sexta-feira, 22 de maio de 2020

Da prática e da contradição


Na prática, a teoria neoliberal é mesmo outra. Particularmente em momentos ditos de excepção, o neoliberalismo favorece uma forma de Estado de bem-estar empresarial (Corporate Welfare do original em inglês), o por aqui chamado Estado multibanco. E quem manda é quem define o que é excepcional, como se sabe da mais realista teoria política.

Trata-se agora de apoiar as fracções dominantes do capital sem qualquer contrapartida, usando uma bitola puramente comercial, baseada num passado recente medíocre, mesmo em sectores onde estariam em causa outros valores.

O caso da comunicação social é particularmente chocante, dado o estado de degradação, do plano laboral ao da qualidade da informação, a que as lógicas capitalistas com escassos freios e contrapesos conduziram um sector crucial para a vida democrática.

Ao invés de apoiar, com critérios transparentes e orientados por uma lógica de interesse público, projectos editoriais merecedores, o governo prefere subsidiar de forma só aparentemente cega, concentrando apoios, através de publicidade paga, nos grandes grupos, à boleia do argumento da difusão, privilegiando assim o infractor cultural, o infortenimento mais crasso, a mais anti-plural concentração empresarial.

Esta compra e venda de influência tem sido defendida com argumentos acerca do papel destes grupos de comunicação social na democracia, confundindo a comunicação social com os grupos empresariais.

Na realidade, o que é bom para estes grupos não é bom para a democracia. Estes grupos privados são uma ameaça ao pluralismo democrático, como se vê pela poluição ideológica que promovem e como se verá quando tivermos um governo decente e logo sob fogo dos que só sabem apodar de populistas todos os que promovam os de baixo. E eu não me esqueço do consenso austeritário promovido há uns anos atrás por estes grupos.

Não se deve confundir o bom jornalismo com o lixo editorial no meio do qual sobrevive a custo. Por isso, qualquer apoio deveria implicar alterações profundas nas relações sociais de produção neste sector. Daria bem mais trabalho político fazê-lo.

Entretanto, confirma-se que o neoliberalismo, também de excepção, está bem entranhado, quer por interesses pouco esclarecedores, quer por valores muito distorcidos.

18 comentários:

  1. Muito bom

    Mais uma pedrada no charco

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  2. Já quase ninguém estranha que o estado e os trabalhadores financiem as empresas e quando se diz as empresas diz-se os mais ricos e os que têm mais poder, a corrupção moral está generalizada, o estado financia empresas que têm como propósito o enfraquecimento do próprio estado.

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  3. E qual é o bom jornalismo, nos dias de hoje, na Comunicação Social....eu não vejo....

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  4. Nem mais,caro anónimo das 15 e 39

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  5. De todos os media tradicionais, os jornais ainda são aqueles que se poderiam considerar como úteis para as democracias (as TVs são uma feira de vaidades, perfeitamente inúteis).
    Mas o "lapis azul" dos accionistas condenou os jornais à ruína (como diz o chavão, pode-se enganar algumas pessoas durante algum tempo, mas não se podem enganar todas as pessoas o tempo todo).
    Por todo o mundo, a imprensa escrita agoniza e só mantem a rotativa em funcionamento, porque recebem ajudas estatais (incluíndo ao nível local).
    Sobram as redes sociais, que foram criadas pelos 1%, que estão a ser usadas para vender abortos (p.e. nas américas), mas que podem ser usadas também pelas forças progressistas.
    Ainda não sabemos como irão evoluir os meios de comunicação, mas uma coisa é certa: nada será como antes.

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  6. Usadas para vender abortos?
    As redes sociais?
    As criadas pelos 1%?

    As TV são uma feira de vaidades? E inúteis?

    Há aqui alguma coisa que não cola

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  7. "projectos editoriais merecedores". Este sim é um bom critério. O Observador, por exemplo, devia ficar de fora.

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  8. Há algo de fundamentalmente errado na avaliação do retorno para o Estado da eventual 'Ajuda de Estado' às empresas.
    O retorno em emprego (diminuição provável de despesa); taxas e taxinhas sobre tudo que mexe; impostos sobre lucros que corresponde a significativa fatia do capital.

    O facto de não haver leis nem instituições capazes de avaliar e garantir a idoneidade da gestão é matéria de balda abrilesca que zerou o efeito de directiva europeia, como bem expressa a evolução do nado-morto artº 35º do CSC - amanhecem-se com a bandalheira que promovem!
    Agora uma coisa é certa, não é a pôr a boyada a mamar umas prebendas que a coisa se resolve; é só aumentar os comensais a usufruir senão a promover a balda.
    Ninguém tem melhor posição para auditar uma empresa que os seus fornecedores/credores, assim não estejam na condição de só acrescerem aos prejuízos quando e se são chamados a intervir.

