sexta-feira, 19 de novembro de 2021

A memória é um país distante (VII)

[vídeo aqui]

«No Centenário de José Saramago, recordamos uma figura menor que ficou associada ao Nobel português pelos piores motivos. Sousa Lara foi deputado do PSD e Subsecretário de Estado da Cultura de Cavaco Silva. Mais tarde, foi porta-voz do Chega! nas áreas de Segurança e Geopolítica. Fundamentalista religioso e acérrimo crítico de políticas socialistas, Sousa Lara viria a sair do Chega! envolto em polémica, tendo preferido manter o direito a uma subvenção vitalícia, em detrimento do cargo no partido de extrema-direita. Chegou a dizer que "vivemos numa República gatuna", frase bem típica do Chega! Em simultâneo, recusava renunciar à subvenção vitalícia que lhe foi atribuída. Neste momento, tem rendimentos superiores ao valor da subvenção vitalícia, motivo pelo que não pode auferir esta pensão especial. Mas reserva o direito de vir a activá-la. Ou seja, Sousa Lara diz que vive numa "República gatuna" e quer acabar com o "socialismo", mas só para os outros.
Enquanto Subsecretário de Estado da Cultura no Governo de Cavaco Silva, Sousa Lara vetou um romance de Saramago da lista de candidatos a um prémio literário europeu e foi extremamente crítico da obra do escritor português. Mais tarde, Saramago viria a ganhar o Prémio Nobel. Vários anos depois, já como Presidente da República e a cerca de um mês do final do seu último mandato, Cavaco Silva condecorou Sousa Lara com a Ordem do Infante D. Henrique.
José Saramago ficará para a história como um dos maiores escritores lusófonos de sempre, um embaixador da cultura portuguesa que dignifica o país pela sua obra, internacionalmente reconhecida. Sousa Lara foi um governante da pasta da Cultura com práticas de censura que evocavam vícios do Estado Novo. Boicotou o Nobel português e veio a acabar a carreira política no meio de uma seita de extrema-direita da qual saiu em vergonha, recusando-se a renunciar a uma subvenção vitalícia. Em plena celebração do Centenário de José de Sousa Saramago, prestamos homenagem ao homem e à sua obra, sem esquecer o que Cavaco Silva e os seus governantes tentaram fazer-lhe.
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