quarta-feira, 10 de novembro de 2021

O mesmo, mas com mais força?

Gráfico roubado a Paulo Coimbra

Eugénio Rosa publicou um estudo sobre salários cada vez mais mínimos em Portugal. A esquerda euro-conformada veio logo falar da necessidade de “um plano de longo prazo”, para quando os trabalhadores estiverem todos mortos. Afinal de contas, seria necessário aumentar a produtividade, através de uma nova especialização na economia do conhecimento e tal, a mesma retórica desde a Agenda de Lisboa, já com duas décadas, as mesmas que levamos de estagnação no Euro. 

Esquece-se um detalhe: a UE proscreve políticas desenvolvimentistas dignas desse nome, tendo furtado ou eliminado os instrumentos para o planeamento indicativo, daqueles que historicamente permitiram aos países mexer a sério e de forma deliberada na sua estrutura produtiva, incluindo naturalmente a política cambial. O Euro, em particular, tem servido para trancar as vantagens competitivas dos mais fortes, que ainda para mais podem atrair força de trabalho mais barata da periferia, mais ou menos qualificada, em função das suas conveniências. O nosso destino, neste contexto, é sermos a Florida da Europa e como a original teremos sempre muitos mais trabalhadores pobres. 

E esquece-se outro detalhe: um dos problemas centrais da economia portuguesa é um sistema de regras, produto de sucessivas revisões regressivas da legislação laboral nas últimas duas décadas, que tem contribuído para que os salários reais não acompanhem sequer o crescimento medíocre da produtividade, como indica o gráfico. Não convém falar muito disto para não incomodar a liderança do PS, a direita e a UE. É como se a relação de forças institucionalmente desfavorável ao trabalho fosse simplesmente para naturalizar. 

E, no entanto, é sabido que economias de baixa pressão salarial ficam trancadas num círculo vicioso, até porque os empresários têm menos incentivos para o investimento, sem o qual não há modernização, quer do lado da oferta, quer do lado da procura. Daí a importância de uma economia rica em empregos e com o trabalho mais empoderado para saltos inovadores. De Biden a Boris Johnson, reconhece-se hoje este padrão fora da UE. 

 Aliás, um dos problemas da UE, em geral, e do Euro, em particular, é a contribuição que deram para alterar as expectativas empresariais, tornando-as cada vez mais medíocres: sabem que as regras laborais lhes são estruturalmente favoráveis, sabem que têm o respaldo das instituições europeias e sabem que pouco mais instrumentos existem do que esta transferência de custos do ajustamento para os trabalhadores. É como se todos os empresários se tornassem nos selvagens arrogantes do turismo, não por acaso a pior das confederações patronais. Assim, não vamos lá.

5 comentários:

  1. Fazer com que as empresas, depois de uma pandemia, sejam obrigadas a arcar com uma subida do salário mínimo de 90€ (em vez dos 40€ propostos por Costa) também não me parece lá muito razoável. É que se elas falirem, bem, lá se vão os empregos... Os trabalhadores não estarão mortos, ficarão é desempregados.

    Deixe lá, 53% dos inquiridos na sondagem da Católica considera que Costa fez bem em não ceder às exigências das Esquerdas. Podemos não saber bem por onde vamos, agora felizmente não vamos por onde quer ir...

    Em Portugal, ainda manda a maioria.

    E quanto ao RU não estamos a falar do mesmo País que fez aquela que foi provavelmente a pior gestão da pandemia no mundo ocidental (vá lá, o Brasil de Bolsonaro e os EUA de Trump fizeram pior), pois não?

    É que se isso é boa gestão política (e no RU, o corte das prestações sociais para os mais frágeis, cortesia de Boris Alexander Johnson, o tal que toma um avião só para ir jantar com os comparsas, foi particularmente cruel), continuo na minha, tragam-me já as grilhetas de Bruxelas...

    O João Rodrigues arranja cada exemplo para fazer comparações... A UE não deve ser comparada com uma Europa de Estados Soberanos que vive em harmonia e que só existe na sua cabeça. Deve ser comparada com as alternativas, caóticas e/ou autoritárias (algumas das quais admite admirar, como o Capitalismo de Estado Chinês) que realmente existem. E se são essas as alternativas, tragam-me já as grilhetas de Bruxelas...

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    1. E Espanha? O diabo não veio depois dos 200 eur de aumento do salário mínimo.

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  2. O trabalho não pode ser o veículo do abuso e da exploração, isto não cabe em nenhum sistema dito democrático.

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  3. A propósito de Espanha, quem é o actual Ministro do Trabalho, no Governo Pedro Sánchez II?

    A resposta é a seguinte: não é um ministro, é uma ministra, militante do Partido Comunista de Espanha e chamada Yolanda Díaz, quem está hoje à frente do ministério do "Trabajo y Economía Social" (https://es.wikipedia.org/wiki/Yolanda_D%C3%ADaz). Ela é também vice-primeira ministra desse governo, que não goza de uma maioria absoluta no parlamento de Espanha. Parece um milagre, resta saber quanto tempo dura...

    A. Correia

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  4. Entretanto, Nadia Calviño, ministra dos "Asuntos Económicos y Transformación Digital" e também vice-primeira-ministra, trava a reforma laboral de Yolanda Díaz para "evitar que la UE paralice los fondos europeos":

    https://otempodascerejas2.blogspot.com/2021/11/por-ca-nao-se-fala-de-nada.html

    Quem foi que pediu para lhe trazerem já as "grilhetas de Bruxelas"?


    A. Correia

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