É consensual que o voto útil - influenciado pelas sondagens e pelo ambiente de corrida renhida promovido pelo comentariado nacional que se iam alimentando mutuamente - foi determinante para a maioria absoluta obtida pelo PS nas eleições legislativas. Neste processo parece que foi também decisiva a distribuição de indecisos no apuramento dos resultados das sondagens.
Quando perguntado se a maioria absoluta tinha sido uma surpresa, Luís Paixão Martins (um dos estrategas da campanha do PS) referiu isto mesmo, comparando a sondagem da Católica de 20 de janeiro com outra encomendada pelo PS à GFK no mesmo período. Estas sondagens, partindo de intenções diretas de voto semelhantes para o PS (29%), apresentavam resultados finais um pouco diferentes depois de feita a distribuição dos indecisos, 37% no caso da Católica e 39.2% no caso da GFK. Luís Paixão Martins refere também que os mesmos 29% de intenção direta de voto na sondagem anterior da Católica (LPM diz que é de dezembro, mas creio que seja a publicada a 13 de janeiro) davam um resultado de 39%.
Noutras declarações interessantes, mas nada esclarecedoras, o responsável das sondagens da Católica,
Ricardo Ferreira Reis, refere que fizeram “a projeção dos indecisos do dia 20 com base em certeza de voto como fazemos habitualmente, ou seja, fazemos a projeção de dia 20 com base nas pessoas que no dia 20 têm a certeza que vão votar”. Ricardo Ferreira Reis, critica ainda o pouco destaque que se dá às intenções diretas de voto, por oposição às projeções finais, “porque essa é a tal antes dos nossos ajustamentos”.
Olhemos então para as intenções diretas de voto e para estes "ajustamentos" das sondagens da Católica publicadas nos dias 7, 13, 20 e 28 de
janeiro e comparemos com os resultados publicados (ver ficheiros de frequências ponderadas para as intenções diretas de voto e relatórios para os finais).
Podemos ver que a percentagem do PS nas intenções diretas de voto andou sempre à volta dos 28.9%, tendo aumentado ligeiramente na última sondagem para 29.3, enquanto os resultados do PSD oscilaram entre os 21% atingidos na sondagem de 13 de janeiro e os 24.1% de 20 de janeiro, tendo na última sondagem ficado pelos 23.4%. Comparando com os resultados finais, salta à vista a última sondagem publicada, que, sendo a que tem a segunda maior diferença entre os dois partidos (5.9 pontos percentuais), é aquela em que a diferença é menor nos resultados finais publicados.
Claramente a distribuição de indecisos teve um peso decisivo na obtenção dos resultados finais da última sondagem publicada que permitiram esta capa, dois dias antes das eleições.
Mas como se distribuem então os indecisos? Consultando a ficha técnica das sondagens, no campo em que é suposto constar a “descrição pormenorizada das hipóteses e o modelo em que se baseia” a distribuição de indecisos a resposta é “não se aplica”. No relatório de cada sondagem aparece a seguinte informação referindo-se às projeções obtidas (repare-se também como as desvalorizam e chamam a atenção para o impacto que diferentes pressupostos poderão ter nos resultados obtidos):
“Obtida calculando a percentagem de intenções diretas de voto em cada partido em relação ao total de votos válidos (excluindo abstenção e não respostas) e redistribuindo indecisos com base em duas outras perguntas sobre intenção de voto. São apenas consideradas intenções e inclinações de voto de inquiridos que dizem ter a certeza de que vão votar. Estas estimativas têm valor meramente indicativo, dado que diferentes pressupostos poderão gerar resultados diferentes.”
Olhando para as respostas das sondagens, apenas encontrei duas com valores relevantes que possam servir para esta distribuição. A primeira questiona os indecisos em quem estão mais inclinados para votar e a segunda pergunta em que outros partidos ponderam votar. Eis os resultados com o total de indecisos também:
Podemos ver que da sondagem de dia 20 para a de 28, o total de indecisos passou de 19.2% para 14.2% e a diferença nos indecisos entre PS e PSD aumentou de 0.5 p.p. para 0.8 p.p. o que não ajuda a explicar (antes pelo contrário) a distribuição de indecisos feita para a obtenção dos resultados finais da sondagem de dia 28. Quanto aos que ponderam votar noutro partido a diferença, favorável ao PSD, passou de 1.2 p.p. para 3.6 p.p., sendo esta a única informação que aponta para uma distribuição de indecisos favorável ao PSD.
