No 360 desta noite, na RTP3, a jornalista Helena Garrido (HG), comentadora neoliberal, reconhece a contradição em que caiu a Comissão Europeia ao pedir ao Estado português mais prudência orçamental e, ao mesmo tempo, que apoie mais a economia.
HG: - É a quadratura do círculo, não é? Estas questões colocadas pela Comissão Europeia são sempre uma coisa e o seu contrário. Ultimamente, temos que nos habituar a estas posições da Comissão Europeia. (...) Há, de facto, aqui uma contradição: se é preciso prudência não se pode, de facto, ir tão longe nos estímulos como nos outros países. E, aliás, é isso que o Governo tem feito. Nós somos dos países que menos apoio deu à economia directamente.
Mas ao mesmo tempo, HG acaba por cair no mesmo jogo da Comissão Europeia. Critica o Governo português por ter feito austeridade que prejudicou a eficácia do Estado ("nomeadamente o SNS"), mas ao mesmo tempo critica-o por não ter feito a austeridade que nos ponha a salvo de "qualquer abalo financeiro" que surja a seguir à pandemia (sobre este aspecto ler Jorge Bateira). Uma contradição, aliás, bem comum na direita portugueses que nunca diz o que seria a "boa austeridade", regressando-se e repetindo-se o discurso feito em 2010 e 2015:
HG: - Esta é, de facto, uma prudência que o Governo tem tido. E que temos de ter porque temos uma dimensão da dívida pública [no conjunto do PIB] que não nos coloca numa situação muito confortável. Qualquer abalo, se por acaso a seguir a isto vier um abalo financeiro, obviamente somos dos países mais frágeis da UE (...) porque - pelo menos na minha perspectiva - penso que se poderia ter ido mais longe na correcção do défice público do que aquilo que se foi. Poder-se-ia ter adoptado algumas medidas, aproveitando a bonança que tivenos a partir de 2014, do que aquilo que...
Ou seja, cortando mais na despesa pública. Porque, na sua perspectiva e ao arrepio do que está mostrado, contas austeras melhoram o desempenho económico do país. Na verdade, é possível ter défices orçamentais e, melhorando o desempenho económico, reduzir o peso da dívida pública no PIB.
José Rodrigues dos Santos (JRS): - De qualquer forma, atingimos o superávite que é uma coisa... não é muito normal desde que estamos em democracia...
HG: - Sim, sim, atingimos o superávite, mas a questão é se não poderíamos ter atingido o superávite mais cedo e se não poderíamos hoje ter uma estrutura da administração pública e do Estado que fosse mais fácil de controlar.
Ou seja, devíamos algures ter cortado forte na despesa pública. HG recupera o velho tema do peso excessivo da despesa pública no PIB, sem nunca perceber que se há um peso excessivo - falsa questão! - isso se deve à estagnação do PIB durante mais de 20 anos, sobre o qual nunca se pronunciam ou, quando o fazem, é para atribuir a esse peso excessivo do Estado a causa da estagnação do PIB (em pescadinha de rabo na boca)! Esse foi, aliás, um tema suscitado pelo PSD de Durão Barroso em 2000 (que nunca tentou resolver); por Pedro Passos Coelho e Paulo Portas em 2011/12 (que tentaram resolver, desarticulando por completo os serviços públicos, a ponto de ainda hoje se sofrer à conta dessa tentativa - ver aqui o Barómetro nº7 Orçamentos 2011-2014: a destruição duradoura). E é o que fazem presentemente os novos neoliberais da IL e do CH (que nunca concretizam o que fariam no Governo). HG esqueceu-se de tudo o que se passou, do descalabro então provocado. Mas ao mesmo tempo, acusa o Governo de não ter gasto mais...
HG: - Ou seja, aquilo que esta pandemia nos veio mostrar é que, de facto, se controlou as contas públicas de uma forma que fragilizou os serviços públicos. Quer se queira quer não, aquilo que vimos foi uma grande fragilização, nomeadamente do SNS. Quando falamos do investimento público que não se fez...
JRS: - ...e das cativações...
HG :- Exactamente, das cativações... isso significou na prática que houve investimentos que não se realizaram. E não estamos a falar de investimento em autoestradas. Estamos a falar muitas vezes de uma máquina de tirar radiografias. Pequenos investimentos de manutenção e substituição de peruenos equipamentos.
JRS: - Foi uma austeridade sem esse nome...
HG:- Foi austeridade. Mas com uma modelo de austeridade que não nos colocou desse ponto de vista (...) no porto de abrigo.
Mistura-se o conceito de austeridade aplicada em recessão (defendido aliás por HG em 2010/2011, ver Caderno nº7, Narrativas da crise no jornalismo económico), com aperto nas contas públicas em fase ascendente da economia. Critica-se o Governo. Mas não se diz qual seria o modelo de austeridade que nos colocaria no porto de abrigo. Que austeridade era possível de ser feita que não prejudicasse ainda mais o SNS? Sobre isso, silêncio.
Nada se aprendeu. Ou não se quer aprender porque o argumento da austeridade é apenas um artifício para se atacar a provisão pública, nomeadamente em Saúde, Educação e protecção social. É um argumento ideológico, cego. E que se contradiz a cada passo. Seja em Bruxelas ou nas emissões da televisão pública.
Boa Tarde João
ResponderEliminarA ideia de Helena Garrido é uma ideia da qual pode-se e deve-se discordar profundamente, mas que julgo não ser incoerente.
E é na verdade o mesmo raciocínio que o PS adoptou em relação ao investimento público ( FBCF público, que permanece em termos percentuais abaixo do nível mais alto do governo Passos e é um dos menores da Europa) mas aplicada á despesa corrente primária.
Em pormenor o que é defendido por Helena G são ideias como que a FP devia ter permanecido nas 40 horas, que as reposições salariais deviam ter sido mais moderadas e que não devia ter havido tantas contratações publicas para o Estado, para haver mais dinheiro para o investimento público.
No fundo limita-se a reproduzir os textos do coordenador do PSD para as Finanças Públicas.
A diferença entre o governo PS e a direita entre variadas coisas não se situa quanto á necessidade de "austeridade", mas sim em quais as categorias que devem ser o centro dessa austeridade.
Com os melhores cumprimentos