quinta-feira, 2 de julho de 2020

Facetas


Já que se comemoram os 100 anos do nascimento da fadista Amália Rodrigues, tão aproveitada e que se deixou aproveitar pelo regime salazarista, convinha igualmente lembrar as outras suas facetas. Aqui fica o fado de Peniche, com música de Alaín Oulman e escrito por David Mourão Ferreira em homenagem aos presos políticos do regime fascista, tanto desterrados para Tarrafal, como para o Depósito de Presos de Caxias e de Peniche - conhecido pelo Fado de Peniche.

Claro que Amália tinha a sua visão e as suas palavras entroncam, sem saber, em muitas discussões estéticas, embora não entendendo que o amor se pode enlaçar de tantas formas e facetas, todas cantadas com a mesma esperança de eternidade e completude, emanadas do mesmo caldo apaixonado, que se torna difícil destrinçá-las pelas estrias dos nervos. Pelo menos, era assim naquele tempo para algumas pessoas. Vidas interrompidas pela força policial, separadas, mesmo proibindo casais de se corresponderem, por escrito, à distância, apesar da censura.

Mas é verdadeiro o seu pensamento: "As coisas quando têm força são sentidas pelas pessoas todas". Ou melhor: "As coisas quando têm força" - e são sinceras - "são sentidas pelas pessoas todas", nas suas diversas facetas:
«Não sei se canto aquilo que o autor quer, mas o que entendo chega-me para cantar. As coisas quando têm força são sentidas pelas pessoas todas. Só uns versos muito complicados, a quererem dizer coisas que não chegam a dizer, é que ninguém entende. Sempre achei o Abandono, do David Mourão-Ferreira, um fado de amor. Nunca pensei em Peniche. E um fado de tal maneira bem feito, com palavras tão bonitas, com tanto peso, que não quer dizer que o não tivesse cantado sabendo a sua intenção. E talvez até o tivesse cantado com um ar tão revolucionário que não daria aquele resultado. Teria saído pior. O disco chegou a estar proibido por causa do Abandono. Depois é que o soltaram. Mas quando o cantei, aquilo era uma tristeza de amor, que é um sentimento muito mais bonito e muito mais dorido que uma ideia revolucionária. Era o amor de uma pessoa que foi com outra. Não me passavam pela cabeça prisões. É um fado que, ainda hoje, toda a gente gosta dele. E cada pessoa o sentiu à sua maneira. Um revolucionário pensou que era de Peniche, mas a maior parte de Portugal, que não é privilegiada, que não estava alertada, que é como eu, pensou no amor. Assim, chegou a toda a gente. A partir deste primeiro disco, o Alain foi sempre muito importante para mim.»
Vítor Pavão dos Santos, Amália. Uma Biografia, 2.ª edição, Lisboa, Editorial Presença, 2005, p. 139.
Fica também a versão Camané:


2 comentários:

  1. Como dizia o outro "Não se podem desperdiçar as oportunidades que uma crise oferece".
    Em 1889, a bancarrota foi uma oportunidade para derrubar a monarquia e para instaurar a ditadura.
    Ditadura essa que viveu da austeridade imposta a quase todos, para que alguns oligarcas pudessem acumular riqueza (como o escudo valia pouco, a riqueza traduzia-se, principalmente, em propriedades e imobilário).
    Passados quase 50 anos do fim da austeridade, cá estamos nós de novo em modo austeridade e com os mesmos agiotas de 1889.
    Somos como as Danaides: condenadas a encher com água um vaso furado.

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  2. Desculpem, mas esta "coisa" das 15 e 47 é um "comentário"?

    Isto é uma miséria tão miseravelmente idiota que se deve pensar que nasceu dalgum émulo daquele ministro holandês.

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