quinta-feira, 28 de maio de 2020
Fins
Confirma-se que é hoje mais fácil pensar o fim da esquerda neste continente do que o fim da UE, do que o fim desta forma de império liberal. A esquerda dominante continua a querer salvar um arranjo que para todos os efeitos a destruiu como força de mudança. Porquê?
Talvez uma resposta indirecta possa passar por atentar num dos traços centrais de uma parte fundamental da chamada esquerda: o seu desligamento das classes populares, a colonização dos partidos, da sua base ao topo, pelos sectores profissionais ditos instruídos de classe média e alta. Thomas Piketty chamou-lhe esquerda brâmane num estudo socioeconómico sobre este assunto político-eleitoral para alguns países do centro, sendo que este não é um fenómeno exclusivamente europeu.
Este padrão de classe reflete-se não só na sua encolhida base eleitoral, mas também nos hábitos intelectuais prevalecentes, de que as apostas supranacionais do mesmo Piketty são, já agora, um exemplo flagrante, apesar de diagnósticos muito úteis sobre as desigualdades cada vez mais cavadas. O globalismo, quer em versão neoliberal progressista, quer em versão social-democrata dita radical, mas na realidade bem superficial, continua a ser o horizonte intransponível em demasiados sectores intelectuais.
E na periferia tudo é pior: a imaginação do centro faz com que a elite intelectual e política dominante, mesmo a que se diz crítica, seja eurófila até ao fim. E já só lhe resta mesmo apelar à bondade de estranhos europeus, enquanto se perde num labirinto de analogias históricas deslocadas.
Entretanto, esta esquerda até pode ter agora uma versão do que deseja por parte da UE e não vai ser suficiente do ponto de vista macroeconómico. Vamos pagar caro por esses desejos, através de cada vez maior controlo político supranacional, com uma democracia desta forma cada vez mais atrofiada. Não há subvenções grátis nas relações internacionais.
De facto, perante quebras do PIB entre 8% e 12% este ano, tanto mais violentas quanto os países periféricos estão mais expostos a serviços de exportação como o turismo, obra da troika por cá, é mesmo preciso que algo mude na política económica europeia para que tudo possa ficar na mesma na sua economia política.
As elites europeias têm instrumentos e vontade para controlar a situação, dado o capital que investiram e a fraqueza das oposições. Bom, talvez o espectro do nacionalismo italiano lhes meta algum medo. Seja como for, no fim ganha o capital financeiro alemão, bancário e industrial, mantendo os restantes países trancados num arranjo económico-monetário que reflecte primacialmente os seus interesses.
A UE é salva. Nunca acabaria espontaneamente, de qualquer forma. E isso, a moeda e o mercado únicos e logo a política única, talvez seja mesmo o mais importante para os passageiros frequentes, incluindo a tal esquerda brâmane do continente.
Portugal lá terá de se conformar com o lugar que lhe cabe neste arranjo: ser a Flórida da Europa, um país extrovertido de serviços baratos, na base de demasiado trabalho facilmente descartável. Acham o quê, que o desenvolvimento nos vai ser dado de fora, através de subvenções?
Adenda. Em editorial no Público, Manuel Carvalho, demonstrando a preguiça intelectual e o preconceito político habituais, coloca as criticas à UE por parte da intelectualmente minoritária esquerda soberanista portuguesa, que é a que nos vai valendo, no mesmo saco da extrema-direita, numa amálgama com décadas, tudo em nome dos amanhãs europeus que cantam. Obviamente, Carvalho não se deu ao trabalho de analisar, por exemplo, a economia política do Chega e o seu compromisso com os pilares da integração, do mercado único à moeda única. Porque será?
O que fazer quando não há nada a fazer?
ResponderEliminarComo defender as ideias progressistas, quando tudo está já pre-determinado pelo modelo neoliberal?
Aqueles que se mantiverem fieis aos princípios socialistas, tornar-se-ão párias, em quem ninguém confia.
