Vejo demasiados intelectuais de esquerda a usar expressões equivocadas e produto de uma amnésia histórica. A minha favorita é democracia liberal, ou seja, democracia limitada pelo poder capitalista.
Os liberais no longo século XIX não eram propriamente democratas e no breve século XX só o foram relutantemente. Há muito que o neoliberalismo, filho dessa tradição liberal, mina deliberadamente a democracia. Os liberais que quiseram ser democratas tiveram de acabar por se transformar em social-democratas ou mesmo em socialistas num outro contexto histórico, em que o pêndulo oscilava para o nosso lado, graças ao espectro da revolução. A nossa constituição original superou o liberalismo e o essencial do que ainda lá está de válido corresponde a essa superação democrática.
Também vejo demasiados intelectuais, orgânicos e tradicionais, que tinham obrigação de se declarar socialistas ou comunistas, a declararem-se social-democratas, levando assim o pêndulo para a direita, ainda que o façam de forma não intencional. Enfim, às vezes apetece fazer como Jean-Claude Michéa e mandar a noção de esquerda às malvas, regressando, por exemplo, a termos típicos da boa tradição antifascista, a uma noção de comunidade nacional socialmente enraizada, ancorada na moralidade da gente comum, a um tipo de fronteira do antagonismo que nos deu tantas vitórias. Não se regressa exactamente da mesma forma a um sítio onde já se triunfou, bem sei.
Bom, tudo isto mostra nos decisivos campo das palavras e das coisas como o pêndulo continua a ir para a direita, ao contrário das aparências complacentes. É assim por cá pelo menos desde 1984. É como se o protocavaquista clube da esquerda liberal dos funestos anos oitenta nunca tivesse acabado.
Uma das razões para esta deslocação para a direita está relacionada com o fenómeno das preferências adaptativas, já aqui identificado, num país progressivamente sem instrumentos de política e onde assim se perde o músculo ideológico que vem do seu exercício na prática e dos combates consequentes pelo seu controlo. Continua tudo a decidir-se no poder de Estado.
De resto, sem uma classe trabalhadora forte e organizada, condição para a emancipação social e nacional, muita intelectualidade progressista anda sempre meio perdida, sobretudo as suas camadas superiores. Não é defeito, é feitio de classe. É verdade que a desgraçada proletarização em curso pode pelo menos contribuir para isolar politicamente as camadas superiores, hoje imprestáveis com honrosas excepções, radicalizando, mas nada é certo, ao contrário de visões mecanicistas da história. É preciso organização e devo dizer que vejo, espero estar a ver mal, a juventude universitária muito abandonada politicamente.
Lembrem-se que nesta periferia ainda é tudo ideologicamente pior, dado o efeito de cooptação num espaço público hegemonizado pelos europeístas de quase todos os partidos, como confirmam indirectamente os dados disponíveis sobre o espaço das direitas.
Sim, Cavaco nunca cessou de vencer. Só enfrentando com realismo este estado de coisas, é possível começar a mudar os termos da paisagem ideológica. Mais realismo radical, por favor.
Distopia cosmopolita: o porquê do Império precisar do esquerdismo imbecil
ResponderEliminarhttps://braveneweurope.com/james-foley-cosmopolitan-dystopia-why-empire-needs-fatuous-leftism
Este texto aborda como uma certa “intelectualidade” dita de esquerda abraçou o cosmopolitismo e é hoje utilizada pelo império para justificar intervenções militares “humanitárias” e para reprimir quem vive do trabalho.
Rui Tavares devia ler este texto, duvido que goste, provavelmente até vai dizer que foi o Putin que o financiou.
Infelizmente, vês bem. Os intelectuais orgânicos que tinham obrigação de mobilizar e politizar essas camadas, desistiram. Uns, os incumbentes, por medo da contaminação das ideologias ambientes, outros, a nova esquerda, por não terem ideologia para vertebrar esse trabalho. O preço, estamos todos pagá-lo, mais será mais evidente à medida que as novas gerações entram no mundo político e social. E sim, colocar a social-democracia como horizonte teórico (e prático?) é um falhanço ao futuro.
ResponderEliminarMas agora democracia liberal é democracia limitada pelo poder capitalista, que é como quem diz liberalismo e capitalismo são a mesma coisa? Isso parece-me demagogia ou muita falta de cultura política (ou vá, limitada a um campo).
