O desenvolvimento de uma linha ferroviária completa importa para o estado da economia por vários motivos: havendo uma maior eficiência no transporte de mercadorias, haverá também um alívio nos custos de produção, podendo estancar necessidades de cortes pelas empresas; ao permitir uma deslocação facilitada das pessoas, facilita uma melhor alocação da mão-de-obra; ao promover a coesão territorial, melhora a qualidade de vida da população e dilui desigualdades; e contribui fortemente para os objetivos climáticos estabelecidos.
Nas últimas décadas, a linha ferroviária foi sendo progressivamente diminuída até atualmente ter os mesmos quilómetros que em 1893. Temos uma rede pouco densa, que se expressa em 2,8 kms por cada 100 km2. Países que têm uma dimensão comparável, como a Holanda e a Bélgica, têm, respetivamente, 7,4 e 11,8. A Suíça, reconhecida pela sua ferrovia, tem 12,9.
Esta deterioração é explicada pelas escolhas políticas de índole liberal que os sucessivos governos tomaram e por continuamente negligenciarem a aposta na ferrovia, falhando na execução dos planos apresentados. De destacar o governo de Passos que fechou mais de 133 quilómetros de linha (Beja-Ourique e Torre das Vargens-Marvão).
Nos anos 90 a União Europeia emitiu uma diretiva que impunha aos Estados-Membros que separassem a roda do carril, isto é, a empresa responsável pela operacionalização dos serviços daquela que se encarrega da construção e manutenção da infra-estrutura. A ideia subjacente era permitir que diferentes empresas pudessem concorrer pela oferta do serviço e assim garantir melhores preços para os utilizadores e uma melhor eficiência em geral. Portugal foi dos primeiros países a adotar esta diretiva, criando em 1997 a REFER que funcionaria como carril. Teria então de passar a articular-se com a CP, responsável pela roda. Países como França e Alemanha contornaram esta imposição ao construir uma holding pública, isto é, existem duas empresas com entidade jurídica distinta mas que funcionam dentro de um mesmo grupo público, por forma a garantir a partilha de conhecimento técnico e o alinhamento nas escolhas de investimento.
Recentemente o Comité Económico Social Europeu emitiu um parecer em que declarava: “a abertura do mercado e a harmonização técnica não produziram os resultados ambicionados” e que “não há uma correlação entre o grau de abertura do mercado e a satisfação dos passageiros ou o preço dos bilhetes”.
Para além disso, também a partir dos anos 90, passou a haver uma preferência pelo investimento na rodovia em comparação com a ferrovia. Esta tendência foi transversal aos vários países europeus, mas em Portugal assumiu uma maior preponderância, sendo que atualmente temos a segunda maior rede de auto-estradas por habitante na Europa.
Dados disponíveis no Pordata
Por um lado, canalizaram-se os fundos comunitários europeus nesse sentido, com progressivo menor efeito económico. O investimento rodoviário representou entre 26 e 32% em cada quadro financeiro comunitário e só as autoestradas oscilaram entre 5 e 14%. Por outro lado, houve um crescente recurso a Parcerias Público Privadas (PPP) que, ao adjudicarem a empresas privadas a criação e gestão de serviços que habitualmente pertencem ao domínio público, permitem um alivio orçamental compatível com as regras europeias para o endividamento público. No grupo de países UE27, Portugal tem o maior mercado de PPP em proporção do PIB. A maior parte destes contratos foi para a rodovia - das atuais 38 existentes 21 são no setor rodoviário.
Seguindo esta preferência, em 2015, o governo Passos procedeu à absorção da REFER pela Estradas de Portugal, criando a Infraestruturas de Portugal. Para além dos despedimentos que causou, criou uma empresa pública de difícil gestão e afastou o conhecimento técnico e os interesses da ferrovia.
Pedro Nuno Santos tem a cargo um novo plano de investimento - Plano Ferroviário Nacional - que parece ambicioso e agregador dos vários contributos a que foi sujeito. Deverá ser anunciado em breve para depois ser discutido na Assembleia da República. Tudo depende se será executado.
É sem dúvida um excelente post com um título que induz em erro.
ResponderEliminarDeveríamos ter apostado na ferrovia em vez de auto-estradas? Sem dúvida.
São as auto-estradas propriedade das construtoras? Não.
Foram as construtoras que se lançaram na construção de auto-estradas? Não, foi o estado que promoveu as empreitadas e as financiou.
Nesse sentido não há liberalismo nenhum em jogo. O que há é capital rentista a captar investimento público, e PPPs desenhadas contra todas as regras de bom senso e, penso eu, até diretrizes da UE (quando por ex. uma Brisa tem lucros garantidos quer haja ou não tráfego).
Eu propunha uma outra linha de argumentação: o capital rentista fez pressão para que o Estado investisse nas auto-estradas porque estas permitiriam lucros garantidos em duas frentes. Construir ferrovia teria resultado apenas em ganhos durante o tempo de construção; nas auto-estradas existe, além disso, a possibilidade de ganhar também na parte da operação das mesmas. A tarefa da esquerda é não se deixar levar por estes interesses.
O liberalismo funciona e beneficia quem pretende beneficiar: os mais ricos. E por isso não faz falta.
ResponderEliminar