O chumbo da proposta de Orçamento de Estado para 2022 serviu igualmente para isto. Uma escalada mais aberta da ala direita... no PS e de dominância do próprio partido, novamente:
"O PS não aceita o descontrolo financeiro que poria em causa os compromissos europeus de Portugal. Não aceita o questionamento radical do diálogo e da concertação social. Não aceita a destruição da reforma da Segurança Social de 2007, que lhe garantiu sustentabilidade e assim protegeu os jovens de hoje, pensionistas futuros. Não aceita que se carregue as empresas com sobrecustos excessivos, prejudicando o investimento e o emprego. Não aceita que o combate à precariedade seja sacrificado à defesa exclusiva dos segmentos mais protegidos do mercado de trabalho e que o interesse geral seja confundido com as pressões corporativas do momento. O Orçamento é um compromisso do Governo e ninguém exige que outros o assumam como seu; apenas se solicita que não impeçam que o Governo disponha desse instrumento-chave para a sua ação."
(Augusto Santos Silva, Público, hoje.)
"Descontrolo financeiro" nunca deveria significar pôr em causa - à revelia dos seus próprios deputados - os OE aprovados pelo próprio PS para assegurar melhores condições de investimento público e de serviço público. Estar contra o "questionamento radical do diálogo e da concertação social" nunca deveria significar desqualificação do papel dos deputados ou do Governo e a sua substituição pela vontade do patronato, em clara vantagem na Comissão Permanente da Concertação Social. Nem deveria significar a aceitação de uma lógica - errada - que atribui às empresas a capacidade de melhor decidir sobre os destinos do país quanto ao investimento e emprego, fazendo equiparar lucro com felicidade nacional. "Sustentabilidade" da Segurança Social nunca deveria significar incapacidade de discussão séria e demorada (não em cima do joelho) de alternativas, nomeadamente no financiamento da Segurança Social e na provisão de melhores condições de prestações sociais. "Sobrecustos excessivos, prejudicando o investimento e o emprego" nunca deveria significar bloqueio a políticas consistentes de subida dos salários, recuperação do poder de compra dos trabalhadores mais pobres ou fragilização da negociação colectiva que, todos sabemos, socialistas inclusivé, apenas tendem para desequilibar a balança da relação laboral e, com isso, desvalorizar salários e a organização dos trabalhadores. E muito menos que tudo fosse afastado, alegando-se com os "interesses corporativos" ou com a segmentação do emprego, em que há uns protegidos e outros sem rede.
Assim, o PS parece-se mais com a "social-democracia" do PSD que, por acaso, se assemelha mais ao euro-liberalismo do centro europeu. E não é novidade. Acaso se esquecerá o papel desta ala direita do PS na revisão constitucional de 1989 que permitiu a desarticulação do sector público - num vasto programa de privatizações sem nexo nem estratégia, mais vasto no mandato de Guterres que no de Cavaco Silva; a edificação sem questionamento da transferência de componentes importantes da soberania nacional para instâncias europeias, num sistema desequilibrado que se tem concretizado numa transferência de valor da periferia para o centro europeu; tudo a bem - como diz Santos Silva - dos "compromissos
europeus de Portugal"?
Santos Silva e a direita do PS colocam-se invariavelmente no lado errado daquilo que é melhor para os trabalhadores e, que, por acaso, estão em maioria no país. Tentam à viva força subordiná-los a uma lógica liberal europeia que, há pelo menos duas décadas, tem provado ter os seus maus resultados. E continuará a tê-los, caso se persista nela.
Por isso, Santos Silva vê o próximo debate eleitoral entre partidos que pensariam o mesmo e cuja clivagem aparece esvaziada de conteúdo programático, onde os temas de esquerda desapareceram:
O PS está, pois, em tempo de escolher por onde quer ir....uma escolha entre, de um lado, o centro e centro-esquerda progressista e europeísta e, do outro lado, uma direita instável, dividida e fragmentada que, como se vê nos Açores, não enjeita a mão estendida pela extrema-direita.
«Porque não será... socialista.»
ResponderEliminarE andamos nestas lamechices quando "Socialismo só há um"... e só os 'pastores' o querem!
Caro José,
ResponderEliminarDesta vez tem razão. A expressão usada permite-se a essa interpretação. Mas o que queria dizer era algo muito mais lato. Aceito que possa haver pensamentos "socialistas" com uma vasta de preocupações, desde que assentem em bases que se aproximem do objectivo do pleno-emprego, de uma justa repartição do rendimento, fim da exploração do homem pelo homem, com plena cobertura das necessidades sociais dos seus membros, num sistema visando a sua máxima emancipação social e plena participação social e política na sua manutenção.
E não quero ir mais longe - ainda que devesse - para não afunilar mais.
O José sabe bem isso tudo, mas apenas pretende puxar o seu "coelho das orelhas".
O João Ramos de Almeida toca num ponto absolutamente central no que diz respeito à vida em sociedade, o facto do mundo do trabalho ser o mundo da maioria, todos os desequilíbrios promovidos pelos sucessivos governos neste campo são na verdade uma opção de classe e contra a maioria dos portugueses. O PS do Santos Silva, António Costa e afins é o partido que legítima o socialismo dos ricos, o socialismo dos grandes e inconfessáveis interesses. O PS é e tem de ser mais do que isto.
