segunda-feira, 26 de abril de 2021

Assunção Cristas e o Processo FP-25


Na sua crónica de hoje no DN (aqui), Assunção Cristas compara a indemnização concedida pelo Estado à família de Ilhor, cidadão ucraniano assassinado por elemento do SEF no Aeroporto Humberto Delgado, com as indemnizações pagas pelo Estado às famílias dos alvos das FP25.

Alguém pode explicar a Assunção Cristas que a sua comparação é destituída de qualquer sentido? No caso de Ilhor, trata-se de o assassinato de um cidadão estrangeiro sob tutela do estado português, pelas mãos de agentes de uma polícia de um estado democrático, que em nenhuma circunstância podem assassinar de forma gratuita um cidadão desprotegido. É responsabilidade direta do Estado. No caso FP25, a situação é totalmente diferente. As ações das FP25 não decorreram da ação direta do Estado. A ideia de que o Estado é indiretamente responsável porque não foi capaz de proteger os alvos das FP é fraco: por essa lógica, o Estado teria de indemnizar os familiares das vítimas sempre que uma terceira parte cometa um crime que as forças de segurança e investigação não conseguiram evitar. Não faz sentido.

Esta crónica só pode ser entendida como um desejo claro de a direita fazer ressurgir o caso FP25 no espaço público, a propósito de um livro recentemente editado sobre o tema. O livro terá os seus méritos, mas nunca poderá ser reconhecido como uma análise distanciada do processo FP25, uma vez que foi redigido em estreita articulação com um dos filhos de um alvo das FP25 e militante do CDS.

Mas percebe-se a vontade de a direita recuperar o caso. É-lhe muito útil para dizer que a violência foi igualmente distribuída entre as franjas da esquerda e da direita. A isso temos de responder, uma e outra vez, que não há equivalência possível. A direita portuguesa tem o monopólio da violência institucional do Estado Novo durante 50 anos, que torturou e assassinou inúmeros antifascistas. Assim como um património de violência no pós-25 de Abril. São múltiplos os atentados à bomba e os incêndios de sedes de partidos políticos. A que se somam casos de homicídio, como o do Padre Max. Crimes que nunca se traduziram em penas de prisão efetiva. Em termos de violência política, a direita dá 100 a 0 à esquerda em Portugal.

As FP25 devem ser entendidas como o reflexo da ação de um pequeno grupo de militantes de esquerda, alguns com um respeitável passado anti-fascista, que não se conformou com o refluxo das conquistas populares do processo revolucionário. Em consequência dessa inconformação, seguiram um caminho censurável e difícil de explicar numa democracia, atingindo alvos ligados à repressão sobre o movimento dos trabalhadores e, mais tarde, à repressão sobre os prisioneiros da organização. Os alvos das FP25 não eram os santos que a direita gosta de afirmar que são, mas não há justificação política para a sua liquidação física. Os elementos do caso FP25 foram julgados num longo processo que envergonhou a democracia portuguesa, ao envolver inocentes que nada tinham que ver com as FP 25, mantendo os presos em prisão preventiva por longos períodos de tempo sem culpa formada e submetendo-os a tratamento prisional abaixo da dignidade de um estado democrático, muitas vezes com a conivências das autoridades prisionais.

Após cumprirem penas prisão, os envolvidos no caso FP25 acabaram por beneficiar de uma amnistia, largamente consensual na sociedade portuguesa, com a concordância da maioria do parlamento e do Presidente da República. As indemnizações a serem pagas foram pagas na altura.

O julgamento das FP-25, uma micro-organização dentro da extrema-esquerda, percorreu todos os passos da justiça e implicou penas de prisão efetiva. Fica a pergunta: quantos elementos da emaranhada teia da máquina de repressão fascista foram julgados e presos? Desses, quantos fugiram e foram libertados com a conivência das autoridades? Quantos anos de prisão efetiva cumpriram os militantes da extrema-direita responsáveis pelos atentados bombistas?

Não comparemos o incomparável. Nem a magnitude da violência da direita portuguesa é comparável com a da esquerda, nem a indemnização por um ato sobre direta responsabilidade do Estado deve ser comparável com o valor da indemnização a pagar por um ato em que o Estado tem questionável responsabilidade indireta.

O aproveitamento político de vítimas deveria ter limites.

