quarta-feira, 3 de março de 2021

Cem anos de história sem caricaturas


Há partidos que, não sendo nunca apenas ação política no presente, nem apenas história, são muito imbricadamente as duas coisas. É o caso do PCP (...) Se houve partido que melhor assegurou condições para que em Portugal se resistisse à ditadura foi o PCP (...) Quem repete há quase meio século que os comunistas portugueses queriam implantar uma ditadura “de tipo soviético”, era bom recordar que, dos oito objetivos fixados para a “revolução democrática e nacional” que o PCP preconizava para Portugal, cinco foram adotados no programa do PS de 1973; onde não havia coincidência, o do PS parecia mais radical. Da “destruição do estado fascista e instauração de um regime democrático” ao “reconhecimento aos povos das colónias o direito à imediata independência”, à Reforma Agrária ou à “liquidação do poder dos monopólios”, os comunistas conseguiram atingir quase todos os seus objetivos porque a grande maioria do povo assim o quis nas eleições de 1975, e porque uma amplíssima maioria de 93% dos deputados constituintes, incluídos os do PS e do PPD, aprovaram uma Constituição que consagrou esses objetivos. Depois das tensões do período revolucionário, empenhado em lutas sociais por todo o país, abertamente perseguido no Norte, no Centro e nas ilhas, ameaçado de ilegalização por alguns dos vencedores do 25 de Novembro, o PCP soube participar desse amplo consenso constitucional, o mesmo que há tantos anos se tende a omitir, como se ele não tivesse dado forma legal à democracia portuguesa em tudo quanto de original ela (ainda hoje) tem (...) Nenhuma caricatura do PCP estalinista e ortodoxo aguenta semelhante percurso. Não é por acaso que se faz 100 anos e se está presente na nossa história coletiva.

Manuel Loff, Cem anos, Público, 2 de Março de 2021.

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