sábado, 1 de janeiro de 2022

Um sonho de Ano Novo


Esta noite sonhei que em 2022

- não precisarei de usar máscara no Natal;

- a soma dos deputados do PS com os da esquerda será a maioria da Assembleia da República;

- o PS governará com um apoio escrito da esquerda, sem que isso a iniba de ser oposição enérgica e apresentar uma alternativa global ao neoliberalismo;

- os economistas de esquerda que ainda possam existir no PS convencerão os respectivos dirigentes de que o discurso das "contas certas" é tecnicamente errado e de direita;

- todas as semanas, perante as câmaras de televisão, os dirigentes do BE e do PCP vão relacionar os problemas do país, e as soluções que propõem, com a configuração do Tratado de Lisboa e as regras do Tratado Orçamental;

- os dirigentes do BE e do PCP aproveitarão todas as oportunidades de comunicação para explicar ao povo que, quando a moeda única acabar (por negociação, ou por ruptura, no triângulo Alemanha-França-Itália), teremos mesmo um Banco de Portugal que coopera com o Governo, e não uma agência do BCE (politicamente irresponsável) que diz ao Governo qual deve ser a política orçamental;

- os dirigentes da esquerda aproveitarão todas as oportunidades de comunicação para explicar ao povo que, no dia em que o novo escudo regressar, a despesa pública será feita com a moeda criada pelo BdP que também fixará a taxa de juro; o Orçamento do país não estará à mercê dos mercados financeiros;

- os dirigentes da esquerda aproveitarão todas as oportunidades de comunicação para explicar ao povo que, no dia em que o novo escudo regressar, as restrições económicas que o Governo deve ter em conta nas suas políticas, e a Assembleia da República deve escrutinar, são a inflação e o endividamento externo (dívida noutras moedas);

- após a eleição de 30 de janeiro, os dirigentes da esquerda vão fazer uma revisão crítica da estratégia que têm seguido e iniciarão contactos para a criação de uma frente ampla, anti-neoliberalismo, inspirados pela convergência das esquerdas do Chile.

Um sonho ambicioso, reconheço. Mas não é o sonho que comanda a vida?
Bom 2022.

6 comentários:

  1. Uma contradição nos termos, Jorge Bateira:

    'o PS governará com um apoio escrito da esquerda, sem que isso a iniba de ser oposição enérgica e apresentar uma alternativa global ao neoliberalismo;'

    Não se pode apoiar e ser-se oposição ao mesmo tempo. Não se está com um pé dentro e outro fora. Esse foi o pecado primeiro da geringonça, que todos ignoraram porque era necessário mandar Passos e Portas para a reforma, mas não aguentaria, como não aguentou, a prazo (e apesar de tudo, diria que estes 6 anos valeram a pena, só foi pena terem acabado já).

    A Esquerda à Esquerda do PS tem que decidir se quer ser poder e sofrer o natural desgaste do poder com as suas escolhas impopulares e os seus erros inevitáveis ou se quer ser meramente protesto e tornar-se irrelevante. Suspeito que é a segunda hipótese pela qual irá optar, porque nasceu na cultura do protesto e da oposição e não conhece outra...

    E depois, valeria bem de facto dispor da dita alternativa global, com os sacrifícios pedidos à população, os riscos associados aos objetivos propostos e as políticas para os mitigar, porque de contrário trata-se meramente da demagogia do costume...

    Não há objetivos ilegítimos dentro do quadro da CRP, o que tem que haver é políticas desenhadas para os atingir... Dizer meramente que se quer alguma coisa é muito bonito, mas também é infantil...

    E não, não é o sonho que comanda a vida, por muito bela que seja a letra de Gedeão. É, ou deveria ser, uma razão límpida...

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  2. Muito bom. Para os que não gostam de sonhar, podemos chamar-lhe utopia.

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  3. Quais os sonhos que comandam a vida dos que dirigem os diversos partidos? Para já, esses sonhos têm essencialmente a ver com as eleições legislativas de 30/1/2022, antecipadas por vontade de quem hoje manda em Portugal (na política, nos negócios, nos media) com o objectivo de tentar acabar com a influência que os chamados "partidos radicais de esquerda" tiveram na governação recente, sobretudo entre 2015 e 2019, mesmo sem terem tido responsabilidades governativas.