Isso mesmo
EliminarA esquerda só é vítima de si mesma.
ResponderEliminarNo tempo de massas de assalariados com baixa qualificação e salários miseráveis, qualquer semi-qualificado ou capataz era comparativamente bem pago, e sobre estes estava o encargo de assegurar a produtividade, para o que detinham poderes tirânicos.
Era tempo em que o estômago e a humilhação mobilizava massas.ao chamado de líderes que só isso invocavam.
Agora, em que picar ponto e seguir o capataz deixou de ser o modelo e a todos e cada um se exige que saiba gerir o seu trabalho, os candidatos a liderar massas continuam com o mesmo modelo, continuam a clamar pelos coitadinhos que já não o são.
Resultado: denunciam não procurarem partilhar um sistema económico já satisfatório, mantendo-o próspero, antes negam-lhe quantos meios de sucesso conseguem engendrar e ambicionam a sua erosão e o seu fim.
Questão de fé que mobiliza raivosos que vão escasseando.
A eterna e irredutível trincheira do grande albergue alemão que é o neoliberalismo europeu foi e é (até ver, porque quando a coisa der mesmo para o torto entra o fascismo puro e duro) o centro de todas as virtudes.
ResponderEliminarEsse "centro" tem tanto a ver com colocação espacial no terreno político-ideológico quanto as alturas dos Himalaias têm a ver com as cavernas do Iucatão, pois nele cabem do BE ao CHEGA, do Iniciativa Liberal ao PS, do PSD ao CDS. A coisa, na verdade, não tem a ver com (inexistentes) ideologias, tem, isso sim, a ver com a distribuição dos poderes e dos poderzinhos (reais ou fictícios) e a atribuição dos poleiros e dos poleirozinhos (regiamente pagos ou que lá vão dando para a bucha do dia-a-dia) na grande tenda de circo em que se transformaram as chamadas democracias liberais parlamentares do Ocidente.
Só mesmo um monolítico crente nas virtudes supranacionais da UE é que, face ao desgraçado e mortífero espectáculo que foi e é a gestão da crise pandémica em quase todos os países que a compõem, acredita na solidariedade europeia. Desconfio que aqueles que lucidamente há muito viram para onde vai o Titanic europeu já perderam todas as esperanças de que um único salva-vidas seja lançado à água e limitam-se a fazer a única coisa que verdadeiramente se impõe fazer: nunca impedir a acção de um inimigo quando o resultado dessa acção será a destruição do próprio. No entretanto, as vestais do nosso querido complexo político-financeiro-mediático europeu continuarão a jurar que a pureza reside no centro, isso pelo menos até ao momento em que acharem do mais útil e do mais agradável ( "útil" e "agradável"no sentido de monetariamente recompensador) calçarem as botas cardadas e começarem a ter tiques esquisitos no braço direito.
Negam lhes o meio de sucesso, numa altura em que se canaliza tanto dinheiro como nunca para produzirem sem procura, ou, mais provavelmente, para recompra acções para que possam por as suas guardadas no Panamá? Só falta darem-lhes papinha na boca.
ResponderEliminarQuanto a jose
ResponderEliminarSó mesmo um tipo com os bofes de fora e a azia a corroer-lhe a alma , consegue publicar esta lamechiche, entremeada com as suas habituais manifestações de raiva
Ele a choramingar pela esquerda
Ahahahah
Por favor, dêem-lhe lá um espelho
Não será "esquerda" mera força de expressão? A esquerda sem aspas baseava a sua estratégia na transformação da superestrutura das sociedades a partir da base económica; a "esquerda", tanto quanto eu a conheço a partir dos anos 60 do século passado, faz exactamente o contrário, avultando nesse esforço a criação de uma novilíngua que dá pelo nome de politicamente correcto e as alucinações "identitárias".