Apesar de nada se poder concluir em definitivo, uma vez que parece que a distribuição de indecisos é feita apenas com base nos respondentes que afirmam ir votar de certeza e não temos essa informação, podemos pelo menos desconfiar que a metodologia de distribuição dos indecisos dificilmente foi a mesma nas duas sondagens. Mesmo olhando para a desagregação das respostas à última sondagem por sexo, idade e escolaridade, as duas categorias que mais respondem que não sabem em quem votar (18 a 34 anos e com ensino secundário) evoluíram favoravelmente ao PS.
O que se terá então passado para que a projeção final da sondagem de dia 28 tenha aproximado os dois partidos, comparando com a sondagem de dia 20, passando a diferença de 4 pontos percentuais para 3 pontos percentuais, quando a diferença de intenção direta de voto foi mais favorável ao PS em 1.1 p.p., o número de indecisos foi menor (19.2% para 14.2%), a intenção de voto dos indecisos foi mais favorável ao PS e apenas se verificou uma evolução mais favorável ao PSD no que diz respeito à possibilidade de votar noutro partido.
Outra informação importante que nos poderá ajudar a responder a esta questão é a seguinte. O maior número de pessoas inquiridas na última sondagem (2192 contra 1456) resulta numa menor margem de erro. Na sondagem de dia 20 a margem de erro foi de 2.6 p.p, enquanto na de 28 foi 2.1 p.p., ou seja, a margem para o empate técnico era bem menor.
Especulando um pouco, o que me parece ter acontecido é que os técnicos e responsáveis da Católica assistiram ao mesmo ambiente de “corrida renhida” e de “vontade de mudança” que todos nós, e perante outras sondagens (com números bastante inferiores de entrevistas e com margens de erro bastante maiores) que davam o famoso empate técnico, decidiram proteger-se e incluir na margem de erro a vitória do PSD. Parece-me que a melhor
forma de evitar que algo semelhante aconteça no futuro, e ao mesmo tempo realmente proteger quem faz as sondagens, passa por ter critérios para a distribuição de indecisos definidos antecipadamente aquando da definição do inquérito e que estes sejam de conhecimento público. Algo que, confesso, sempre pensei que assim fosse, mas parece (e sublinho o parece) que não é bem assim.
Luís Paixão Martins, "consultor de comunicação e relações públicas" que orientou a campanha do PS nestas eleições legislativas, tinha já orientado a campanha do PS de Sócrates nas legislativas de 2005 (outra maioria absoluta para o PS) e a de Cavaco Silva nas presidenciais de 2006.
ResponderEliminarNa entrevista à "cnnportugal", ele salientou que o sucesso da campanha eleitoral do PS de Costa se deveu a uma boa convergência com a bolha mediática: "uma campanha eleitoral não se faz a divergir da bolha mediática. Uma campanha eleitoral faz-se com a bolha mediática. (...) Quando se diverge da bolha mediática está-se a destruir a campanha e está-se a destruir a relação com os media" ( https://cnnportugal.iol.pt/ps/psd/folhetim-de-voto-a-maioria-absoluta-explicada-por-quem-a-conseguiu/20220202/61fa23d50cf21847f0a8ada1 ).
Como conseguir a convergência desejável? Ajustando o rumo da campanha, é certo, tendo em conta a evolução dos resultados das múltiplas sondagens; mas também movendo influências nos media para moldar a bolha mediática em conformidade com os objectivos da campanha...
