segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Não consegui chegar à meia dúzia

1. Com a prestimosa ajuda da maioria da elite dirigente do PS, que recomendou um voto de que terá tempo para se arrepender, já começou, como Vítor Dias indica, a manobra de pura propaganda para “inculcar a ideia de que estas presidenciais seriam umas novas legislativas e mostrariam um país já maioritariamente voltado para a direita.” Esta campanha beneficia do monopólio da direita na televisão controlada por piratas. Sem grande contraditório, é mais fácil ignorar as próprias sondagens para as legislativas, que, de facto, só indicam mudanças significativas dentro das direitas que dizem cada vez mais chega, praticamente sem redução global dos apoios nas esquerdas.  

2. A conversa do voto útil é sempre danosa, uma jogada de soma negativa numa luta pelo segundo lugar: afinal de contas, em 2016, havia 4 candidaturas de esquerda, talvez em sentido demasiado amplo, que tiveram conjuntamente cerca de 40%. Ainda para mais a conversa seria para benefício de uma candidatura, a de Ana Gomes, que, por má direcção de campanha, abandonou uma certa disposição populista de esquerda e acabou a fazer declarações euro-federalistas sobre progressismos e outras irrelevâncias internas ao PS.

3. Em relação ao candidato de extrema-direita e ao seu meio milhão de votos, creio que temos de ter duas atitudes que podem e devem ser complementares: continuação do escrutínio às aldrabices de Ventura e companhia, da intransigência anti-fascista em relação às suas elites dirigentes e militantes, acompanhada de um exercício empático, de colocação nos sapatos de tantos eleitores, tentando compreender melhor motivações e aspirações. E fazê-lo sem precipitações interesseiras e grosseiras, que tão bem servem Ventura e o seu esforço de transversalidade, digamos, como as que dizem que atrás de cada votante comunista existe um eleitor do Chega em potência. Olhe-se antes, politicamente, para as direitas e, socialmente, para as classes intermédias em empobrecimento, tantas vezes em sítios deixados para trás, aposto. Ou seja, veja-se a economia política e moral destas multidões.

4. Realmente, a luta continua: quando se faz o melhor de que se é capaz, com candidato encarnando brilhantemente os valores que temos boas razões para subscrever, há um sentimento de tristeza perante os resultados, mas também a tranquilidade de se ter ido à luta, acompanhada de uma continuada intensidade da vontade.

 

15 comentários:

  1. Se a esmagadora maioria dos discursos e comentários da noite de ontem e do dia de hoje foram sobre partidos, sobre o governo, sobre o eventual derrube do mesmo e sobre possíveis novas maiorias, o facto é que este resultado nada tem a ver com o que resultaria de umas eventuais legislativas antecipadas.
    O PCP e o BE sempre tiveram candidatos às presidênciais e o resultado foi sempre decepcionante (todos percebem que os candidatos estão apenas a fazer um frete aos partidos, que apenas querem manter-se vivos na memória dos eleitores).
    A única coisa diferente nesta eleição foi o apoio ativo-passivo do PS a MRS.
    Pretender que esses socialistas que votaram MRS vão votar no PSD ou no ch*ga a seguir é capaz de ser ingenuidade.
    E as votações do v*ntura no Alentejo também não o vão ajudar muito, pois o PCP sempre teve uma grande expressão no Alentejo e pouca a nível nacional.
    Para quem não percebeu ainda: o Alentejo tem muita área e relativamente poucos habitantes.

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  2. Um excelente texto de João Rodrigues
    Do v*entutimha do frete ê que nem se pega

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  3. Quando as 'boas razões', ao fim de um século de luta, valem de 6% a 4%, é preciso gostar muito da 'Luta'!

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    1. Ê
      É isso deve incomodar os seus inimigos
      A começar pelos viuvinhos de Salazar

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  4. Deixemos o sado-masoquista passivo-activo a fazer o frete pelo seu ventura, perdão v*ntura. Estará provavelmente a fazer um frete mas, conhecendo a peça, ganha com o "recado". Não sei se em antigos florins ou se em vales promocionais.

