terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Responsabilidade e bom senso


«Argumentamos que a escolha entre a vida dos mais velhos e a educação das crianças e jovens é um falso dilema e que é possível conciliar os direitos à saúde e à educação.
1. O sucesso de uma política não se mede apenas contando o número de infecções hoje, mas levando em consideração muitos outros fatores socioeconómicos e psicológicos, mas também consequências de saúde, física e mental, no presente e no futuro.
2. Nas escolas são aplicados rígidos protocolos sanitários, que garantem o uso correto dos dispositivos de segurança individuais durante grande parte do dia e que evitam a formação de agrupamentos nesses espaços (ao contrário do que acontecia nas famílias, por exemplo). A aprendizagem dos gestos de proteção na escola promove a aplicação de medidas preventivas na comunidade e é bem conhecido o papel relevante das crianças nesse processo de disseminação às famílias de atitudes promotoras de saúde.
3. Durante o primeiro período, as medidas sanitárias nas escolas impediriam numerosos casos e clusters (só houve 800 turmas que tiveram que fechar em todo o país neste período). No mês de fevereiro, nas 700 escolas que estão em funcionamento para acolher os filhos dos profissionais essenciais, só 25 casos positivos resultaram dos 13 mil testes realizados. Estes dados demonstram que é possível manter a pandemia sob controlo mantendo as escolas abertas, desde que com as devidas precauções.
4. A evidência empírica mostra que o encerramento de escolas se associa a uma diminuição dos casos na população e assim facilita o controlo da epidemia, mas não é indispensável para controlar a epidemia, sendo possível fazê-lo mantendo as escolas abertas, com as devidas precauções. Um largo conjunto de investigações mostrou que as escolas não são contextos relevantes de infeção e, durante o primeiro período, as medidas sanitárias em vigor nas escolas provaram que o curso da epidemia foi independente das escolas estarem abertas.
5. Não estão optimizadas ferramentas que poderiam contribuir para controlar a epidemia de maneira igualmente ou até mais eficaz do que fechando as escolas. Por exemplo, em Portugal há cinco vezes menos rastreadores de contacto por habitante do que na Alemanha.
6. Estudos em vários países, e a experiência clínica de alguns dos signatários desta carta, mostraram o aumento de problemas psicológicos e psiquiátricos das crianças e jovens associados ao confinamento e ao fecho das escolas (depressão, ansiedade, perturbação alimentar, auto-lesões, etc.).
7. Décadas de pesquisas em psicologia do desenvolvimento relataram como a educação pré-escolar e a escola permitem melhorias cognitivas, mas também motoras, sociais e emocionais (mais motivação académica, menos agressividade, menor prevalência de comportamentos de risco e de dependência). Como tal, as escolas são fundamentais para o desenvolvimento harmonioso, o desempenho académico, a participação no mercado de trabalho e a cidadania responsável.
8. O ensino a distância é menos eficaz do que o ensino presencial e tem sido um multiplicador de desigualdades de todos os tipos, não apenas educacionais, penalizando os mais vulneráveis: alunos com menos de 15 anos, em risco de insucesso escolar, com menos meios, com pais menos escolarizados, com deficiência, com necessidades educativas especiais, de origem estrangeira e vítimas de privações e violência no contexto familiar e social. O atraso na aquisição de aprendizagens pode levar à reversão do avanço das últimas décadas na diminuição da desigualdade social e no abandono escolar precoce.
9. O encerramento de escolas em Portugal durante o ano de 2020 foi dos mais longos da União Europeia, nomeadamente no ensino básico, o que comprometeu o direito à educação de crianças e jovens, bem como o direito à infância, entendido em sentido lato, como o direito às relações e à convivência com os pares.
10. Portugal é um dos países da União Europeia com menos condições para ensino a distância, devido ao baixo nível de qualificações dos pais (apenas um em cada quatro no ensino público até ao 9.º ano frequentou o ensino superior), às condições de privação material em que vivem muitas famílias com crianças, sofrendo de pobreza energética e habitacional, mas também à cobertura desigual da rede de 4G e de fibra. Mais de um quarto das crianças até aos 12 anos vivem em casas com problemas de humidade e infiltrações, 16% em alojamentos sobrelotados, 13% em casas não adequadamente aquecidas. Há 9% das crianças abaixo dos 12 anos cujas famílias não têm capacidade financeira para oferecer uma alimentação saudável. A privação material das crianças é superior em certas áreas do país, como as regiões autónomas ou o Algarve.
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Da carta aberta «Prioridade à Escola», subscrita por médicos, cientistas, académicos e profissionais de diferentes áreas, num apelo à reabertura gradual das escolas, a partir do início de Março, começando pelos mais novos.

