Esperava-se que a criação do fórum das grandes empresas nacionais, com o solene título anglófono de Business RoundTable - traduzido à letra plebeia para Mesa Redonda dos Negócios - fosse proporcional ao discernimento e clareza das propostas. Mas não.
A entrevista da principal figura desse fórum ao jornal Público é, antes, um aproveitamento político para, à pala dos 150 anos de Alfredo da Silva, se guindarem aos seus ombros de pedra certos empresários sem estatura nem ideias que não seja a de receber uns dinheiro do Estado - sob a capa da sua nova função facilitadora - para poderem vender empresas a interesses estrangeiros, empochando a mais-valia, muito provavelmente sem pagar impostos pelas mais-valias. A entrevista começa por ser um elogio ao grupo industrial CUF muito para lá da sua figura primeira:
"A minha família considera que é importante viver os seus valores, da resiliência, inovação, da exigência e da excelência", afirma Vasco de Mello.
Longe, ficam as cumplicidades estabelecidas entre o grupo, a sua família e o regime do dito Estado Novo, a forma como o Estado era, nessa altura, facilitador dos interesses de uma minoria de empresários, protegidos pela polícia política e pelas barreiras à entrada de competidores através do condicionamento industrial, cúmplices, reverentes e ao mesmo tempo manietados pelo regime que os legitimava. Como dizia alguém, uma ditadura terrorista do capitalismo monopolista. Veja-se este maravilhoso filme dos arquivos da RTP, sobre a comemoração do centenário da fundação da CUF, onde - como agora! - se passeia o cortejo político do regime, com a família a receber - talvez com enfado e calor (2m50) - a primeira figura do Estado, sob o olhar frígido de Alfredo da Silva.
E veja-se uma das queixas apanhada de forma desgarrada no memorando da Frente Patriótica de Libertação Nacional, dirigido à 51ª Conferência Internacional do Trabalho, a pedir a expulsão dos delegados fascistas, tal como já acontecera na 49ª (junho de 1965) e 50º Conferências (Junho de 1966), para provar como o regime salazarista protegia certos interesses privados e atacava o direito de associação sindical, reprimindo os trabalhadores e comprimindo salários:
Em Novembro de 1966, tiveram lugar "eleições" na CUF, um dos mais importantes monopólios estabelecidos em Portugal e nas colónias; eram assim designados os delegados à C.I.E, comissão criada pela administração e que agrupa os representantes desta e dos trabalhadores. De facto, nesta comissão, apenas os delegados patronais dispõem do direito de se exprimirem livremente. Assim, Daniel Coelho, representante dos trabalhadores, que tinha tomado a sério o seu cargo, foi expulso da empresa, acusado de ter incitado os trabalhadores à greve. As questões relativas a salários não podem ser abordados nas reuniões da C.I.E.: estas questões - diz a administração - não têm qualquer relação com o "bem estar" social dos trabalhadores.
Mas mais interessante na entrevista é a comparação que fica entre a figura do industrial Alfredo da Silva, que representava 5% do PIB nacional, e a do seu bisneto "presidente dos conselhos de administração da José de Mello e da Brisa, e da direcção da Fundação Amélia de Mello". No grupo Mello, a única significativa unidade industrial do grupo é a firma Bondalti (que representou em 2019 cerca de um sétimo dos resultados do grupo). O resto, é serviços de saúde CUF (de onde vieram 40% dos proveitos operacionais em 2019 assentes nos fundos da ADSE) e a gestão de autoestradas pela firma Brisa (43% dos resultados operacionais de 2019), de cujo capital, aliás, o grupo vendeu em 2020 uma parcela de 40% (ficou apenas com 17%!) a um consórcio composto pela APG (gestora do fundo de pensões dos funcionários públicos e do sector da educação da Holanda), o National Pension Service da República da Coreia (supõe-se que seja da Coreia do Sul...!) e o fundo Swiss Life Asset Managers da seguradora suíça do ramo-vida.
Venere-se o grande industrial, mas lave-se a cara dos empresários vendedores de activos nacionais.
Sobre o "momento único" que se vive, Vasco de Mello tem poucas ideias.
"Portugal tem que crescer muito mais do que nas últimas duas décadas".
Como?
"Só o podemos fazer suportados em três áreas fundamentais": pessoas, empresas e Estado.
Sobra mais alguma coisa? Mas para fazer o quê?
Pessoas: "Qualificar e treinar um número muito significativo de pessoas que vai ver o seu lugar em risco com a revolução tecnológica". Empresas: "Precisamos que sejam mais produtivas e competitivas, as pequenas empresas têm que se tornar grandes empresas". Parece mais um chavão para aliciar as pequenas empresas. Estado: "O Estado tem uma função muito importante, deve ser facilitador da actividade económica".
Porquê?
Porque "são as empresas, são as pessoas e iniciativa privada que geram a riqueza, que permite criar empregos, pagar melhores salários, e depois distribuir de forma a termos um Portugal mais justo e mais equitativo."
Por esta ordem. Os deputados do CDS, da IL ou os seus colegas mais violentos não diriam melhor. Mas em que sentido tudo isso?
"Não temos receitas mágicas, as receitas têm que vir de trabalho, de aprofundamento do trabalho realizado, para podermos ter medidas e propostas que sejam realistas e possam ser implementada"...
Ah! Mas enquanto não há solução, devemos dar, por aquela ordem, dinheiro às empresas e às"pessoas". Mas em que direcção?
O mais importante é que a aplicação de fundos seja para transformar a base produtiva do país e transformar o Estado. Temos de ser capazes de aplicar bem esses fundos, e a única forma de aplicar bem é ter objectivos claros, controlar e acompanhar a execução. (...) Temos que ter coragem de transformar o país, na perspectiva de ganhar maior competitividade e sermos mais produtivos. Para isso temos que ser mais eficientes e aplicar bem os fundos.
"Aplicar bem os fundos" é aplicar nas empresas que existem, nas grandes empresas. Certo?
Se antes, para quem casasse na família, casava com a CUF - história contada por Vasco de Mello sobre o pedido de casamento do avô Manuel à filha de Alfredo da Silva, Maria Amélia - algo de sólido se perdeu no caminho. Já nem o pomposo nome de Business RoundTable parece salvar os empresários nacionais do poder de sucção internacional. Fica-lhes apenas a pose e a borras secas no coador.
Os eufemismos são a forma mais sofisticada de esconder o óbvio, esta gente não tem qualquer projeto para o país, não têm qualquer interesse na decência ou na igualdade apenas utilizam estas mentiras para aumentar a sua dominância.
ResponderEliminaros trabalhadores passaram a colaboradores e agora afinal são pessoas mais ano menos anos vão ser seres escravizados (os que ainda não são
ResponderEliminarNuma sociedade classista, os interesses do país são afinal sempre os interesses da classe dominante. Se estes cavalheiros têm ideias para o país? Sem dúvida nenhuma: têm todas as ideias adequadas convenientes e necessárias para "o seu" país.
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