terça-feira, 6 de outubro de 2020

Velho hálito

Notícia do jornal Público sobre o novo livro de Cavaco Silva

Passaram quase 40 anos desde que Cavaco Silva andou a conspirar no interior do PSD para derrubar Pinto Balsemão e apresentar-se no Congresso da Figueira da Foz em 1984 como salvador do seu partido.  

Ele que fora - com Sá Carneiro - um dos responsáveis da crise financeira que trouxera o FMI a Portugal em 1982/84; ele que, por causa disso, nem se apresentou nas reuniões com o FMI - deixando Teodora Cardoso a representar o Banco de Portugal; ele que sempre defendeu a terapia de austeridade do FMI que tanta pobreza provocou então; mal se apanhou à frente do PSD, sibilamente rompeu com o Bloco Central quando a economia começava a retomar, de forma a que o PSD pudesse apresentar-se às eleições a capitalizar o descontentamento popular. E foi assim que ganhou as eleições de 1985. 

Os seus mandatos de 1987 a 1991 representaram a aplicação em Portugal de um ideário neoliberal, fortemente colado aos maiores interesses económicos do país. A coberto da criação de fortes grupos nacionais, desarmou o Estado, reprivatizou os principais sectores económicos - a começar pela banca e seguros -, abriu a economia, aplicou uma política de valorização monetario-cambial, sem cuidar do desenvolvimento estratégico do país, que redundou numa venda a prazo dos activos nacionais a interesses estrangeiros. Para esse fim, tudo fez para colocar o mundo do Trabalho como variável de ajustamento dessa nova terapia económica, o que levou a uma subida crónica do desemprego e, por isso, uma degradação dos rendimentos do trabalho e da desigualdade social. E a criação do IRS é um símbolo disso.

Ao arrepio da intenção inicial, o IRS nunca foi um imposto único sobre o rendimento. Na verdade, é a cara da desigualdade ao tributar diferentemente os diversos tipos de rendimentos e em que os rendimentos do capital são beneficiados.  

A valorização da concertação económica - num formato em tudo semelhante a um neo-corporativismo requentado - foi a forma de desvalorizar e condicionar a actividade parlamentar, através de uma nova câmara de ressonância, em que os interesses empresariais, com uma UGT sempre fortemente condicionada politicamente, sempre estiveram em maioria, independentemente da distribuição política dos deputados.  

Mas tal como sonsamente sempre disse não ser um político, mas um mero técnico, sempre achou que este seu programa económico nunca foi "de esquerda nem de direita" ou que essa é uma "velha divisão totalmente ultrapassada". Nada mais velho e podre, pois, do que a histórica hipocrisia ou insensilidade social de que certas ideias transmitidas pelas classes no poder não promovem desigualdade e transferência de rendimento de umas classes para outras. É o hálito velho da História.  

 

9 comentários:

  1. De facto é bom lembrar esses tempos de invenção da proto-austeridade, num contexto que abriu caminho à recente intromissão da troika.
    E é bom recordar o papel neoliberal das teorias de Cavaco, agora um sonso que publica livros de reescrita da sua história.

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  2. «sem cuidar do desenvolvimento estratégico do país»
    Haveria de saber-se o que isso seria, em oposição ao que foi feito; se é o Estado a monopolizar banca e seguros, haverá de dizer-se que implicava não aderir à UE.

    ‘…os diversos tipos de rendimentos e em que os rendimentos do capital são beneficiados’ – suponho que por capital se refere àquela parte do rendimento tributado que, não sendo gasto em consumo, é aplicado e gera um rendimento.

    "velha divisão totalmente ultrapassada" – um claro disparate que o aqui postado desmente e que só pode ser avançado por utopistas do ‘maior bem comum’.

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  3. Utopistas?
    Em contraponto aos predadores dos maiores bens públicos? A somar às riquezas privadas dos porno-ricos que Jose defende?

    Os disparates e mais além de José continuam

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  4. Ó não, não se aderia à austeridade permanente, desemprego elevado, corrupção à base de Bruxelas, e descontrolo de capitais. Q'horror!

