terça-feira, 15 de fevereiro de 2022
A tirania do mérito
«Quem alcançou o topo, passou a acreditar que o sucesso foi um feito seu, uma medida do seu mérito. E que quem saiu a perder só tem que se culpar a si próprio. Esta forma de pensar no sucesso emerge de um princípio aparentemente atraente. Se todos tiverem as mesmas oportunidades, os vencedores merecem as suas vitórias. É esta a essência do ideal meritocrático. Na prática, claro, as coisas são muito diferentes. Nem todos têm as mesmas oportunidades para subir. Os filhos de famílias pobres tendem a manter-se pobres, e os pais abastados a conseguir passar as suas vantagens aos filhos. Nas universidades de Ivy League - as de maior prestígio nos EUA - por exemplo, há mais estudantes do topo de 1% do que de toda a metade inferior do país.
(...) A meritocracia corrói o bem comum. Leva à arrogância entre os vencedores e à humilhação entre os que saem a perder. Enche de vaidade quem tem sucesso, fazendo esquecer a sorte e os ventos favoráveis que ajudaram no caminho. E leva a desprezar os menos afortunados e menos bem-sucedidos. E isto é politicamente importante, pois uma das causas mais fortes da revolta popular é a sensação, entre muitos trabalhadores, de que a elite os despreza.
(...) Devíamos focar-nos menos em preparar pessoas para o combate meritocrático e focarmo-nos mais em melhorar a vida de quem não tem um diploma, mas que tem um contributo essencial na nossa sociedade. É preciso renovar a dignidade do trabalho e colocá-la no centro da política.
(...) A atual pandemia torna tudo isto muito claro. Revela o quão profundamente dependemos de trabalhadores que, muitas vezes, ignoramos. Distribuidores, técnicos de manutenção, empregados de mercearia, empregados de armazém, camionistas, auxiliares de enfermagem, educadores de infância, prestadores de cuidados ao domicílio. Não são os mais bem-pagos nem os mais reverenciados, mas hoje reconhecemos que são trabalhadores essenciais. E por isso este é o momento para um debate público sobre como alinhar o seu salário com esse reconhecimento e a importância do seu trabalho. E é também o momento para uma mudança moral e até espiritual, que nos leve a questionar a nossa arrogância meritocrática. (...) Insistir na ideia de que o meu sucesso só a mim se deve dificulta o exercício de me colocar no lugar dos outros».
Michael Sandel, A tirania do mérito (legendas em português)
Como Nassim Nicholas Taleb abordou, existe sempre aleatoriedade na nossa vida, tanto no sucesso como nos insucessos. Não devemos menosprezar o trabalho de quem trabalhou para o sucesso, mas não podemos viver no erro de que só este chega para o alcançar.
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ResponderEliminarE os filhos desses trabalhadores? Uma sociedade meritocrática não tem obrigatoriamente de esmagar ou desprezar os "perdedores", muito menos quando temos uma sociedade culturalmente cristã.