“Perdemos a classe trabalhadora”, reconheceu recentemente Keir Starmer, perante mais uma derrota dos trabalhistas britânicos. Foi mais um dos bastiões do norte de Inglaterra que caiu, perdido de forma retumbante para os conservadores numa eleição intercalar. Confirmou-se que a eleição para líder dos trabalhistas de um dos principais responsáveis pela desastrosa opção de um segundo referendo, que de resto ditou a sorte de Corbyn entre a eleição de 2017 e a de 2019, foi uma prenda para Boris Johnson. Starmer é uma espécie de Blair fora de tempo e sem carisma.
Johnson, por sua vez, compreendeu o potencial do Brexit entre as classes populares e tem-no explorado politicamente, reposicionando socioeconomicamente os conservadores mais à esquerda, superando aí a herança de Thatcher e da austeridade, ancorando-os num discurso de confiança patriótica, de controlo dos fluxos migratórios e de segurança em sentido amplo, com uma campanha de vacinação bem-sucedida no quadro do SNS, com anúncios de mais investimento público, sem deixar de ter o governo com mais membros oriundos de minorias étnicas e um dos mais equilibrados em termos de género, refletindo sem dramas tendências sociais de fundo. Os trabalhistas arriscam-se a ser um partido duradouramente minoritário, agora sem programa. Isto está em linha com uma social-democracia perdida na integração supranacional, como se não houvesse ligação entre democracia, pertença e fronteira, talvez com a excepção dinamarquesa, curiosamente fora do Euro.
É também curioso como este reposicionamento dos conservadores praticamente não encontra eco nos nossos anglófilos de gema nas direitas, totalmente dominados pela melancolia neoliberal da troika, como se verá quando se reunirem todos em convenção para entoar loas à UE e à liberdade dos de cima. Deve ser do confinamento, que os tem impedido de ir beber chá longe da piolheira periférica...
«democracia, pertença e fronteira»
ResponderEliminarO marxismo era suposto servir para sempre não fora ter antecipado a morte do capitalismo à globalização com seu imaginário governo mundial.
Assim sendo, fecha-se em casa e diz-se democrata adentro de fronteiras.
É tudo uma maravilha, não fosse a gestão desastrosa da pandemia até ao início da campanha de vacinação, inclusive com contratos dados a uns quantos amigos. Um regabofe que já custou imensas vidas...
ResponderEliminarOs conservadores não viraram à Esquerda, João Rodrigues, simplesmente adoptaram um discurso e uma prática iliberais que inclusive se reflectem na forma como os serviços de imigração tratam pessoas que legitimamente tentam procurar trabalho no Reino Unido (a informação veiculada é a de que os viajantes podem entrar para realizarem entrevistas de emprego). Daqui:
https://www.theguardian.com/politics/2021/may/13/eu-citizens-arriving-in-uk-being-locked-up-and-expelled
O keynesianismo não é uma filosofia de Esquerda ou de Direita, Hitler também recorreu a ele, já agora.
As paredes de vidro com cortininhas de ferro (que eram boas para a Paz, Sahra Wagenknecht dixit) também não são específicas de um lado do espectro político ou do outro. Mas elas revelam o mesmo desejo de excluir o outro, o pobre, o estrangeiro, o espião...
A Esquerda Leaver do Labour continua a não perceber que se Starmer perdeu a Red Wall, foi o Brexit que eles desejavam à sorrelfa, contra a vontade da maioria no Labour, que definiu a posição do Partido no referendo, mas que eles decidiram ignorar, seja por incompetência política, cinismo calculado na esperança de uma queda de Cameron e na divisão dos Tories, ou ingenuidade na esperança de um unicorn Brexit mais abstruso que tudo o que os leavers de Direita propunham (parece que a vontade da maioria só é boa quando coincide com a nossa, não é?), que fracturou a coligação que sustentava este Partido.
Um Partido pode sobreviver a divisões internas, mas não a uma divisão do seu eleitorado...
Talvez ela estivesse condenada a desabar de qualquer maneira, mas defender por isso o Brexit é tão idiota como um homem que sofre de uma doença que pode matá-lo decidir cometer suicídio aqui e agora por causa disso.
Não são apenas os votantes da Red Wall que podem decidir dar os seus votos a outros Partidos, sabe? Chama-se ter princípios e não são apenas os eleitores da classe trabalhadora que têm direito a tê-los...
E se julga que por cá os eleitores centristas vão dar os seus votos ao PCP-PEV e ao BE só por você julga que isso é que é patriótico, é melhor esperar sentado. E bem pode apodá-los de euro-liberais para baixo que adianta pouco...
Larry Elliot argumentava recentemente que era necessário aceitar o Brexit e recorrer aos seus instrumentos de outro modo o RU corria o risco de transformar-se num País de Partido Único (não me parece que seja um problema para si, mas para ele seguramente que é).
Mas dada a dificuldade, porventura a impossibilidade em evitar a morte do Labour, até devido ao crescimento do sentimento nacional das nações mais pequenas (tão legítimo como o inglês), que subitamente se apercebem que a sua política é decidida pelos eleitores da nação maior (veja-se o que se passa na Escócia) a pergunta que fica aos Leavers de Esquerda do RU, será que o Brexit valeu mesmo esse risco?
É que se não valeu não foi uma vitória, foi um grandessíssimo barrete...