    Deixemos também de lado as boas razões de quem andou por aí aos caídos desde o 25 de Abril, a amaldiçoar o dia em que lhe arruinaram o conforto salazarista

    Abordemos o que é essencial. E o essencial são mesmo estes dois vectores:

    - Continuação do escrutínio às aldrabices de Ventura e companhia, da intransigência anti-fascista em relação às suas elites dirigentes e militantes
    - Exercício empático, de colocação nos sapatos de tantos eleitores, tentando compreender melhor motivações e aspirações.E fazê-lo sem precipitações interesseiras e grosseiras, que tão bem servem Ventura e o seu esforço de transversalidade, digamos, como as que dizem que atrás de cada votante comunista existe um eleitor do Chega em potência.

    Realmente, a luta continua

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  5. Jose neste seculo, o PCP viu correr muita agua debaixo das pontes, viu a Uniao Nacional e depois a ANP, partidos da ditadura, terem sempre 100% do votos, e hoje estao reduzidos
    aos 11% do ventura.

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  6. Razões particulares que aqui não vêm ao caso, mas que de podem sintetizar em modo de tempo de menos e obrigações de mais, têm-me impedido de desenvolver uma investigação verdadeiramente digna desse nome em torno dos factos, forças e circunstâncias, que têm propiciado o crescimento da direita (dita, extrema), não apenas em Portugal evidentemente, mas em diversos outros países europeus e do antigo Bloco de Leste, para além do Brasil ou dos Estados Unidos.
    Ainda assim, creio que a capitulação do campo socialista - e, recorde-se, já estamos a falar de um hiato de 30 anos - foi um factor decisivo na cada vez maior vinculação do extremo-centro aos valores nucleares de um sistema capitalista crescentemente financeirizado, militarmente agressivo, detentor de uma voz hegemónica em todos os planos da ideologia e que apenas consente Dupont e Dupond, sem espaço para mais.
    Ainda assim e durante muito tempo, os partidos da social-democracia puderam alternar entre si prebendas, corrupção e favores, desde que, assumindo o papel que lhes estava e está historicamente determinado: o de assegurarem a gestão leal do sistema capitalista, para usar a expressão do Prof. Avelãs Nunes. Contudo e para os partidos que a si mesmos ainda se designam socialistas, caso do PS entre nós, havia e há uma factura a pagar: o acesso ao pote (na expressão avacalhada de Passos Coelho) faz-se no compromisso de uma permanente "política de reformas", que é como quem diz, no desprezo fundamental do trabalho e dos seus direitos e na permanente transferência da riqueza para os de cima, num movimento de concentração crescente, pornográfica de facto e verdadeiramente insustentável, tendo já levado por isso a gritos de alma - espante-se - de homens como Stiglitz. Neste contexto de relações de poder. os mecanismos e forças condicionantes da vontade deliberativa dos sujeitos, atingiu hoje paroxismos que só encontram paralelo no período da chamada guerra fria (ou fui só eu que ouvi o Marcelo a ligar para um programa matinal de telelixo, como se isso fosse a coisa mais natural do Mundo?), o que tem viabilizado até agora e com mai ou menos puxão e empurrão, a verificação da velha máxima de Lampedusa: é preciso ir mudando alguma coisa, para que tudo fique na mesma. Sucede porém, que a História e as suas dinâmicas (de que a luta de classes continua a ser o motor inexorável), assenta em raízes e pressupostos que vão para além do mero circunstancialismo e taticismo, mesmo eleitoral (mesmo que o gáudio dos 4% ou dos 6%, para cabeças pequeninas e juízos rudimentares, seja o Alfa e Ómega dos dias e da sua espuma). As velhas soluções de ontem, vão por isso servindo cada vez menos para os problemas de hoje (o europeísmo de Ana Gomes, misturado com as visitas a bairros onde residem maioritariamente comunidades ciganas, foi precisamente essa decisão esquizofrénica de, por um lado, deitar vinho velho em garrafas novas e, por outro lado, fazer uma espécie de quadratura do círculo, em que seria popular(ucha) no bairro cigano e cosmopolita na Tv, que é mais, convenhamos, o seu habitat natural - de classe - por todas as razões que aqui me dispenso de enunciar). Não adiantam por isso as lágrimas de crocodilo em torno de um frentismo de esquerda para barrar a extrema-direita, se não se atender primeiro às opções - e essas têm, sido opções de classe - em resultado das quais, as desigualdades gritantes, a falta de esperança e de perspectiva, a ausência de um sentimento de efectiva justiça social, têm provocado o sentimento de desesperança que torna tantos homens e mulheres presas fáceis para o discurso retrógrado, basista e xenófobo, que, em tempos de vacuidade intelectual, social, política e ideológica, está verdadeiramente como peixe na água.

