Em Espanha, está iminente um acordo entre o PSOE e o Unidas Podemos sobre a lei da habitação que prevê o congelamento de rendas em áreas com maior pressão dos custos habitacionais. Embora o acordo ainda não esteja fechado, a classificação dessas áreas terá por base o aumento das rendas nos anteriores e a sobrecarga dos agregados familiares com custos habitacionais face à média nacional. A lei contará ainda com o importante critério de estabelecer que, nestas áreas, o senhorio terá de ter em conta a renda cobrada ao inquilino anterior para propor a renda ao novo inquilino, sendo que a atualização não pode ultrapassar o índice de inflação. Como é evidente, o fantasma das rendas muito baixas, que coloca em causa a manutenção dos imóveis, há muito que deixou de ser a questão. Agora, trata-se apenas de conter taxas de rentabilidade exorbitantes que colocam em causa o direito à habitação dos cidadãos.
Isto não será a solução para os graves problemas dos custos habitacionais que afetam Espanha e Portugal. Dificilmente o problema poderá ser resolvido sem conter a financeirização da habitação, com o imobiliário a ser cada vez mais transacionado como um ativo à escala internacional, criando um desajustamento entre os preços praticados e os rendimentos locais, e sem a aposta massiva em habitação pública.
Mas é um primeiro passo. Em muitas cidades espanholas, como em Berlim, onde o turismo massificado e a compra de imóveis por agentes financeiros internacionais são massivos, esta é a solução de curto-prazo que permite aliviar a vida das pessoas e pôr termo aos custos habitacionais que as expulsam das suas cidades e impedem os jovens de terem vidas autónomas.
Por cá, pelo contrário, andamos entre o pântano e a distopia.
O pântano porque António Costa (com os característicos assomos de esquerda que acontecem aos primeiros-ministros socialistas antes dos congressos) veio prometer habitação condigna para todos em 2024. É assim como ter a casa a arder e prometer a vinda dos bombeiros dentro de um mês. É óbvio que a oferta pública de habitação não se aumenta no curto-prazo, mas muito mais poderia já ter sido feito. António Costa parece esquecer-se, mas é primeiro-ministro desde 2015, com uma das mais taxas de investimento público da Europa em todos os orçamentos. Já no início do seu mandato isso era evidente e considerar que o problema se resolve apenas no contexto do PRR é tardio.
Soma-se a isto a constatação óbvia de que, ao contrário de Espanha, Portugal não está disposto a fazer nada que trave a subida dos custos da habitação no curto-prazo, através de um programa ambicioso de controlo de rendas. Isso seria colocar em causa os interesses privados no imobiliário e isso é coisa que este governo não está disposto a fazer, preferindo que a crise alastre e o pântano se adense, numa amálgama de população mais velha expulsa das suas casas e de uma geração para quem sair de casa dos pais é um luxo.
E o problema será adensado nos próximos meses. O governo olha a retoma do Turismo com os olhos vidrados de um viciado que aguarda o há muito esperado chuto de heroína, deslumbrado num modelo de desenvolvimento para o qual não vê alternativa, mas nunca menciona alguns dos efeitos externos negativos que deveriam ser óbvios. Designadamente, que as habitações de alojamento local, que se tinham voltado para o aluguer de longo-prazo durante a crise pandémica, vão de novo voltar ao arrendamento de curta duração, retirando oferta para o arrendamento das famílias e colocando uma pressão adicional nas rendas.
No espaço mediático, tudo isto é apresentado de forma distópica, porque apesar do governo não colocar nunca em causa os robustos interesses imobiliários em torno da habitação, a direita insiste na sua tese, ampliada nos meios de comunicação que controla, de que Portugal está à beira de uma ditadura socialista, com vários ministros de “extrema-esquerda”, a começar pelo ministro da habitação e infraestruturas. Usa palavras e conceitos como bolas de sabão, que nada querem dizer e só têm como propósito suscitar o medo e alterar a perceção da realidade.
António Costa considera que o extremo-centro da sua governação é aquilo que conduzirá o seu governo e o Partido Socialista a perpetuarem-se no poder, apostando na absorção do eleitorado mais centrista do PSD e na eterna chantagem sobre os partidos à sua esquerda, a quem à mais leve nota crítica acusa de estarem a fazer um jeito à direita e à extrema-direita. Eu acho que está enganado. A sua indisponibilidade para confrontar interesses para resolver problemas urgentes das populações, como o da habitação, é exatamente o que nos conduzirá ao pântano de descontentamento que franqueará as portas à direita mais radicalizada de sempre da democracia portuguesa.
Mas quer um programa de controlo de rendas para quê? O nosso problema é apenas má fé. Na lei de 2012 foi definida a existência de um subsídio à renda? Onde está hoje? Pois, não está, não há verba no orçamento. Criou-se o imposto AIMI, já há verba? Parece que não. Agora vêm as verbas do PRR, haverá subsídio? Pois, decerto saberão a resposta. Isto não é governar um país.
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