Deixem-me prefaciar esta nota com um reconhecimento: há vários anos que sou leitor assíduo do blogue duas ou três coisas, apreciando particularmente o registo autobiográfico, das memórias de juventude às diplomáticas, servido por uma escrita de fazer inveja. Além disso, devo às recomendações de Seixas da Costa boas leituras, dormidas e ainda melhores comidas por este país afora.
Agora, regressemos ao comentário de Seixas da Costa, que motivou o meu reparo a propósito do porno-riquismo falocêntrico:
“Anda por aí uma gente azeda a criticar as viagens espaciais de alguns milionários. Se o dinheiro é deles, têm pleno direito de o gastar como muito bem o entenderem. E ninguém tem nada a ver com isso. O moralismo miserabilista em moda revela apenas uma coisa: inveja.”
Parece que os direitos à propriedade privada se sobrepõem a todas as obrigações para a gente fresca, valendo também para o alargamento da fronteira do capitalismo sem freios e contrapesos até ao espaço, mesmo que tal implique níveis de poluição elevadíssimos. Ninguém tem nada a ver com isso? Não estamos a falar propriamente da esfera privada. Todo este mal é bem público.
Seixas da Costa não hesitou em recorrer ao velho truque conservador da inveja, imputando esse sentimento aos críticos de mais esta expressão da arrogância do dinheiro concentrado, geradora de tantas externalidades negativas, de tantos custos sociais, melhor dizendo. Até parecia Hayek a falar de justiça social como nada mais do que inveja idealizada.
Em face das críticas, e em linha com o seu comentário neste blogue, acrescentou depois o seguinte, sempre no twitter: “Numa sociedade de mercado, a justiça social não se faz com a diabolização do lucro e com o apontar do dedo aos casos de sucesso empresarial: faz-se com leis laborais para proteger os direitos dos trabalhadores e com uma fiscalidade adequada.”
Para lá da resposta de outro Francisco, comentador regular neste blogue, digo o seguinte: sempre pensei que a social-democracia defendesse uma “economia de mercado” e não uma “sociedade de mercado”, mas estou visivelmente desactualizado. Seixas da Costa fala de fiscalidade e de leis laborais, como se não soubesse que estes bilionários têm um registo de investimentos políticos de muitos milhões no combate à presença dos sindicatos nas suas empresas e na compra de influência política, o que explica de resto uma grande parte regressão fiscal registada, entre outras malfeitorias que aumentaram brutalmente os enviesamentos de classe do Estado no capitalismo. Os seus consumos/investimentos não podem ser desligados deste padrão, obviamente.
Já agora, e a propósito do adjectivo “woke”, lançado em modo de acusação, devo dizer que a importação das guerras culturais anglo-saxónicas não cola em quem defende a primazia das classes, suas lutas e alianças, bem como a existência de fronteiras políticas com significado económico ou de um nacionalismo salutar.
Eu nem sequer digo que “inveja é uma argumento muito fraquinho” porque nem sequer chega a ser argumento.
ResponderEliminarÉ curioso como a “inveja” vem tantas vezes de mão dada com outros “argumentos” como “os ricos são ricos porque merecem” e “os pobres são pobres porque são preguiçosos”.
Claro, isto não mais é que uma forma de escudar a classe dominante de qualquer crítica.
É também curioso com os que se socorrem da “inveja” não terem a noção que o sistema em que nós vivemos a inveja é uma característica inerente do mesmo! O que é um bilionário sentir a necessidade de ir ao espaço porque outro bilionário foi? É inveja!
Outra justificação que alguns gostam de utilizar para proteger a classe dominante é “se o dinheiro é deles, têm pleno direito de o gastar como muito bem entenderem”, e isto é exactamente onde reside o tanto mal deste mundo, é que nós enquanto sociedade permitimos que um punhado de indivíduos acumule faraónica riqueza ao ponto de se tornarem em aristocracia. A riqueza é gerada por quem trabalha e o não pela classe dominante…
Os advogados da classe dominante vão sempre defender o roubo legalizado, e quando alguém crítica a roubalheira da classe dominante dizem os advogados “não sejas invejoso!”.
Os advogados da classe dominante são invejosos, eles gostavam de estar na posição de um Jeff Bezos.
"O que é um bilionário sentir a necessidade de ir ao espaço porque outro bilionário foi? É inveja!
EliminarNão, é ambição!
A inveja, é o termo dados pelos ricos para definir a ambição dos pobres
Parece que, a este propósito, e apesar de todos os alertas e fenómenos climáticos extremos cada vez mais evidentes, as Alterações Climáticas são um pormenor. Os políticos fariam bem em ler Anatol Lieven.
ResponderEliminarCaros, o discurso do Exmo. Seixas da Costa no post anterior não vos lembra nada? Ora vejam:
ResponderEliminar-- "escrutinar a forma como qualquer milionário enriquece";
-- "perceber se todos os deveres fiscais foram cumpridos";
-- "impedir que o dinheiro venha a ser utilizado para compra de poder político";
-- "nomeadamente para formatar as leis em seu favor"...
A mim lembra os discursos das concorrentes a Miss Portugal, Miss Califórnia, Miss Universo, etc. Sabem, quando o apresentador lhes dá a palavra e elas falam em 'paz no mundo' e outras lindas platitudes?
Assim os desejos do Exmo. Seixas da Costa. Mas se às jovens meninas podemos perdoar a ingenuidade, pois nada sabem de como o mundo funciona, que dizer do Exmo. Seixas - que sabe muito bem e de perto?
Que dizer de alguém que, após longa e desconfortável carreira diplomática, em locais tão inóspitos como Oslo, Londres ou Paris, num trabalho suado e mal pago que ninguém valoriza, vai parar aos conselhos de administração da EDP, da Gulbenkian ou da Jerónimo Martins - e sempre encostadinho a um governo 'socialista'?
Já viram a generosidade desta alma socialista, após vida tão dura e difícil, a defender o status quo, a ganância sem limites do capitalismo ou a riqueza obscena de mega-mamões como Bezos?
Caros, este mundo não é tão injusto, iníquo e desigual por acaso: alguém o fez assim, alguém o mantém assim. A mantê-lo assim há muitos chulos, muitos hipócritas, muitos Tides. E sim, muitos Seixas.
como SE, o embaixador é um dos principais, se não o principal, autores português da União Europeia que temos desde os anos 2000, esses da moeda única e quejandos.
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