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  7. (Conclusão)
    Será por conseguinte no espaço dos que insistem em agitar a bandeirinha do "socialismo democrático" ou que acabaram de se descobrir, deslumbrados como sociais-democratas (parece que a Marisa Matias afinal é social-democrata, pasme-se, segundo as convictas e orgulhosas palavras da própria), que o trabalho de casa tem que ser feito desde já e com urgência. Assim tenham vontade para isso.

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    1. Muito bom, excelente o que Francisco expõe

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  8. “...candidatos de direita e centro direita terem ganho as eleições e quem perdeu as eleições foram os candidatos de esquerda e extrema-esquerda...”

    Miguel Poiares Maduro disse isto no telejornal da RTP.

    Podem ver a partir do minuto 36
    https://www.rtp.pt/play/p8157/e520263/telejornal

    O pafista Miguel Poiares Maduro vê a "extrema-esquerda" mas não vê a extrema direita!
    Que conveniente...

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  9. Embora concorde, em parte, com o Francisco, gostava de expôr a minha modesta opinião:

    Quando perdermos o medo de ser apelidados de "teóricos da conspiração", talvez comecemos a analizar a política de uma forma mais lógica e realista, ao invés de contribuir para a narrativa global, passando culpas entre os partidos de esquerda, para gáudio dos representantes (direita, claro) do poder económico neo feudal.

    Eu gosto de ter em conta alguns factores:
    O domínio das instituições e,principalmente, dos canais de informação globais pelo poder económico/financeiro, é uma das maiores condicionantes.
    As políticas nacionais são pressionadas por movimentações geoestratégicas das grandes potências que incorporam interesses de multinacionais poderosas. Quando os canais "normais" perdem eficiência pode-se sempre recorrer a operações encobertas de ONGs de financiamento duvidoso (agitação social, manifestações,etc) ou mesmo aos serviços de informação (assassinatos de caracter, escândalos ou mesmo "acidentes" e, quem sabe, "atentados terroristas")
    Os polìticos também estão expostos ao medo.
    O que quero dizer é que só se formos muito inocentes não consideramos os factores externos quando analizamos a política nacional.
    Acham que um governo do partido socialista ( que foi, infelizmente, obrigado a caminhar para o centro por razões de sobrevivência), apoiado pela restante esquerda de uma forma históricamente inaudita, foi do agrado destas forças do poder global? Ainda por cima com resultados positivos nítidos, mesmo dentro das regras por elas impostas?
    Long story short, o Costa tem que recorrer a certos subterfúgios estratégicos para se manter à tona de àgua e conseguir levar alguma ao seu moinho.Não tem outro remédio, ganha uns segundos de oxigénio. Tem que percorrer o caminho das pedras, ou já se esqueceram do que aconteceu ao Varoufakis e ao Syriza?
    Dado que a direita, com a ajuda dos mérdia, está a tentar capitalizar uma vitória com estes resultados, imaginem o que aconteceria se o PS tivesse apoiado um candidato que,certamente, teria perdido?
    A Ana Gomes foi vista como uma pedra no sapato do Costa.Se fosse apoiada pelo PS, não iria beneficiar da mesma condescendência por parte da Comunicação Social, seria esmagada fácilmente e contribuiria para desferir o golpe de misericórdia no governo, facilitando o acesso da direita ao pote, desta vez com o auxílio precioso do partido do Ventas.

