A fazer fé na maioria dos títulos de notícias sobre o recente estudo da ENSP, os portugueses gostam do teletrabalho, impulsionado pela crise pandémica e adotado em diversos setores de atividade. Uma das exceções (talvez a única) é a notícia do Público, que acrescenta uma referência, nas «gordas», à dificuldade de «equilíbrio com a vida pessoal».
Está porém longe de ser esta a conclusão do estudo da ENSP e, até, do corpo das notícias com estas parangonas e que, naturalmente, reportam os seus resultados. Entre os inquiridos (um universo limitado às pessoas em teletrabalho), cerca de 63% dizem-se insatisfeitos no que respeita à conciliação do teletrabalho com a vida pessoal, 59% consideram estar a trabalhar mais horas que o habitual e 42% reconhecem não conseguir desligar do trabalho para descansar.
Nas condições de trabalho, entre outros dados, 45% não tiveram qualquer apoio ou equipamento da entidade patronal para trabalhar à distancia e 95% não contaram com nenhuma comparticipação dos gastos acrescidos em internet. Questionados sobre se, no regresso à normalidade, gostariam que o teletrabalho fizesse parte da sua atividade profissional, 59% dos inquiridos respondem que apenas a tempo parcial e 22% apenas de forma esporádica. O que obriga a relativizar, evidentemente, a propalada ideia de que «os portugueses estão satisfeitos com o teletrabalho».
É claro que para os deslumbrados da inovação-porque-sim e da uberização da vida, a par dos que vêem as crises sistematicamente como um mero banquete de oportunidades (para já nem falar da contabilidade mesquinha e estúpida, que vê no teletrabalho a redução de gastos das empresas em luz, água, etc.), estes títulos caem como sopa no mel. E é por isso que é preciso refletir sobre as implicações que uma mudança desta natureza comporta, com perdas relevantes nas dimensões relacionais e de organização da vida, acautelando desde logo tudo o que é necessário ao nível da regulamentação do trabalho à distância. Em contrário, o «avanço» irrefletido para «novos paradigmas» não é compatível com discursos sobre a conciliação entre a vida profissional e familiar, o empenho no combate à precariedade ou o ensejo de criar perspetivas de futuro para os jovens e de inverter o declínio demográfico.
Gosto em particular dos «gastos acrescidos em internet» sem que os custos diminuídos em transportes e mais, sejam referidos.
ResponderEliminarQuanto ao mais, seguramente o teletrabalho não é medida universal e plenamente satisfatória, mas o seu uso adaptado pode vir a resolver uma infinidade de problemas, assim o 'estudo do trabalho' perca a conotação negativa que a exploração-porque-sim coloca à inovação nas relações laborais.
José, José, o teletrabalho em rigor poupa muita coisa, mas não poupa a chatice de ter que lidar com a euforia bacoca dos adeptos do teletrabalho-porque-sim. Mas, como sou adepto do rigor-porque-sim estou de acordo com o autor do texto que critica a interpretação dos dados do estudo, completamente "martelada" nos media. Exploração-porque-sim tem alguma razão de ser: O teletrabalho não foi opção, foi obrigação e bem. Agora, se vamos falar de teletrabalho por opção é bom ter em atenção as condições e a salvaguardar dos direitos. Embora admita que alguns dos eufóricos defensores do teletrabalho-porque-sim considerem que a questão dos direitos é secundária e que pode ser trocada pela poupança nos transportes.
ResponderEliminarIndependentemente de concordar que tem existir regulamentação para o teletrabalho de modo a evitar abusos, a interpretação dada pelo autor a estes estudos é tão enviesada como a da comunicação social. Salta a vista logo a questão do aumento de custos com a internet. Quantas das pessoas que dizem que não tiveram apoio (e realmente não tiveram) teve aumento de custos? A maioria das famílias têm pacotes de telecomunicações que já inclui internet fixa ilimitada. Estar a trabalhar em casa e consumir mais, tem zero impacto na fatura (poderá ter na da luz, mas isso "são outros 500" e como foi dito em comentário anterior, a poupança em transporte não será igual ou maior em maioria dos casos?). Então o apoio dado para esse efeito que esperavam era qual?
ResponderEliminarO
ponto é a dificuldade de conciliação com vida pessoal/familiar. Num contexto em que têm filhos em casa, com tele-escola, obviamente é mais complicado conciliar. Num contexto pos-covid, em grande parte, essa situação deixa de se aplicar. Se é o facto de estar em cada que dá preguiça, já vai so profissionalismo de cada um.
Falando no meu caso pessoal (e não generalizando porque cada caso é um caso), poupo o dinheiro de dois passes (80€). O aumento de eletricidade não é garantidamente nesse montante ao fim do mês, por ter dois computadores ligados. Deixo de passar 2h30min em viagens de transportes públicos, que são aproveitadas para estar com a minha família. Passo muito mais tempo com os meus filhos (não contabilizando sequer o tempo que estou a trabalhar). Tenho mais tempo para mim. Tenho refeições com muito maior qualidade, mais saudáveis e quentes, em vez de resquentadas num microondas usado 50 vezes por dia que já mal aquece. Curiosamente até produzo mais, na mesma quantidade de tempo, e bem mais motivado. Em resumo, tenho muito mais qualidade de vida. E só para esclarecer, a minha empresa não é propriamente conhecida por se preocupar muito com isso (pelo menos até agora e vamos ver como vai ser daqui para a frente).
Até para o meio ambiente é melhor. Menos carros nas estradas, diminuição da hora de ponta, o que faz com que haja menos poluícao.
Embora admitindo que para algumas pessoas possa não ser fácil, vejo muito mais vantagens no teletrabalho (sempre que possível) do que na ausência dele. Agora claro, é preciso ser regulamentado para não haver abusos.
Este relatório foi desenvolvido numa situação atípica, onde os pais estão em casa com os miúdos. Quem não tem miúdos ficou obrigado a ficar em casa. Digamos que as condições são naturalmente a muito desagrado por este modelo.
ResponderEliminarEu já trabalho em modo remoto há mais de 4 anos. Trabalhava em Lisboa e ao mudar de cidade, migrando para uma vila a 140Km de Lisboa, passei a trabalhar remotamente indo alguns dias (2) a Lisboa. Antes da Pandemia já ia a Lisboa 1 vez por semana.
Considero que o teletrabalho pode ser muito interessante para migrar pessoas que trabalham nas grandes cidades e que por algum motivo querem regressar(por serem naturais dessa zona), ou ir para zonas mais calmas (nomeadamente o interior) tendo uma melhor qualidade de vida e acima de tudo dar aos filhos um ritmo de vida longe do alucinante.
Obviamente que o teletrabalho não é possível em todos os trabalhos, mas diria que já há muito trabalho feito nas empresas que pode ser feito remotamente.
As pessoas gostam do tele trabalho porque os patrões são a coisa mais odiável que há e depois os transportes, a chuva e o vento...JCM
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