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  9. Um belo sábado, há uns valentes anos, abri um conhecido semanário de referência e li, estarrecido, as doutas palavras de um senhor embaixador que, tendo-se pegado numa polémica com alguém cujo nome já esqueci, afirmava convictamente que os negros estado-unidenses deveriam estar eternamente agradecidos a quem os escravizou e arrastou para o Novo-Mundo, pois gozavam de um nível de vida muito superior ao dos negros africanos. Foi esse o sábado em que pela última vez comprei tal semanário.
    Raramente vejo telejornais e não compro nem leio jornais, porquanto não financio - com o meu dinheiro ou com a minha simples atenção - quem tem por missão a multiplicação da apatia, da ignorância e do conformismo, multiplicação essa conseguida através da mentira e da manipulação.
    Não deixa de ser chocante que num planeta onde o conhecimento e o saber estão hoje facilmente ao alcance de quem inquietamente os procure tantos milhões de seres pensantes continuem a engolir acefalamente o lixo produzido pela guarda pretoriana mediática dos senhores do universo inteiro. Os mesmos que venderam ontem as evidentíssimas armas de destruição massiva de Sadam Hussein (e ajudaram a matar um milhão de Iraquianos) são os mesmos que hoje tocam as trombetas da preparação da guerra contra a China.
    A imprensa/órgãos de comunicação deste país são, há muito, uma nave de loucos onde políticos (sempre os mesmos) comentam à noite aquilo que eles mesmos disseram à tarde, onde políticos em banho-maria pagos pelos grandes grupos económicos amigavelmente comentam a política amigalhaça do Governo que favorece esses mesmos grupos económicos, onde políticos falam de futebol e futeboleiramente fingem que falam dos problemas do país quando, verdadeiramente, do que falam é do prosseguimento e do futuro das suas magníficas carreiras. Pelo meio enxertam-se uns "especialistas" em tudo e conhecedores de nada que debitam "ad nauseam" um torrencial plágio de artiguelhos previamente lidos na diagonal em conceituadíssimos jornais e "sites" dos EUA e do Reino Unido. Quem no seu perfeito juízo dá algum crédito a esta gente?

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  10. O Observador é desde sempre um pasquim financiado a fundo perdido por carrpatosos e afins. O Observador nunca deu lucro, entendido como dinheiro, mas dá muito lucro, entendido como meio de produção que veicula a ideologia dos interesses que o financiam. Quer se queira quer não, Os meios de CS não passam de meios de produção. De produção de ideologia. Ora, se quem detém esses meios de produção tem por objectivo veicular ideologia anti democracia, porque motivo é que o estado "democrático" os deve financiar? Porque motivo o grupo cofina deve ser ajudado? E o observador? E outros, que a lista é longa? Porque o poder político está subordinado a quem detém os meios de produção ideológicos, está subordinado aos carraptosos e afins e ai do poder político que ousasse tocar nesses interesses (algo que até se viu recentemente), no dia seguinte é crucificado por jornais, tvs e o mais que venha. Realmente, é preciso reler Marx.

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  11. "projectos editoriais merecedores"
    Vamos começar uma lista dos que não são merecedores:
    - O Observador
    (quem continua?)

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  12. "matéria de balda abrilesca"

    O que é isto?

    Um rugidozito saudoso pela Ordem Nova? Aquela que também permitia a grande balda para os grandes interesses? Ah, que saudades, não é mesmo? a pôr a boyada a mamar umas prebendas. Mas não a boyada qualquer. A seleccionada. Aquela terratenente etc etc etc.
    A que antecedeu esta outra.

    Há aqui todavia um processo de anquilosamento com a vinda de novo e mais uma vez e ainda outra do artigo 35,aquele retirado por Cavaco Silva, himself. Foi de resto a mesma causa para o que aconteceu em Espanha.Ou na Grécia. O diabo do Artigo 35 pode ter sido a causa do descalabro da sociedade em que vivemos.

    (Qual era mesmo o artigo que proibia os offshores? E as rendas indevidas?)

    Não se sabe se o anquilosamento justifica tudo.

    Entretanto talvez pedir a este Jose para ler o texto de novo. Para aprender do que se fala. Deixar-se dessas idiotices da validação das coisas em função dos credores e dos fornecedores. Deixar de levantar agora a mão invisível dos mercados, a substituir agora quiçá a sua outra mão.

    Fala-se aqui do interesse público. Da exigência do direito à informação. Da necessidade de alterações profundas nas relações sociais de produção também na comunicação social

    Fala-se a um outro nível

    E talvez Jose aproveitar para ler aí em cima alguns excelentes testemunhos surgidos já hoje, 23 de Maio, que ultrapassam essa vil e apagada tristeza de quem não sabe outra coisa que.