ResponderEliminarDeterminante neste processo é o vácuo deixado pelo progressivo esfarelamento do proletariado. Afinal, qual é, presentemente, a identificação e a dinâmica das classes sociais? Os 1% constituem, conforme se alega, uma classe social? Por amor de Deus! E os 10%, ou 15%, que fazem de tampão, e entre os quais avultam gestores e advogados (mas a lista é extensa)?
Isto é apenas um começo de conversa...
«E já só lhe resta mesmo apelar à bondade de estranhos europeus, enquanto se perde num labirinto de analogias históricas deslocadas.» Viriato Soromenho-Marques, Luísa Schmidt, etc., ??
ResponderEliminarUma análise lúcida, só que encerra um preconceito moral relativamente aos eleitores de centro, João Rodrigues.
ResponderEliminarEssas pessoas votam, muito naturalmente, olhando para os seus interesses e a UE serve os seus interesses. E, sem elas, como Blair e Mandelson bem intuíram, a Esquerda nunca ganhará uma eleição que seja. Veja lá se não quer antes gramar com a Direita...
E como, mau grado o preconceito soberanista do PCP, de que de alguma forma os magros votos das classes populares que ainda o apoiam, valem mais do que os das pessoas que votam no PS, em Portugal manda a maioria soberana, as coisas irão de facto continuar assim.
Também, por uma vez, é lúcido o comentário de que nas relações internacionais nada é dado de graça. Claro, e é por isso que a conversa sobre o internacionalismo não passa disso mesmo. Cuba ou a China, ou a Rússia, ou a UE, quando mandam os seus médicos ajudar outros países, estão naturalmente a pensar no seu próprio interesse.
Por último, que política é essa alternativa que nos quer oferecer que inclui os seus próprios factos alternativos? Verificamos afinal que a doutrina oficial do PCP é o Marxismo de Tendência Chico: Em quem vais acreditar, em mim ou nos teus próprios olhos?
https://expresso.pt/politica/2020-05-28-Dirigente-do-PCP-nega-que-haja-repressao-em-Hong-Kong-e-critica-media-por-abafarem-fabuloso-desenvolvimento-da-China
Se a alternativa é esta, tragam-me já as grilhetas de Bruxelas...
Duas décadas para deitar fora, trocando as notas da carteira por dívida, a caminho da terceira, e JS diz que as pessoas votam nos seus interesses.
ResponderEliminarA diferença para "pobres e honrados" é zero.
Isso e daqui a nada está-nos a dizer que fazemos bem (outra vez) em fazer saldos ao primeiro que apareça com dinheiro. Hmmm, quem será o salvador que agora é o império do mal...
ResponderEliminarA notícia original a que se refere a torpe notícia do Expresso (a julgar pelo título e resumo, que é o que se consegue ler), para que os leitores possam julgar da falta de escrúpulos de certo jornalismo português e da ligeireza (ou desonestidade intelectual) de certos comentadores de algibeira, como Jaime Santos, que emprenham pelos ouvidos ou pelos olhos, sem o resguardo do sentido crítico que gostam de alardear.
ResponderEliminarJS a suplicar pelas grilhetas?
ResponderEliminarHá aldo de masoquistas nesta questão. Mas suspeitamos que o caso é mais grave. Tem a ver também (ou sobretudo ) com a falta de coluna vertebral
JS é um salta-pocinhas
ResponderEliminarNo mais amplo sentido do termo
Desbobina a sua missa e retira-se apressado.Salta para o próximo comentário e repete o mesmo estribilho.
Indiferente ao contraditório e carregado de slogans, qual vero publicitário
Até as "piadas" são repetidas e só são abandonadas quando o ridículo se apropria delas e aquelas caem por exaustão ( de quem as ouve)
Está numa de Kulto de Groucho Marx.Mas até aqui, talvez pelo nome de Marx associado ao Groucho,prefere fugir da sua identificação completa
"Em quem vais acreditar, em mim ou nos teus próprios olhos?"