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  10. Fica-lhe mal estar agora a queixar-se do voto útil para justificar a derrota de João Ferreira.

    O voto útil, a ter existido, permitiu que um candidato de Extrema-Direita não ficasse em segundo, o que a acontecer teria tido um simbolismo particularmente sinistro.

    Eu votei em Ana Gomes por causa disso.

    E João Ferreira até recebeu uma percentagem maior de votos de eleitores do PS do que Ana Gomes recebeu de eleitores da CDU, muito embora, claro, ela tenha tido o triplo de votos dele.

    Os eleitores numa eleição presidencial não votam necessariamente no candidato ideologicamente mais próximo do Partido em que votam habitualmente.

    E se calhar também não gostam particularmente que haja candidatos que só servem para dar tempo de antena ao Partido a que pertencem. A função presidencial deve estar acima das agendas partidárias.

    João Ferreira e Marisa Matias perderam clamorosamente porque fizeram ambos uma campanha fraca e repetitiva.

    Custa em particular ver Graça Franco a pôr Ferreira a balbuciar porque não consegue dizer a palavra ditadura em relação a regimes como a Venezuela ou a Correia do Norte.

    Enquanto o PCP não se livrar da tralha marxista-leninista e começar a chamar os bois pelos nomes em relação aos seus amigos pouco recomendáveis, o seu projecto soberanista é uma anedota nos seus próprios termos.

    De que soberania gozam os venezuelanos, os norte-coreanos ou os chineses, uigures em particular? Não admira pois que Ventura tenha conseguido calar João Ferreira...

    E o João Rodrigues persiste na ilusão de que de alguma maneira os votantes do PS se deixam atrair por populismos de Esquerda. Não, não alinhamos nisso. E, mau grado todos os defeitos da UE, é pior do que você pensa, nós acreditamos mesmo no projecto europeu.

    Gomes teve um resultado fraco porque transformou a sua campanha numa disputa interna do PS (?!). E depois, saiu-se com insinuações disparatadas, como quando deixou cair no debate com Marcelo que este era amigo de Ricardo Salgado. Pois é, e depois? Isso faz dele um criminoso? Se Gomes dispõe de provas concretas de que Marcelo favoreceu Salgado ou o BES de alguma forma, que as apresente. Put up or shut up...

    É uma pena que uma mulher corajosa e com uma longa carreira de serviço público como Gomes alinhe no populismo, ainda por cima um populismo inconsequente...

    Numa coisa porém concordamos. Costa ainda se vai arrepender do apoio dado a MRS... E a democracia perdeu com a ausência de polarização Esquerda-Direita, o que abriu espaço a Ventura...

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  11. Jaime Santos a querer que todos se vendam em prol da vidinha sossegada dos que se amesendaram à mesa do neoliberalismo triunfante

    Ó JS nem todos traem os seus ideais

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  12. "Put up or shut up..." é a versão JS de "porque no te calas"

    Eis a anedota de JS nos seus próprios termos, repetindo na sua linguagem de cultor da voz do dono, algo que Juan Carlos disse em espanhol, dirigindo-se a Chavez

    O simbolismo da coisa é real. E confessemos que não é nada simpático para JS

    JS que ainda consegue ir mais longe e subscrever o "calar" de Ventura a João Ferreira, naquele espectáculo que revelou aquele conluio entre a TVI e a voz fascista de Ventura


    JS quer que se chame o nome aos bois. Ainda não reparou que é isto que acontece por aqui?

    Ou será que tal já aconteceu e é por isso que nos brinda com tais mediocridades ideologicamente enfeudadas ao "projecto"?

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