ResponderEliminarUsar a história para dizer que o liberalismo é igual a capitalismo, porque foi sempre assim que aconteceu, é o mesmo que dizer que comunismo é o mesmo que estalinismo... O argumento (deficiente, diga-se) é o mesmo. O que não espanta, porque o Rousseau também tem, tragicamente, tiradas desse género, que parecem profundas, mas são apenas non sequitur.
Ou estará João Rodrigues mais preocupado em fazer a equivalência para não haver mais opções no meio e parar a sangria dos mais próximos do seu campo?
Portanto vejam bem, intelectuais de esquerda. Social-democracia é liberaismo, que não passa de capacho do capitalismo.
O outro clamava que era o fim da história. Afinal é só o fim da nuance. Isso torna tudo mais fácil, errado e perigoso.
PSG
Ora bem.
ResponderEliminarUm texto importante de João Rodrigues.Um texto importante porque revisita algumas questões fundamentais. E sublinho e repito tal importância
O neoliberalismo que mina deliberadamente a democracia. A nossa constituição original que superou o liberalismo e o essencial do que ainda lá está de válido. Intelectuais, orgânicos e tradicionais, que tinham obrigação de se declarar socialistas ou comunistas, a declararem-se social-democratas. Mandar a definição de esquerda às malvas e voltar como que atrás, definindo-se velhas/novas fronteiras para barricadas
E o pêndulo a inclinar-se para a direita. E o cavaquismo a perpetuar-se, desde os tempos em que ainda parecia não o ser. E as pessoas carenciadas que tendem a acomodar-se às suas privações por causa da mera necessidade de sobrevivência.E a perda do músculo ideológico
E a imprescindibilidade duma classe trabalhadora forte e organizada, condição para a emancipação social e nacional. E a condição de classe. E a necessidade de organizar,de organizar , de organizar sempre
E um espaço público hegemonizado pelos europeístas de quase todos os partidos
E a necessidade de encarar com um realismo manifestamente radical todo este estado de coisas.
Porque só quem não luta é que tem a derrota assegurada
A democracia liberal enquanto manifestação concreta de mecanismos plebiscitários absolutamente desvinculados das relações profundas e poder, é tema que está teorizado com abundância e gáudio nalguns casos. Vai de Von Mises a Hayek ou, mais recentemente, a Bertrand Russel, ou N. Luhman. Por conseguinte e ao contrário do que pensa o anónimo das 23:18, o assunto não é de facto tão linear quanto se lhe oferece.
ResponderEliminarMas voltando ao verbo, Juan Torres Lopes https://www.resistir.info/espanha/esquerdas_conservadoras_19dez20.html), sublinha o carácter dramaticamente conservador de uma certa esquerda (ou esquerdinha), quer quando é de causas, quer quando apenas sonha vestir Armani, e de como isso tem atrasado tudo o que é urgente, necessário e inevitável. Talvez vá mesmo sendo tempo de pensarmos no assunto como gente crescida, sob pena de o Mundo desabar cada vez com maior estrondo sobre a nossa cabeça.
Sempre a social-democracia foi o inimigo principal da estatização comunista.
ResponderEliminarTudo que pressupõe liberdade é liberalismo para os orgânicos do homem-novo que mais não é que o escravo da organização.
O Jose novamente a fazer de conta que há neoliberalismo sem poder musculado do estado a garantir regras aos incumbentes. Percebe-se, é pago para achar o contrário.
ResponderEliminarJose resolve voltar a inovar os seus pergaminhos ideológico-filosóficos.
ResponderEliminarHá dias esbracejava considerando que a social-democracia " é sobretudo o abrigo de covardes em que uns se temem de que os denominem de direita, como se esta fosse necessariamente não social e não democrática, outros se temem de ser designados de comunas e por tal totalitários."
Bom , deixando de lado a piada pesada de jose ter andado a beber naquela área mão social e não democrática conhecida por "estado novo", agora jose muda de ramo.
Parece que o abrigo de covardes é o "principal inimigo da estatização"
Já vimos troca-tintas a trocarem as suas tintas de forma bem mais lenta que jose. Anda com a graxa na mão e o disparate na boca
(Ainda irá sair um dicionariozinho com estas pérolas:
"Tudo que pressupõe liberdade é liberalismo para os orgânicos do homem-novo ...
Quem fala asim não é gago. Este elogiava há anos a liberdade da pide assim deste jeito:
"Não duvido que ( os pides) trinchassem um treteiro badalhoco de vez em quando, que a higiene pública também é defesa do Estado"
É o que se chama o liberalismo dum admirador da pide a pugnar pela "liberdade" orgânica do fascismo
E como soi dizer-se um verdadeiro escravo da sua organização.
