sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

Querido diário - sobem os preços e corta-se salários pela competitividade

Jornal Público, 21Jan2012 

Esta foi a manchete há 10 anos. Os aumentos dos preços dos transportes não tinham sido anunciados na campanha eleitoral do ano anterior. Mas o jornal trazia mais notícias interessantes. 

 

Cavaco Silva estava zangado com a sua "pobreza". 

Um jornalista perguntou-lhe se se sentia desconfortável por receber subsídio de férias e de Natal, quando os trabalhadores nacionais os tinham visto cortados. O presidente da República virou-se para trás e respondeu-lhe sem pensar por um momento no que se passava no país: 

Neste momento já sei quanto é que irei receber da Caixa Geral de Aposentações. Durante quase 40 anos descontei parte do meu salário da CGA como professor universitário e também descontei alguns anos como investigador da Gulbenkian. Irei receber 1300 euros por mês. Não sei se ouviu bem: 1300 euros por mês". Quanto à pensão do Banco de Portugal para a qual descontou quase 30 anos, Cavaco não sabe quanto vai responder. "Mas os senhores não terão dificuldade. Eu fui fucionário do nível 18 que exerceu funções de direcção. Tudo somado, o que irei receber do Fundo de Pensões do Banco de Portugal e da CGA quase de certeza que não vai chegar para pagar as minhas despesas porque, como sabem, eu também não recebo vencimento como PR".   
Enquanto Cavaco se queixava, na notícia ao lado fala-se sobre o debate quinzenal no Parlamento, após a assinatura do acordo na Comissão Permanente de Concertação Social. Passos Coelho elogia António José Seguro -  amarrando-o para sempre ao fecho desse acordo. Agradece-lhe por o ter aconselhado a deixar cair a subida de meia hora na jornada de trabalho, sem acréscimo de salário, e a trocá-la pelo fim de vários feriados nacionais e uma longa lista de corte nas retribuições salariais, directa e indirectas. 

Disse Passos Coelho:

"Muito obrigado pelo seu conselho e por ter dado a sua ajuda para atingir este acordo". 

Jerónimo de Sousa acusa-o de "exibir o acordo como um troféu de caça". "Há um claro objectivo de ter os trabalhadores a trabalhar mais por menos dinheiro, de despedir mais facilmente, de atacar a contratação colectiva e os direitos sindicais", frisando que o acordo não tem uma medida para "promover o  crescimento e o emprego".

Passos não negou e respondeu-lhe: 

"Tem razão. O Acordo não é para que tudo fique na mesma nem pior. A evidência tem mostrado, ao longo dos anos, que a imobilidade na área laboral e no Estado tem penalizado a competitividade e o emprego".

O interessante - mas desastroso! - é que, dez anos depois, hoje, parece que essas medidas não ajudaram ao objectivo de competitividade e do emprego. E temos que ouvir - novamente, mas desta vez pela voz de João Cotrim de Figueiredo da IL - que a estagnação veio para ficar, se nada for feito de diferente, e que os salários médios têm de subir!  Mas o diferente não é - nunca será - voltar atrás nos dispositivos legais previsto no Acordo que facilitaram a descida dos salários médios. A IL, com o PSD, CDS e Chega!, mas também com o PS, têm votado juntos no Parlamento contra todas as iniciativas legais com vista a desfazer as medidas adoptadas há dez anos que contribuíram para desvalorizar os salários. 

O projecto da IL - e, teme-se, do PSD - é precisamente insistir no mesmo de há dez anos: aumentar os salários, mas os salários líquidos - colocando o Estado a financiar indirectamente os baixos salários através da redução fiscal e das contribuições sociais - e privatizando tudo em que há dinheiro no Estado: Saúde, Educação, CGD e Segurança Social.

E, para terminar, uma nota de conjuntura - Recordar é tentar não viver duas vezes o mesmo pesadelo:


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