A ideia não é nova e tem origem na microeconomia tradicional. Numa economia de mercado perfeitamente competitiva, assume-se que os preços de cada produto são definidos pela interação entre a procura e a oferta desse produto. A procura de um produto é tanto maior quanto menor for o seu preço (já que cada consumidor pode adquirir mais unidades) e a oferta é tanto maior quanto maior for o seu preço. Seguindo este raciocínio, se não existirem interferências de instituições externas, o preço será definido pela interseção entre as curvas da oferta e da procura.
Dos mercados de produtos ao mercado de trabalho, foi um pequeno salto. Os economistas neoclássicos aplicaram um raciocínio idêntico a ambos e chegaram à conclusão que o melhor a fazer é evitar interferências no mercado: se o Estado interviesse no sentido de fixar um salário mínimo (o “preço” da mão-de-obra) acima do preço de mercado, isso reduziria a quantidade de mão-de-obra procurada pelas empresas; por outras palavras, a definição de um salário mínimo aumentaria o desemprego. Apesar de depender de hipóteses pouco realistas, criticadas por Ben Fine aqui, e de ignorar a relação desigual que existe entre empregadores e trabalhadores, a ideia tornou-se dominante no debate económico. Facilmente se percebe que assim seja, já que fornece uma forte justificação para a oposição à existência e ao aumento do salário mínimo e ajuda a contrariar a pressão dos trabalhadores por melhorias das condições laborais, sujeitando-os à disciplina do mercado. A força do argumento era tal que, em 1987, no New York Times, podíamos ler um editorial com o título “O Salário Mínimo Adequado: $0,00”.
O desafio à ortodoxia valeu-lhes várias críticas. James Buchanan, também vencedor do Nobel, comparou o trabalho de Card e Krueger ao de um físico que dissesse que a água corre da base para o topo da montanha, acusando-os de se venderem a "interesses ideológicos". Mas a verdade é que os factos teimam em desmentir a tese da economia tradicional. Muitos dos estudos levados a cabo depois disso confirmam a ideia de que o aumento do salário mínimo não se traduz necessariamente numa redução do emprego. Em Portugal, por exemplo, o SMN aumentou de 530€ em 2016 para 600€ em 2019, enquanto o desemprego diminuía consecutivamente.
Isto não significa que a tendência seja sempre esta. No entanto, ajuda a explicar que a relação entre os salários e o emprego é bem mais complexa e depende de outros fatores, como o crescimento da economia, o tipo de indústrias predominantes no país, a evolução da balança corrente, etc. Por outras palavras, apoia a ideia de que a evolução do emprego é determinada pela procura. Neste sentido, um aumento dos salários pode promover o consumo das famílias e, com isso, estimular a atividade económica e o emprego. O papel desempenhado pelos estudos de Card e Krueger na viragem metodológica da Economia, que passou a privilegiar análises empíricas baseadas na inferência causal, é tema para outra discussão. Mas a sua importância para o debate sobre o salário mínimo é inegável.
É possível retirar os mesmos efeitos do SMN com os modelos mais sofisticados de search e matching no mercado de trabalho. Portanto esse salto do modelo simples de mercado de produto para o mercado de trabalho levanta dúvidas. Pode ser ensinado assim aos alunos de 1.º ano, mas não é assim que os economistas pensam. E o exemplo do SMN em Portugal envergonharia qualquer economista. A questão tem nuances mas sectarismos não ajudam ninguém.
ResponderEliminarDesde logo, mesmo que essa tese fosse verdadeira e a realidade mostra que não o é, ou não o é sempre, equiparar trabalho a uma mera mercadoria seria dizer que aquilo que determina o sustento de uma pessoa e de uma família, ou se se quiser a própria vida humana, é algo tão trivial como um sabonete ou um automóvel.
ResponderEliminarClaro, trata-se de um argumento moral, mas as escolhas económicas também se fazem recorrendo a argumentos morais (mas não apenas a eles).
Excelente comentário Jaime Santos, o ordenado como determinante da vida é uma criação social e económica não é uma lei da vida, tanto economistas como leigos insistem em provar o contrário.
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