Nada a fazer...
ResponderEliminarO LdB dá rédea solta a um comentador/ ditorcedor de comentários, uma espécie de cão-de-porta a ladrar aos passantes.
"ditorcedor de comentários"?
ResponderEliminarPela enésima vez voltamos a repetir.
Todos os comentários citados como da lavra de jose, são mesmo de jose. Ipsis verbis. Que ele não tenha a coragem de manter o que afirma é coisa de cobarde. Que ele tente apagar o que disse, é coisa de carácter. Que ele queira modificar o que disse por necessidade política é coisa de propagandista a la page. Que ele fique incomodado com o desnudar do seu caminhar de "passante" é coisa de mal resolvido:
-(A social-democracia) " é sobretudo o abrigo de covardes em que uns se temem de que os denominem de direita, como se esta fosse necessariamente não social e não democrática, outros se temem de ser designados de comunas e por tal totalitários."
https://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2020/12/cavaquices.html
20 DE DEZEMBRO DE 2020 ÀS 13:00
- (A social-democracia é o) "principal inimigo da estatização"
https://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2020/12/notas-sobre-triunfos-das-cavaquices.html
23 de dezembro de 2020 às 12:04
- "Não duvido que ( os pides) trinchassem um treteiro badalhoco de vez em quando, que a higiene pública também é defesa do Estado"
http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2016/05/a-importancia-da-palavra-radical.html
7 DE MAIO DE 2016 ÀS 01:56
-"Às bestas serve-se a força bruta se forem insensíveis a outros meios" ( a quem não obedecia aos preceitos austeritários)
http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2014/12/se-te-mexes-morres.html
20 DE DEZEMBRO DE 2014 ÀS 11:26
Uos...essa citação não foi citada neste post...
Mas contribui para colocar no seu devido sítio a frase dum jose que diz que "Tudo que pressupõe liberdade é liberalismo para os orgânicos do homem-novo que mais não é que o escravo da organização."
Pelo que se repete:
"É o que se chama o liberalismo dum admirador da pide a pugnar pela "liberdade" orgânica do fascismo
E como soi dizer-se um verdadeiro escravo da sua organização".
Se juntarmos o SPD alemão à questão então o debate ainda fica mais apetitoso. E mais ainda se Liberal vier de terras americanas. Esta meta discussão política nunca irá a lado nenhum se não se delimitar bem o espaço geográfico, as forças políticas, o seu ideário e a sua prática. Comparações feitas entre diferentes tradições políticas desajustadas do contexto sócio-cultural em que se inserem será sempre um mau contributo. Depois há ainda a língua em que cada batalha se travou e trava.
ResponderEliminarPara Sandro o debate é apetitoso e ê uma meta discussão E um mau contributo
EliminarCompreende-se. O que se faz quando se denunciam cavaquices laranjas. Ainda virão falar na tal derivada?
Nem tudo o que é Liberal morde e muitas vezes a discussão descarrila devido a más traduções. Veja-se este exemplo sobre o "politicamente correcto".
ResponderEliminar"The right had been waging a campaign against liberal academics for more than a decade. Starting in the mid-1970s, a handful of conservative donors had funded the creation of dozens of new think tanks and “training institutes” offering programmes in everything from “leadership” to broadcast journalism to direct-mail fundraising. They had endowed fellowships for conservative graduate students, postdoctoral positions and professorships at prestigious universities. Their stated goal was to challenge what they saw as the dominance of liberalism and attack left-leaning tendencies within the academy."
https://www.theguardian.com/us-news/2016/nov/30/political-correctness-how-the-right-invented-phantom-enemy-donald-trump
Um bom esforço. Mas um neoliberal reconhecer-se até pela literatura atrasada a ver se passa
ResponderEliminarO apetitoso e a meta-discussão agora em versão guardian.
"Não deixem os actuais “liberais” apropriarem-se da palavra “liberdade”"
ResponderEliminar(Pacheco Pereira, in Público, 06/02/2021)
Falhou o Pacheco Pereira ao não reconhecer a ideologia Marxista na génese do SPD alemão.
https://estatuadesal.com/2021/02/06/nao-deixem-os-actuais-liberais-apropriarem-se-da-palavra-liberdade/?fbclid=IwAR0R5mJEVFTwBx0G987wAobWVrciNFmLWkN74KxrxDOsrC_wxTNIPl0nt5w