    De um outro nível

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  13. Pierre Bourdieu dizia que "as elites de uma sociedade normalmente mantêm o seu poder não apenas controlando os meios de produção (isto é, o dinheiro), mas também dominando o discurso cultural (isto é, o mapa intelectual da sociedade). "E o que é mais importante em relação a esse mapa cognitivo não é o que é declarado e discutido abertamente - mas o que é deixado sem declaração ou ignorado. "

    A divulgação televisiva, que age como um “árbitro de acesso à existência social e política”, com um imenso poder de estabelecer efeito do real, buscando o espetacular e o inusitado, reforçando a urgência em detrimento da reflexão, e a dramatização como forma de acessar os conflitos.

    A respeito da urgência versus a reflexão, o autor apontava para a exiguidade e raridade
    do tempo televisivo e que, “[...] se minutos tão preciosos são empregados para dizer coisas
    fúteis, é que essas coisas tão fúteis são de fato muito importantes na medida em que ocultam
    coisas preciosas.”

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  14. Sábias palavras

    «(...) Para esta propaganda total contribui também a publicidade. Todos reparámos certamente que os spots publicitários não desapareceram, mas foram atacados pelo vírus do pudor e do didactismo moralista, paternalista e geralmente piegas. Deixaram de dizer «compre», «pague um e leve dois»,«X lava mais branco», para passarem a dizer « seja responsável», «fique feliz em casa: carpe diem», «o nosso automóvel é experiente em curvas, saiba como achatar esta com que estamos confrontados», «tudo vai ficar bem com a nossa ajuda». De maneira mais ou menos directa, a publicidade passou a só falar do vírus. Tornou-se tão insuportável como as afectações «poéticas» de alguns apresentadores de jornais televisivos, ilustrando na perfeição a verdade enfática dos propagandistas. E foi assim que ficámos não apenas reféns do medo, mas também dos bons sentimentos, das afecções da alma. Distanciamento social ? Não, o que houve foi a «partilha» em modo superlativo. Fechados em casa, mas a receber de todos os lados - da publicidade, do jornalismo, do discurso público dominante - mensagens de medo e de bons sentimentos. E o medo como o melhor dos sentimentos. O que fazer agora com todo o medo que sobra ? (...)»,

    António Guerreiro no Ipsilon no Público
    ( e "emprestado" pelo Tempo das Cerejas de Vitor Dias

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  15. A coisa fica assim orientada:
    - Os grupos económicos que detêm meios de comunicação são sempre um mal a não ser subsidiado
    - Há no entanto bons jornalistas que o Estado deveria procurar que pudessem manter-se
    - Conclusão: o Estado escolhe ou faz um concurso de 'bons jornalistas' e subsidia-lhes uma cooperativa - enquanto forem bons - ou cria empresa pública que os abrigue, com bons editores, naturalmente.

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  16. Jose não gostou que a sua orientação tivesse tido o destino que teve.

    E mete o art 35 no bolso ( mais uma vez), fingindo não notar a figura que andou a fazer. Ele, mais o Cavaco que o meteu no bolso ( ao tal artigo 35,que não ao Jose, claro)

    Percebe-se que tenha em vista "pôr a boyada a mamar umas prebendas", segundo as suas doutas palavras (O ensino no tempo de Salazar primava por estas lacunas e imbecilidades; o pobre não tem a culpa toda; o pobre Jose, que não o Salazar,claro)

    E faz esta espécie de chamada de atenção por não lhe darem ouvidos sobre o papel que os fornecedores/credores deveriam ter no avaliar da distribuição do dinheiro público para os media fidelizados

    Como estes servem os seus donos, os donos destes é que iriam avaliar se os media que os servem são merecedores da sua avaliação positiva, logo qual a fatia que lhes caberia do dinheiro de todos nós

    Claro que resta o papel do jose no meio disto tudo, a servir assim tão fielmente a voz do dono ( não ele, os media que o são, claro).

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  17. "Ao invés de apoiar, com critérios transparentes e orientados por uma lógica de interesse público, projectos editoriais merecedores"... (sic)
    Quem atribui merecimento, quem estabelece o que é interesse público, o que é a transparência?
    O Estado, um Ministério ou direcção-geral apoiaria os projectos que escolhe, e que o apoiam. O dirigismo transparente não existe e não seria uma boa coisa.

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  18. No SNS quem estabelece os critérios transparentes e orientados para uma lógica de interesse público é quem o dirige, com a pressão duma opinião pública vigilante e activa

    SNS que apesar de todos os assaltos da tralha neoliberal e os uivos de quem defende os interesses privados no sector ( desde PPP na saúde, até promiscuidades entre o público e o privado) tem sabido de alguma forma cumprir a sua função

    Ora nada indica que não haja pessoas competentes para separarem o trigo do joio

    O dirigismo pouco transparente dos interesses privados é que não pode passar.

    Nem nós temos que pagar para encher o bolso de quem nos impinge a informação da Voz do Dono

    Está claro para quem anda a defender o saque do erário público pelos vampiros dos media?

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