7 comentários:

  1. Infelizmente, o seu artigo procura fazer o que faz Cristas, mas ao contrário. Se eu fiz, tu fizeste pior... A contabilidade das vítimas não serve para nada, de outro modo poderíamos equacionar nazismo e comunismo, pelo volume dos crimes, o que não podemos...

    E se a tentativa de fazer das vítimas do terrorismo uma espécie de santos é censurável (o estatuto de vítima não concede nenhum salvo-conduto moral e uma vítima também não é menos vítima por ser alguém imperfeito), vir lembrá-lo neste contexto quase que parece desculpar os ditos crimes.

    Ainda por cima, procurando contextualizar esses crimes recorrendo ao suposto refluxo das conquistas populares, que não foram conquistas do povo, mas sim de uma minoria que queria dar à revolução um rumo que uma larga maioria rejeitou. E rejeitou-as em eleições livres, que são a única maneira da soberania popular se exprimir.

    Aquilo que as FP-25 procuraram, isso sim, foi subverter a dita vontade popular.

    Um crime de sangue, num contexto de uma democracia, é abominável seja contra quem for, em particular contra crianças inocentes, como aconteceu com os crimes das FP-25.

    Há uma certa Esquerda que continua a manter uma fascinação por uma violência revolucionária que qualquer democrata deveria condenar sem hesitações, no ifs or buts.

    Como a História mostra vezes sem conta, as únicas conquistas que perduram são as que se fazem num contexto de não-violência. A Revolução Francesa afundou-se no sangue do Terror e o leninismo matou não apenas a possibilidade de um governo popular na Rússia, como provavelmente liquidou o socialismo como via alternativa ao capitalismo...

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  2. O CDS tenta fazer esquecer , que ao longo dos anos, sempre desculpabilizou , os bombistas do ELP e do MDLP. Os assassinos destas duas organizacoes terroristas, nunca foram julgados, e um dos mandantes o Conego Melo, ate tem estatua erguida em Braga, com o apoio de dirigentes do PS do PSD e do CDS.

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  3. Três notas.
    Quando o Estado amnistia crimes, natural é que se substitua na responsabilidade civil do amnistiado.
    A «circunstância (de) assassinar de forma gratuita um cidadão desprotegido» aplica-se sem esforço às FP-25, não aos agentes do SEF.
    A distância de tempo e circunstância tanto dispensa o comentário da Cristas como envolver considerações sobre a qualidade das vítimas e dos carrascos.

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  4. Leiam o livro de Daniela Costa, Uma Bomba a iluminar a noite do Marao, certamente que a Cristas nunca o leu....

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  5. Jaime Santos e o seu verbo de encher chouriços e demais linguiças é verdadeiramente incrível. Será preciso explicar ao enorme penedo que é Jaime Santos que o texto nada tem a ver com nazismo e comunismo, mas sim com um texto que Assunção Cristas escreveu acerca do seu modo de encarar a justiça? Depois, qual a ideia de concluir o seu argumento com a Revolução Francesa e Lenine, se o assunto tem a ver com um tema português? É sobre Portugal que estamos a tratar, senhor Jaime Penedo e não sobre o Mundo em geral.

    E já agora, sobre as conquistas do povo... Uma das conquistas do 25 de Abril, foi a conquista da livre expressão que o mesmo Jaime Penedo usa e abusa aqui neste blog. Pessoas com a mentalidade do Jaime Penedo é que querem, de novo, o país amordaçado por uma certa minoria e onde está a autora da lei dos despejos, Assunção Cristas.

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  6. «A distância de tempo e circunstância tanto dispensa o comentário da Cristas como envolver considerações sobre a qualidade das vítimas e dos carrascos»

    Mais um comentário gratuito vindo de «Jose», amigo da ex-polícia política portuguesa que torturou e assassinou de forma gratuita muitos cidadãos desprotegidos.

    Sr. «Jose», tenha cuidado com as palavras e deixe de maquilhar aquilo que andou a escrever em «Manifesto 74» a favor da PIDE-DGS.

    Aplicar sem esforço é uma coisa; outra é aplicar com esforço, coisa que o Sr. «Jose» fez e muito no blog «Manifesto 74», no intuito de provocar, baralhar e confundir.

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  7. O contributo de políticas de miséria da senhora Assunção Cristas neste país foi de longe maior que o impacto das ações das FP-25.
    Não deixa de ser estranho como a mesma senhora tenha o desplante de abordar matérias de terror, quando esta foi a autora de uma lei que colaborou e ainda colabora para a decadência e degradação da sociedade portuguesa.

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