    A propósito destas eleições legislativas, foi divulgada pelo "Expresso" de 30/12/2021 uma sondagem referente às intenções de voto. Perante os resultados agorapresentados - semelhantes aos de outra sondagem recente (https://cnnportugal.iol.pt/eleicoes/legislativas/sondagem-cnn-tvi-distancia-entre-ps-e-psd-esta-agora-mais-pequena/20211217/61bcde110cf2c7ea0f0e0815) -, podemos constatar o seguinte:

    1. O partido com mais intenções de voto nesta sondagem é o PS, com uma percentagem (38 %) que ultrapassa ligeiramente os 37 % da Direita-sem-Chega (PSD + IL + CDS), mas contraria o sonho de uma "maioria absoluta" para o PS.

    2. Os partidos à Esquerda do PS não passam de 11 % das intenções de voto, com 6% para a CDU (PCP/PEV) e 5 % para o BE; mesmo assim, bem mais do que o Chega, que chega apenas a 7 %.

    3. A Esquerda-no-sentido-lato (PS + PCP/PEV + BE), com 49 %, ultrapassa claramente a Direita-no-sentido-lato (PSD + IL + CDS + Chega); mesmo com o Chega, a Direita portuguesa só chega a
    44 %.

    Estes resultados sugerem que "a soma dos deputados do PS com os da esquerda será a maioria da Assembleia da República", e que - tal como nas legislativas de 2019 mas não nas de 2015 - o PS será o partido com mais deputados eleitos. Conquistada a "maioria relativa" - mas desfeito, por enquanto, o sonho da "maioria absoluta" -, o vencedor António Costa vai, provavelmente, tentar proceder como procedeu a seguir às legislativas de 2019, recorrendo de novo ao discurso das "contas certas" para justificar a política orçamental do costume...

    A. Correia

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  4. Sonho de uns. Pesadelo de outros.
    Convém relembrar os incautos, que o pesssoal no poder (esquerda e/ou direita), o pessoal que manda, nunca perde uma oportunidade para obter ainda mais poder.
    Ou seja, apesar das aparentes inimizades, as conversinhas, o encontro de interesses e as rivalidades, relativamente escusas entre os donos da bola -seja a Grande Indústria (nomeadamente a energia, as águas), a Finança (Bancos centrais ou não), os Política (esquerdas e/ou direitas, Xi ou Biden), a Comunicação (TVs, Jornais, Facebook, Tweeter)- vão continuar e a aprofundar os seus interesses graças a estas oportunidades. Nunca as perdem, pelo contrário sabem as aproveitar.
    Entretanto o despertador tocou.

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  5. VINTE ANOS DEPOIS

    «O euro não foi feito para Portugal. Foi feito à medida das necessidades e dos interesses do capital financeiro, das multinacionais europeias, da capacidade produtiva e exportadora da Alemanha». Este é um sublinhado de João Ferreira, numa declaração que assinala a passagem dos vinte anos «desde que entraram em circulação as moedas e notas de Euro». Para João Ferreira, o Euro em vez de colocar Portugal «no “pelotão da frente”, como anunciava a propaganda», coloca-o «cada vez mais na cauda da Europa», sem convergência com a média europeia e «muito menos com os países mais avançados». Nesse sentido, considera que Portugal precisa de uma moeda própria que promova o investimento, «a modernização do aparelho produtivo, a diversificação do comércio externo, a eficiência dos serviços públicos, o aumento dos salários e a qualificação dos trabalhadores»:

    https://www.cdu.pt/2022/vinte-anos-da-entrada-em-circulacao-do-euro

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  6. É mais fantasia do que sonho, porque parece ignorar um dado essencial da questão. Dado que, aliás, uma petição hoje divulgada repete apelando a que "a esquerda se entenda". Se a questão política essencial fosse manter PSD, CDS e outros Chegas e IL fora do poder, poderia ficar-se por aí. Mas isso não significa um entendimento "à esquerda", significa um entendimento contra a direita mais à direita. Tratar o actual PS como uma força de esquerda é um equívoco e, no actual contexto, um enorme favor que não merece. Faz bem em interrogar-se se existem no PS economistas "de esquerda". Nada o indica, e o mesmo sucede em todas as outras áreas da governação. Se, no conjunto das forças que refere houvesse um reforço e simultaneamente um recuo eleitoral do PS, aí ja teríamos talvez alguma aberta para imaginar coisa diferente. Avançar com uma linha que favorece um PS que na realidade não existe ajuda mais ao pesadelo do que ao sonho.

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