A. Correia
Na bolha mediática, a narrativa oficiosa da situação política durante o Verão de 2021 tratava os partidos à esquerda do PS como se o seu papel no futuro imediato praticamente se limitasse à tomada de posição relativamente ao OE2022 que aí vinha: VIABILIZAR ou NÃO VIABILIZAR, eis a questão obsessivamente colocada, por isso mesmo, aos representantes desses partidos. Se viabilizassem a coisa - o que. atendendo ao OE2021, era dado como quase certo no caso do PCP -, ficariam "metidos no bolso do Costa", de alguma maneira "traindo" o seu eleitorado e assim se tornando politicamente irrelevantes. Se não viabilizassem - o que, atendendo ao OE2021, era dado como quase certo no caso do BE -, estariam a ser "irresponsáveis", merecendo por isso passar à irrelevância política depois da "inevitável" dissolução do parlamento e de legislativas antecipadas. Ou seja, a irrelevância política era o destino de ambos.
ResponderEliminarEntretanto, em perfeita convergência com a bolha mediática, o Governo adoptou uma clara postura de intransigência negocial quanto à sua proposta de OE2022 - uma proposta muito longe do que era possível e urgentemente necessário ao país e à maioria esmagadora dos que nele vivem (sobrevivem). Quanto ao presidente-comentador, também em perfeita convergência com a bolha mediática, assumiu a chantagem política que se adivinhava: ou os partidos à esquerda do PS viabilizavam o OE2022 ou ele dissolvia o parlamento e marcava eleições antecipadas, supostamente como única forma de Portugal sair da "crise política" decorrente do chumbo.
Meia dúzia de dias antes da votação da proposta de OE2022 do Governo, não era de estranhar que as estimativas divulgadas em https://sondagens.rr.sapo.pt fossem as seguintes: PS com 39.65%, PSD com 26.04%, Chega com 8.49%, BE com 6.26%, CDU com 5.57%, IL com 5.10%, PAN com 2.53%, CDS com 1.83% e Livre com 0.37%. Ou seja, o PS - com 39.65%, mais de treze pontos percentuais acima do PSD - já tinha a maioria absoluta à vista. No que diz respeito aos partidos à esquerda do PS - que conjuntamente tinham tido 18.44% dos votos em 2015, abrindo caminho à "geringonça" -, a intenção de voto conjunta já tinha descido para 11.83%...
A. Correia
Opinião de Arménio Carlos (https://expresso.pt/politica/armenio-carlos-substituicao-de-jeronimo-so-ocorrera-no-proximo-congresso/):
ResponderEliminar"É evidente [estes resultados eleitorais] são consequência de outros resultados que já vinham de trás. Existe um desvio do eleitorado da CDU para o PS que já se verificou várias vezes. Isso deve levar-nos a refletir sobre como chegámos até aqui e o que temos de fazer daqui para frente.
(...)Desde há dois anos a esta parte, o PCP recolocou com muita força a necessidade de resposta a problemas estruturais. E, sistematicamente, o PS disse ‘nim’. O PS quer passar a ideia de que é necessário aumentar os salários e equilibrar as relações de trabalho. Mas não teve nem coragem nem vontade política. (...) [O PCP não ficou refém dos anos da ‘geringonça’] a partir do momento em que deixou claro que não queria discutir apenas o OE sem discutir os problemas de fundo. (...) Durante quatro anos houve um acordo que foi cumprido. A partir de 2019, o PCP sentiu-se completamente liberto para colocar as questões de fundo, como as da legislação do trabalho. Se o PCP continuasse a viabilizar orçamentos sem a resolução destes problemas então é que ficaria refém.
(...) Se não fosse este [OE a ser chumbado] , era o próximo. Tinha de acontecer, porque senão era a coerência e os princípios do PCP que estavam em causa. (...) Se calhar pecámos por uma decisão tardia. Mas em 2021 tínhamos a pandemia, estávamos numa fase muito difícil, não sei se as pessoas iriam entender. Hoje, prova-se que uns andaram a trabalhar para semear direitos e outros agarraram-se à fábula de “Pedro e o Lobo” para conseguirem uma colheita de votos. Foi isso que se passou. A história da bipolarização e do empate técnico é a história de “Pedro e o Lobo”. Neste caso em concreto, não havia outra solução".