A proposta de Orçamento do Estado para 2022 tem sido descrita pelos comentadores como um exercício de gestão orçamental ativa, mas prudente, que procura dar resposta a alguns dos problemas do país sem colocar em causa a sustentabilidade das contas públicas. Com a exceção de João Leão, que se referiu entusiasticamente ao OE2022 como “o maior impulso macroeconómico de sempre”, a verdade é que quase todos reconhecem que se trata de um Orçamento bastante contido. Leão até já foi apelidado de “ministro do Futuro” pela preocupação com as gerações futuras e, mais especificamente, com “o nível de endividamento que lhes deixamos”.
Não é caso para menos. A política macroeconómica do Governo tem sido inequivocamente orientada para a redução da dívida pública, o que o coloca no topo dos países que mais reduzem a dívida (em percentagem do PIB) em 2021-2022. A dívida pública vai cair 12,4 pontos percentuais do PIB neste período, o que significa que Portugal é apenas ultrapassado por Singapura, Chipre e Canadá no esforço de redução do endividamento. As medidas avançadas pelo Governo no OE, entre as quais se incluem o alargamento dos escalões do IRS, o tímido aumento salarial da função pública ou a atualização das pensões mais baixas, têm um impacto orçamental de apenas 0,5% do PIB, confirmando o estatuto de Portugal como um dos países mais contidos na resposta à crise.
É a mesma estratégia que o Governo tem seguido desde que tomou posse no final de 2015 e estabeleceu como prioridade a redução do défice. É em nome desse objetivo que, ao longo dos últimos anos, a despesa pública tem vindo a ser restringida e as cativações orçamentais se têm multiplicado. O caso do investimento público é ilustrativo: em relação ao anunciado pelo Governo nos Orçamentos, ficaram por executar €785 milhões em 2016, €681 milhões em 2017, €735 milhões em 2018, €949 milhões em 2019 e €470 milhões em 2020, ao que se somam €351 milhões na previsão do próprio Governo para este ano. Ao todo, foram 3971 milhões que foram anunciados pelo Governo mas não saíram da gaveta. O aumento do investimento público proposto pelo Governo para 2022 (€1298 milhões) não chega a 1/3 do que ficou por gastar nestes anos.
Há um problema de fundo com a insistência nesta política: restringir a despesa do Estado em contextos de crise só agrava os seus efeitos para o conjunto da economia. Numa crise marcada por incerteza elevada, os agentes privados tendem a recuar nas suas decisões de consumo e investimento; neste cenário, a ação do Estado é decisiva para evitar a quebra da procura e da atividade económica. Não foi por acaso que, após a última crise, os países que mais cortaram na despesa foram aqueles em que o rácio da dívida pública mais aumentou, como se vê no gráfico ao lado. Os cortes na despesa pública só agravaram a recessão.Se esta estratégia tem impactos negativos no curto prazo, os custos de longo prazo também são significativos, sobretudo no que diz respeito à restrição do investimento público. O investimento é o que permite aos Estados promover mudanças estruturais na estrutura produtiva dos países, através de uma política industrial guiada por critérios como o desenvolvimento de determinados setores, a substituição de importações ou a transição energética. Estes investimentos têm benefícios que excedem os seus custos iniciais: até o FMI já o reconhece, estimando que um aumento de €1 no investimento público pode gerar um crescimento de €2,7 no PIB ao fim de dois anos, não só por reforçarem a capacidade dos serviços e infraestruturas públicas, como pelo potencial de alavancar o investimento privado. Além disso, como facilmente se percebe, o crescimento económico resultante permite reduzir o rácio da dívida pública em percentagem do PIB, sobretudo num contexto em que as taxas de juro se mantêm muito baixas devido à atuação do BCE.
É por isso que faz muito pouco sentido definir como prioridade o cumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento europeu, cujas metas que não só se encontram suspensas como são pura e simplesmente impraticáveis. As gerações atuais e futuras têm mais a ganhar com uma política orçamental virada para o desenvolvimento do país do que com o cumprimento destas metas. Afinal, como lembrou Klaus Regling, diretor-geral do Mecanismo de Estabilidade Europeu, a perda de credibilidade resultante de não as cumprir é bem menor do que a de “nos agarrarmos a regras que se tornaram economicamente disparatadas”. O Governo tem dito que as lições da última crise foram aprendidas. Mas os dois Orçamentos que apresentou em resposta à pandemia contam uma história diferente.
Malfadamente, sempre que Portugal se agarra a políticas de aumento do défice acaba a pedir ajuda externa, a impor austeridade com os habituais, aí sim, efeitos recessivos. E torna-se algo secundário discutir de quem é a responsabilidade, se interna ou externa, em face da inevitável consequência.
ResponderEliminarTalvez porque o País não é exatamente capaz de imprimir petro-dólares, ou não tem a pujança de uma Alemanha, ou a dimensão económica de um Reino Unido (embora este já tenha visto melhores dias), João Leão sabe bem que o acesso a crédito barato implica um exercício de contenção que agrada a Bruxelas e aos malvados mercados.
Quando a Esquerda for capaz de explicar como retira Portugal do Euro e no limite da UE sem provocar um desastre econômico e for capaz a seguir de também explicar como é que o País mantém acesso a moeda forte, num cenário de um Escudo desvalorizado (é sempre ao beggar thy neighbor a que se recorre), possa ganhar eleições com tal programa e aplicá-lo.
É que até lá, muito sinceramente, tudo isto cheira a wishful thinking que não leva desde logo em conta as relações de poder a nível internacional e o consenso monetário-financeiro que prevalece...