ResponderEliminarTemos, João Ramos de Almeida, em Portugal, um Partido Socialista que não é Socialista, um Social-Democrata que não é Social-Democrata, um Partido Democrata-Cristão que não é Democrata-Cristão e dois Partidos de Esquerda cujo Programa é quando muito Socialista-Democrático, mesmo se um deles se declara Marxista-Leninista, o PCP. Por isso, em Portugal, quase ninguém é aquilo que se reclama ser...
ResponderEliminarO João Ramos de Almeida afirma que os Trabalhadores são em Portugal a Maioria dos Votantes, o que até provavelmente é verdade, no sentido de que a Maioria ou é assalariada ou então falamos de pequenos empresários que tipicamente ou prestam serviço a outras entidades em nome individual, ou empregam um número reduzido de pessoas e vivem do salário que auferem nas suas empresas, sem tirar lucro extra da sua actividade.
Ora, dado que os únicos Partidos que na sua óptica defendem os interesses destas pessoas são os Partidos à Esquerda do PS, então deveria haver uma imensa margem para o crescimento desses mesmos Partidos.
Sucede que, pelo contrário, o seu número de votantes tem decrescido nos últimos actos eleitorais, sobretudo no caso do PCP.
O que isto mostra é que, de facto, essa Maioria não está interessada nas ditas soluções (por boas razões históricas, desde logo, já que as experiências socialistas falharam todas em maior ou menor grau e de boas intenções está o Inferno cheio) e de facto, o único Partido que está bem representado por todo o território é o PS.
O PS não é um Partido Centrista por causa de pessoas como Santos Silva, António Costa, Francisco Assis, etc. É-o porque é um Partido inter-classista, com vocação de Poder, não com vocação de protesto. E no dia em que a sua natureza mudar, deixa de ser um Partido de Poder e a Direita passa a governar Portugal para sempre...
O PCP-PEV e o BE têm todo o direito de reassumir a sua função tribunícia em defesa daqueles que eles consideram ser o seu eleitorado natural.
O que não podem é ser (falsamente) ingénuos e esperar que o PS seja outra coisa que não aquilo que os seus votantes desejam que ele seja. E esses votantes representam mais de duas vezes o número dos da restante Esquerda combinada.
Daí, deixe-me dar uma sugestão à Esquerda. Nas próximas eleições, o PS irá apresentar ao eleitorado um programa semelhante aos que tem apresentado até agora, Costa disse-o no discurso de discussão do OE.
Se realmente a Esquerda, tal como mostrou ao contribuir para chumbar o OE, não negociará com este PS, e este, mesmo que mude de líder após as eleições (Catarina Martins chegou a exigi-lo, imagine-se o que o BE não diria se fosse ao contrário!), não poderá seguramente afastar-se muito dessa linha se for Governo.
Logo, se este texto não representa somente um desejo de que o PS perca as eleições, a Direita governe em Maioria (e vai ver a diferença que isso faz em relação ao PS, vide o discurso de Rio na discussão do OE, como Costa bem fez o favor de lembrar) e o PS seja posteriormente tomado pela sua ala esquerda (se ela existe), sugiro pois que BE e PCP-PEV se coliguem e apresentem um programa detalhado daquilo que propõem aos Portugueses de modo a alcançar os objectivos que enunciou na sua resposta ao José e procurem ultrapassar o PS em número de votos e de mandatos, para que possam aplicar o vosso programa, em lugar de discutir medidas com o PS que são meros complementos ao seu programa, como de 2015 para cá...
Com estas declarações sobre o que "o PS não aceita", Santos Silva - ministro de Costa e ex-ministro de Sócrates e Guterres - confirma que não mudou: é o mesmo Santos Silva que, nos tempos do governo Sócrates, se gabou de gostar especialmente de "malhar" nos partidos à esquerda do PS. Agora, anuncia que não quer que esses partidos possam ter influência real na governação, tirando partido da necessidade do seu voto na AR para a viabilização dos orçamentos de estado do Governo PS.
ResponderEliminarLamento muito, mas não há grande diferença entre o que Santos Silva quer e o que Costa quer - as direcções de PCP, BE e PEV não alimentam ilusões quanto a isto. O que explica a forma como o PS tentou conduzir as negociações do OE2022 e o subsequente chumbo. Parabéns ao PCP por ter votado contra logo a 27 de Outubro, contrariando as expectativas da geringonça Costa-Marcelo (e não só), que apontavam para um chumbo no dia 25 de Novembros (!), depois de uma desesperada e estéril discussão na especialidade, com grandes greves e manifestações, entretanto anunciadas, como pano de fundo. A antecipação do chumbo (cerca de um mês) deixou a direita tradicional, com congressos à vista, em estado de sítio...
O problema de Costa é que só poderá concretizar o que quer se o PS conseguir chegar a uma maioria absoluta (sozinho ou em conjunto com o PAN e/ou o Livre) nas próximas eleições legislativas. Não é muito provável.
A. Correia