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  5. Completamente de acordo com o que HFR diz

    Embora ache que Cavaco vai muito para lá de sonso. Um tipo conhecido na gíria como "múmia paralítica", a tentar reescrever a História e a sua própria estória. Com a benção da comunicação social da ordem e dos sequazes que lhe andaram a engraxar as botas.

    Mete nojo e asco.

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  6. João Ramos de Almeida faz um bom retrato de Cavaco e do cavaquismo

    Tão bom que assistimos jose vir tentar vender-nos um TINA a posteriori.

    Cavaco a" coberto da criação de fortes grupos nacionais, desarmou o Estado, reprivatizou os principais sectores económicos - a começar pela banca e seguros -, abriu a economia, aplicou uma política de valorização monetario-cambial, sem cuidar do desenvolvimento estratégico do país, que redundou numa venda a prazo dos activos nacionais a interesses estrangeiros"

    Qual a leitura que faz o pobre cavaquista jose?
    "Haveria de saber-se o que isso seria, em oposição ao que foi feito"

    Haveria, haveria. Abrir o livro e fazer exactamente o contrário do que o medíocre traste fez.

    Não é difícil, mesmo para jose. Embora ver um TINA escudado na idiotice da não adesão à UE, pareça corroborar a decadência argumentativa em defesa do gabiru emplumado retratado

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  7. Mas jose continua na sua tentativa de branquear um invertebrado personagem, um hipócrita rancoroso e um dos responsáveis pela situação a que chegámos.

    Vejamos até onde vai o descaramento.
    Diz jose:
    "‘…os diversos tipos de rendimentos e em que os rendimentos do capital são beneficiados’ – suponho que por capital se refere àquela parte do rendimento tributado que, não sendo gasto em consumo, é aplicado e gera um rendimento."

    Não é uma delícia? De como jose,como num passe de mágica,rasura o que se diz e, pelo contrário, se põe neste faduncho lacrimejante pelo tadinho do capital, contrariando mais uma vez a sua tese dos coitadinhos?

    Vamos ouvir Cavaco Silva himself. Na primeira pessoa:

    "‘O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, José de Oliveira Costa, pessoa com uma enorme capacidade de trabalho, muito determinado e exigente, mas também um pouco teimoso, foi o membro do Governo a quem coube o comando dos trabalhos preparatórios da reforma fiscal. Várias vezes o chamei ao meu gabinete para discutir os documentos preparados pela Comissão da Reforma Fiscal, presidida por Paulo Pitta e Cunha, professor da Faculdade de Direito de Lisboa, que tinha sido criada em Julho de 1984, antes da minha nomeação para primeiro-ministro. (…) Os membros da Comissão nunca devem ter apreciado a pressão que fazia sobre eles o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Eu apercebi-me a certo momento de que havia um pequeno choque entre o espírito académico do presidente da Comissão e a visão prática e a pressa de fazer do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. (…) É de toda a justiça reconhecer que sem o empenho inteligente e algo teimoso de Oliveira Costa – como chegou a afirmar o Professor Pitta e Cunha – não teria ido possível cumprir as metas estabelecidas.’"

    Oliveira e Costa elogiado na Autobiografia Política II de Cavaco Silva [pp. 47-50]

    Sabem quem foi Oliveira e Costa, não sabem?

    Oliveira e Costa era pródigo. Enquanto foi secretário de Estado dos Assuntos Fiscais concedeu vultuosos perdões fiscais a empresas da zona de Aveiro, onde liderava o núcleo do PSD, que, na altura, tinha como secretário-geral Manuel Dias Loureiro, com naturais comissões para o partido e outros bolsos, como foi explanada na investigação de “Aveiro connection”, que as autoridades batizaram “Águas turvas”. Só à Cerâmica Campos concedeu um perdão de 2,5 milhões de euros.