As evidências grouchianas são lixadas. Eu prefiro esta:
“Ele pode parecer um idiota e até agir como um idiota, mas não se deixe enganar: é mesmo um idiota!”
( não vale a pena perder tempo com o joão pimentel ferreira agora aqui travestido dum dos seus nicks mais abastardados. Eis "vitor correia" a fazer-se passar por coisa séria e a investir contra a esquerda e o seu esfarelamento intelectual ( esfarelamento dele, vitor correia pimentel ferreira)
ResponderEliminarO que sobra é um dengoso "Por amor de Deus". Assim a modos que a um tampão com inveja de o não ser )
Este post de João Rodrigues é exemplar. No rigor e no desnudar duma "esquerda bramane", que quer continuar os arranjos e os namoros de quem lhe vai fazendo a cama. Vende-se esta por pouco ( ou por muito, dependendo de quem se compra ou vende). E nesse intercâmbio mercantil o que sobra é o confinamento pós-democrático dos Estados, vendidos miseravelmente pelas suas elites
ResponderEliminarTalvez sobressaia um certo tom pessimista (realista?) . Talvez seja bom completar com uma outra excelente posta de João Rodrigues ("Fogo e contrafogo") para onde somos remetidos no final deste texto de JR.
(Tal texto sobre o populismo triádico do Chega e as ligações subterrâneas da extrema-direita com o resto da direita, mostra que este conhece e assume sem hesitação a obediência às estruturas da integração europeia. Por outro lado, como diz JR, "uma grande parte da esquerda, sobretudo uma social-democracia desorientada e esvaziada pelo euro-liberalismo puro e duro", ignora-as, ou finge ignorar).
Chegados aqui é altura de dizer que alguns comentários enriquecem e completam esta visão desencantada de JR.
Para começar no texto sobre o populismo triádico vemos que os que comentam são apenas os que fazem parte da trilogia habitual,que oscila entre o Deutschland über alles e a rendição mais abjecta ( jose, joão pimentel ferreira - este escondido como poltrão - e Jaime Santos)
(Que curiosamente também aqui se repetem, assumindo mais uma vez JPF o papel de aldrabão multinick).
Mas agora há outras contribuições para o debate ( Anónimos de 28 de Maio de 2020 às 21:39 ; de 29 de Maio de 2020 às 19:12; de 29 de Maio de 2020 às 19:12; Paulo Marques; José M. Sousa ) que o enriquecem. O que se saúda e agradece
Porque vem agora também tudo isto?
ResponderEliminarPara dizer que por mais que os tempos pareçam de desesperança, nunca a rendição é a condição para a saída deste buraco em que nos vamos atolando
Não por orgulho próprio ou por um néscio "orgulhosamente sós". Mas porque o que se defende transcende e muito o mercantilismo dos que se vendem ou a mão invisível dos mercados. O que está em causa é algo muito superior e que tem levado à união e ao combate de muitas gerações antes de nós. A luta por um pedaço de terra que seja nosso, em que os homens não sejam os lobos do Homem e em que se cumpra o destino do ser humano como tal, no respeito pelos que o rodeiam e pelo ambiente em que vive.
É por isso que é com as maiores reservas que vejo comentários como o primeiro deste post que começa assim : "O que fazer quando não há nada a fazer?"
Istro cheira claramente a esturro.
A História não acabou e quem se mantém fiel aos seus princípios não se torna pária de nada
Num certo sentido este tipo que assim se expressa, faz lembrar aqueles outros tipos que nos interrogatórios pidescos tentavam convencer o prisioneiro que toda a resistência seria inútil.
Estes apelos à desistência e ao desânimo são suspeitos. Tanto mais quando vemos "outro" a aplaudi-lo, imitando ainda gestos e outras manhas já conhecidas
O que faz lembrar tudo isto?
Alguém me pode explicar o que é que o «Jose» quis dizer com o seu comentário?
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