terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

A esquerda num impasse


"Assim sendo, enquanto o PS mantiver o apoio popular que as sondagens mostram, a direita não terá acesso ao governo. Com a entrada em cena do Chega, o BE e o PCP estão condenados a apoiar o PS até ao fim da legislatura, mesmo que não gostem do resultado das negociações." (Escrito a 27 Janeiro 2021, aqui).

Quando escrevi isto tinha a clara consciência de que o eleitorado das esquerdas temia a ascensão da extrema-direita e o regresso da austeridade selvagem. Mesmo que estivesse pouco satisfeito com o governo, o eleitorado das esquerdas olhava para o BE e o PCP como o suporte do PS para travar a direita; não via (e não vê) estes partidos como alternativa. O PCP e o BE tinham caído numa situação em que estavam obrigados a apoiar orçamentos neoliberais, de que globalmente discordam, por não terem sido capazes de, atempadamente, construir uma posição minimamente sustentável fora da geringonça.

Desde o início que os partidos da esquerda não perceberam que aquela solução política foi apenas um expediente de emergência para a derrota do PS em 2015, uma solução política conjuntural, embora muitos nela depositassem a esperança num frentismo de outros tempos. Acreditavam que, com António Costa, o PS podia entender-se com a esquerda por mais tempo. Na verdade, o PS é um partido social-liberal, bom-aluno europeísta, e só pretendia fazer as cedências estritamente necessárias para manter a primeira legislatura. Depois, adeus à 'geringonça'.

Para mim, foi penoso ver o encantamento das esquerdas com a respeitabilidade adquirida a partir do acordo-'geringonça'. Foi penoso ver a insistência na disponibilidade para novos acordos com o PS. E foi penoso ver, com a rejeição do Orçamento de 2022, que (aparentemente) não perceberam a gravidade do dilema com que estavam confrontados.

Absorvidos pela dinâmica parlamentar do compromisso, descuravam a crítica pedagógica à retórica das contas certas, não conseguiam (não queriam) constituir uma frente comum para negociar com o PS, e julgavam que para ter credibilidade política bastava falar de salários, pensões, saúde e outros temas sectoriais sem os enquadrar num projecto de sociedade alternativo ao neoliberalismo da UE. Sobretudo no BE, o discurso evita o tema do euro apesar de ele estar subjacente a quase tudo, como se viu nos debates.

A direita que mais cresce não tem qualquer pudor em afirmar-se neoliberal e anti-sistema. Assume que é alternativa ao "socialismo"(!!) de António Costa e dos que o apoiaram. A direita tem uma ideologia bem conhecida e um modelo de sociedade individualista e desigual que não tem pejo em defender, mesmo depois do que fizeram com a troika. E a esquerda? Qual é a sua ideologia? Que modelo de sociedade propõe? A única vez que durante a campanha ouvi algo desta natureza foi pela voz de Pedro Nuno Santos, no comício de Aveiro.

Naquele mesmo post escrevi: "As esquerdas têm a obrigação de oferecer uma interpretação alternativa para o caminho que fizemos até aqui e para os obstáculos que impedem o nosso desenvolvimento. A meu ver, têm de oferecer um projecto de sociedade que seja mobilizador, capaz de trazer para o seu lado uma parte importante do voto dos desiludidos com o que a democracia lhes deu, além de outros. E isto exige muitíssimo mais do que trabalho parlamentar; exige diálogo unitário e exige militância de base ao lado dos que ficaram para trás em todo o país. Espero que ainda haja tempo."

Confesso que estou céptico quanto à capacidade de mudança das esquerdas que temos. Se expressões como "não baixar os braços" ou "estamos cá para a luta" significam uma atitude de resistência e que nada de fundamental vai mudar, então o destino da nossa esquerda será o da esquerda de outros países da UE, em particular na Itália e na França.

Mais do que nunca, alternativa de esquerda, precisa-se.

5 comentários:

  1. Tenho vivido, com angústia, apreensão e profunda tristeza, as primeiras horas pós-eleitorais, que, confirmando o PS em maioria na A. da República, confirmam também e desde logo por essa mesma razão, que o Povo ali estará em minoria.
    A esquerda à esquerda do PS, há dois anos reuniu quase 900.000 votos e 31 deputados, viu-se agora reduzida a uma representação parlamentar cuja expressão se cifra em pouco mais de 1/3.
    Naturalmente que as causas serão muitas, complexas e algumas de natureza estrutural enquanto outras meramente conjunturais. Não caberá pois aqui escalpelizá-las, mas apenas adiantar um ou dois contributos, para um debate que agora se vai iniciar.
    A primeira observação é a de que a manipulação ideológica, nomeadamente sob a forma de "sondagens" e do apelo à bipolarização, ostracizando o campo político à esquerda do PS (paradoxalmente, aquele que o havia arrancado das cinzas em 2015) e denegrindo ostensivamente a sua imagem e propostas, contribuiu em larga medida, para sentimentos de medo irracional, que conduziram ao chamado voto útil. A segunda observação, que se prende directamente com esta, é a de que os eleitores que votaram PS o fizeram (para além daquele que é o seu eleitorado tradicional) na convicção de que essa seria uma opção de esquerda e de políticas de esquerda, o que, adiante-se desde já, não aconteceu nem pode acontecer com o PS em maioria e de mãos livres. Note-se, que de um ponto de vista das questões que são efectivamente estruturais para o país e para os portugueses, PS e PSD são absolutamente siameses. Acontece porém, que há entre si uma nuance fundamental: é que uns se auto-intitulam do centro-esquerda e os outros do centro-direita. Correspondem assim e na sua matriz ideológica e fundacional a soluções absolutamente adequadas e necessárias para a perpetuação da dominação das classes possidentes e da consequente dominação das classes exploradas. Os exemplos abundam, mas encontram ressonância muito objectiva na comunhão de sentido de voto do PS com o PSD (e restante direita) em temas como os relativos à legislação laboral, ao regime de pensões ou de exclusividade no SNS. O PS que conviveu com o PCP e o bloco de esquerda, foi por isso um PS que arrefeceu como pôde as suas contradições de classe com as exigências dessa mesma solução política, o que representou para si, cabe recordá-lo, um antídoto contra a Pasokização que tem varrido os seus congéneres por essa Europa fora. No momento actual, o PS goza de um poder parlamentar inquestionável o que o deixa ainda mais nas mãos daqueles que efectivamente comandam e subordinam o poder político e que não, naturalmente, os que ingenuamente lhe confiaram o voto. Assente numa lógica que é crescentemente assistencialista e miserabilista, o PS contará de novo com o poder da comunicação social do regime, como meio determinante da sua propaganda, constituída em veículo de aceitação e resignação popular, tão mais facilitada quanto é amparada num esforço de absoluta alienação dos indivíduos. Contudo, o próximo grande agravamento da crise sistémtica do sistema capitalista estará aí já ao virar da esquina, dado que esse agravamento é uma consequência inevitável da própria estrutura do sistema e das cada vez mais intensas contradições por ele geradas. A mobilização dos indivíduos para uma sociedade que tendo o Homem no seu centro, lhes rasgue efectivos horizontes de esperança, continuará por isso a ser uma tarefa determinante para todos aqueles que vendo aí uma aspiração legítima, sabem também que ela é necessária como única alternativa plausível a uma barbárie que paira sobre todos nós. A convergência das forças de esquerda em torno desse desígnio, com toda a sua capacidade mobilizadora e agregadora de esforços e vontades, ainda que para tanto haja necessidade de conciliar pontuais diferenças, será pois e neste momento tão delicado uma tarefa a que ninguém se pode eximir

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  2. A convergência das esquerdas e de Todos aqueles que não se resignam a esta politica Neo-Liberal,que deixa cada vez mais gente na pobreza e dependente da "caridadezinha",Urge por isso unir forças e ser capaz de construir uma Alternativa com capacidade mobilizadora que resgaste todos aqueles que perderam a esperança num país mais justo,solidário e fraterno ,tarefa que exige de todos capacidade de diálogo e cedências é pois tempo de começar (já) essa batalha.

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  3. A esquerda (BE, CDU e Livre) está agora na oposição, pelo que neste momento cabe-lhe fazer oposição. E ser assertiva, rejeitar o capitalismo politicamente correto e defender abertamente as NACIONALIZAÇÕES. É ridículo que a esquerda tenha tantos deputados quanto a escumalha de extrema-direita num país onde o povo está inclinado para a esquerda. Faz igualmente sentido a esquerda unir-se, pois a esquerda desunida será sempre vencida. Portugal é um caso ímpar no mundo em que a esquerda está desunida, apesar de ser muito mais o que nos une que aquilo que nos separa. Com a direita é ao contrário, muito mais é o que os separa que aquilo que os une, mas até se coligam com o diabo se for preciso (nada contra o diabo).

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  4. Os parabéns ao Jorge Bateira.
    Na noite de dia 30 passei por um outro texto - "A Left That Dares to Speak Its Name" do Zize". Nem de propósito.

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  5. Pelo que vamos lendo por aqui a Esquerda neste País resume-se ao BE, PCP e Livre. Claro que não é assim pois, se fosse, contando apenas com 12 Deputados, restaria a essas "cabeças pensantes" reconhecer o desastre e, de uma vez por todas, perceber que o Povo Português não vos quer por perto. Mas não, a esmagadora maioria do nosso Povo não é marxista, leninista ou troksquista, isso é verdade, mostrou-o sempre desde o 25 de Abril de 1974. Mas existe mais Esquerda para além disso, não esqueçam....

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