    Segundo o Público criou ao lado do BPN um banco virtual, em Cabo Verde e em praças offshores, para onde despachava os “buracos” da má gestão, e Dias Loureiro, que disse em julgamento ter confiado sempre em Oliveira e Costa, foi o pivô da compra de empresas em Porto Rico, ocultada às autoridades, que provocaram um prejuízo de 30 milhões de euros para o grupo.

    “A promiscuidade entre o banco e os interesses dos acionistas tornou o grupo SLN/BPN um polo de atracão de negócios obscuros e tentaculares”, diz o Público. Só assim se compreendem transações de ações, não cotadas em Bolsa, sem se saberem os critérios por que eram avaliadas.

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  8. Jose tenta branquear o encardido. O que é abjecto. O que é inadmissível

    Retomemos a Históra de Cavaco, de Jose Oliveira e Costa. Retomemos a história dos trafulhas do Capital. Sob a pena de JM Correia Pinto.

    É bom lembrar o velho hálito de cavaco. Para impedir estas tentativas de reescrita da história

    "Sabe-se que Cavaco Silva comprou por um preço reservado ao presidente da SLN e a mais três empresas por ele dominadas (1 euro) acções provenientes de um aumento de capital que deveriam ter sido pagas ao preço estabelecido para os “compradores convidados” (novos accionistas) - 2,2 euros!
    É até muito provável que o preço estabelecido para Oliveira Costa e “suas” três empresas já seja em si uma ilegalidade. Agora, o que não há dúvida é que essa ilegalidade é indiscutível quando esse mesmo preço é estabelecido, contra as deliberações da AG, para um terceiro, que nem accionista era. É bom que se perceba que Cavaco beneficiou de um regime de compra a que nem sequer Dias Loureiro teve acesso…
    Em termos simples pode dizer-se que Oliveira e Costa ofereceu a Cavaco Silva e família 1,2 euros por acção. A que propósito se dá uma “prenda” destas a alguém? Como explica Cavaco Silva que um seu ex-secretário de Estado, aliás, muito contestado por incompreensíveis perdões fiscais que concedeu, lhe tenha proporcionado semelhante benefício?
    Não há, portanto, dúvida de que houve um favor. E para se ter a certeza de que esse favor não foi completo, Cavaco deveria demonstrar que pagou as acções, porque quem oferece 1,2 euros também pode oferecer 2,2.
    A direita unida à volta deste caso começou por invocar a honestidade de Cavaco como uma espécie de infalibilidade papal para afastar qualquer tipo de suspeita, quando o problema era muito mais comezinho: tratava-se apenas de perceber se houve ou não um favor, político ou pessoal, e que explicações racionais poderiam ser aduzidas para afastar aquela suspeita.
    É claro que desde a primeira hora se percebeu que o negócio não era claro: nem em si, nem pelas pessoas com quem foi feito.
    Que Cavaco em situações de aperto fica emocionalmente descontrolado já se sabia: viu-se no modo primário como lidou com a intentona das escutas, mas viu-se também agora: acossado pela situação do BPN, Cavaco só encontrou como resposta um ataque à actual administração do BPN, culpando-a da situação em que o banco agora se encontra. Ao meter-se na “boca do lobo” – como pode fazer tal crítica uma pessoa que nunca dirigiu a menor censura à criminosa gestão anterior? –, Cavaco demonstrou mais uma vez que não está à altura das situações difíceis. De facto, esta sua lamentável actuação, independentemente dos juízos de valor que se façam relativamente ao facto em si, demonstra as fragilidades de Cavaco como governante, principalmente em situações de crise.
    Para o resto da direita, nomeadamente para o CDS – tão activo na defesa de Cavaco – a responsabilidade por tudo isto continua a ser do “polícia”. Dos ladrões o CDS só fala quando são pequenos. Quando se trata de ladroagem da grande – BPN, submarinos, helicópteros, sobreiros, etc. -, o CDS cala-se e arranja coisinhas pequenas para distrair as atenções: uma carteira roubada por esticão, mais uma historieta de Teresa Caeiro e por aí se fica, embora muito estridentemente.
    Só que desta vez a coisa está feia: houve mesmo favor!"

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