3 comentários:

  1. Caro Nuno Serra,

    No computo geral tendo a concordar com o teor desta carta aberta. Especialmente os pontos 4) e 5).
    Mas ha varias ressalvas a fazer:

    Os pontos 1) e 3) sao problematicos na forma como estao redigidos e nao os subscrevo, de todo.

    O ponto 1) sofre de dissonancia cognitiva:
    "O sucesso de uma política não se mede apenas contando o número de infecções hoje mas levando em consideração muitos outros fatores (...), mas também consequências de saúde, física e mental, no presente e no futuro."

    Pergunto eu: entao mas as infeccoes com COVID nao tem precisamente "consequencas de saude, fisica e mental, no presente e no futuro"???

    O ponto 3) e uma salada russa de estatisticas e temas, deficientemente contextualizados que so servem para baralhar o leitor.
    Por exemplo o ponto 3) suscita-me as seguintes questoes:
    - "so" 800 turmas fechadas no primeiro periodo dizem - em que universo aparece este numero? quantos clusters e casos positivos estao associados a estas turmas?
    - "so" 25 positivos no mes de Fevereiro 2021 (que ainda decorre... hoje e dia 23...) num universo de 700 escolas... estao contentinhos aqui exactamente com o que?
    Resumindo o ponto 3) demonstra uma mao cheia de nada para aquilo que pretendem argumehtar.

    A minha ultima ressalva e esta:
    Concordo que as escolas devem ser a prioridade em qualquer plano de re-abertura da sociedade mas e importante notar duas consideracoes tacticas que senao acauteladas sao profundamente contra-producentes para quem quer levar esse projecto avante:

    1 - Nao e minimizando o impacto do COVID na sociedade e servicos de saude, fazendo de conta que valores de R sustentadamente acima de 1 nao sao um problema ou minimizando o papel das escolas na transmissibilidade do COVID que ganham capital de credibilidade neste debate. Sem credibilidade, estao perdidos. E e muito mais facil perder credibilidade que recupera-la... Este virus tem dinamicas muito bem alinhadas com os ciclos noticiosos o que significa que assercoes temerarias sao rapidamente expostas a escrutinio.

    2 - Quem quer reconciliar controlo do COVID com alguma actividade social e/ou economica tem de ser cauteloso na sua analise, garantir que o valor de R de transmissibilidade se mantem sustentadamente abaixo de 1 apesar do relaxamento em determinadas actividades que aumentam interaccao social.
    E tem de estar prontos para defender imediatamente recuo nos relaxamentos assim que o R comeca a subir acima de 1.
    Porque um R sustentadamente acima de 1 significa eventual confinamento - tanto mais severo e prolongado quanto mais tempo se deixa correr a situacao.

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  2. Reconhecendo a importância da 'Prioridade à escola' noto a ausência de referências à movimentação de pessoas que as escolas implicam.
    Quanto aos meios de ensino à distância sempre me intriga que a televisão não seja mencionada: qual a dificuldade de abrir canais de ensino?

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  3. Fora o facto de não funcionarem como ensino, nenhuma; até podiam ser no YouTube.

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