de além-Atlântico.
    Contudo, sejamos claros, tal facto é, doravante, completamente irrelevante: a União Europeia acaba de se suicidar com o proverbial tiro pela culatra das suas inteligentes sanções económicas à Federação Russa e à Bielorússia. Petróleo? Gás? Fertilizantes? Titânio? Trigo? Naaaaa... Quem precisa disso quando há painéis solares, ventoinhas em cima dos montes e megatoneladas de lítio para explorar?

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  3. Partem todos de um pressuposto errado. A Ucrania, como país soberano que é, tem o direito de se aliar com quem muito bem entender.

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