É como um trabalhador pobre endividado a quem lhe adoece a mãe e recorre ao banco para poder ficar sem trabalhar e ter rendimento nesse período, sem agravamento da dívida.
E o funcionário do banco - que até é de esquerda e bem intencionado - responde-lhe que não é possível.
- Mas o Ricardo Paes Mamede disse que sim [ver por exemplo aqui].
- Mas o que o Ricardo Paes Mamede disse não é permitido. Vai contra o regulamento que você assinou ao abrir a conta no banco. Eu sei que está a viver uma tragédia. Mas se quiser o dinheiro vai ter de poupar na escola do seu filho, na sua saúde, vai ter de vender a sua casa a um amigo do director do banco. E todo o seu rendimento vai para pagar a nova dívida. Durante muitos anos. É inevitável. São os regulamentos.
Foi isto que me passou ontem pela cabeça ao ouvir o socialista Paulo Pedroso na RTP falar sobre as medidas adoptadas na Grécia, Itália e Espanha que proibiram os despedimentos.
Eis o que ele disse, mas terá de ler até ao fim:
"Há dois caminhos: A Itália e a Grécia seguiram um caminho que eu digo que é mais extremo. Que é financiar toda a economia e, portanto, o Estado tem autoridade para, financiando toda a economia, todas as empresas, todos os postos de trabalho, exigir uma contrapartida de toda a economia.
A abordagem que o Governo português tem feito até agora - e que o tem feito tanto quanto sei em articulação com a Concertação Social (..) - é uma abordagem mais selectiva. Nem toda a economia tem apoios garantidos, logo o Estado também não tem autoridade para intervir junto de toda a economia. A medida que foi adoptada - que é impedir os despedimentos por motivos económico de quem benefica de apoios e que se vê no lay-off simplificado (...) - já tem esta lógica, mas onde há essa contrapartida.
Paulo Pedroso sugere que, como o desemprego vai subir no caso português, que se olhasse para um "aperfeiçoamento do subsídio de desemprego".
No passado, tivemos uma experiência que corre o risco de se repetir agora se proibíssemos o despedimento. Que é a experiência das empresas não despedirem e não pagarem salários. Seguramente, os trabalhadores não ganhariam nada se voltássemos a ter uma situação de salários em atraso generalizados. Tudo isto para dizer...José Rodrigues dos Santos regressa aos casos da Itália e da Grécia. Paulo Pedroso continua:
Teriamos de ter um programa muito agressivo. E aliás a sua colega em Espanha falou de um programa de biliões de euros, o colega grego não falou com tantos detalhes mas será nessa ordem. Só para falar de um país que não tomou esta medida - em grande medida talvez porque não necessita - a Dinamarca financia 50% de toda a Massa Salarial do país.
Ora, isso - na avaliação que estamos todos a fazer em Portugal - não está ao alcance do nosso Governo sem uma enorme emissão de dívida. E Portugal já é um país muito endividado. E levantar-se-ia a questão... quer dizer... É fácil tomar medidas que hoje parecem muito enérgicas, mas que nos colocariam - se não houver nada de excepcional do ponto de vista da UE - nos colocariam numa rota que seria de uma extrema austeridade daqui a 6 meses a um ano.
(...)
José Rodrigues dos Santos: Como se financia isto tudo?
Paulo Pedroso: Há aqui duas questõoes. Uma é a sobrecarga sobre a Segurança Social que é inevitável.
Paulo Pedroso parece não ter lido o decreto-lei que regula o lay-off simplificado. No artigo 16º- ponto 1, é expressamente referido que esse custo é do Orçamento de Estado.
Ela pode ser financiada atendendo a que estamos em situação de excepção. (...) É a solução que eu defenderia. Pode-se assumir que este custo extra é pago pela solidariedade nacional porque é a ela que se deve e não a qualquer desequilíbrio. E isso resolveria o 1º problema.
(...)
Agora, há o 2º problema que é como se financia. Porque se nada acontecer, hoje é fácil nós dizermos: "Aumente-se a despesa pública". Já foi assim em 2008 e 2009. O Governo foi encorajado a aumentar a despesa pública, Agora, se nós subirmos a nossa dívida para 150% do PIB, e as regras europeias se mantiverem como estamos hoje, nós passaremos a ter de ter um ajustamento possivelmente de mais 1,5% do PIB para amortizar a divida. Ora, isso significará uma austeridade prolongada durante uma década.
Portanto, se não estamos num raciocinio de tragédia, nós temos de assumir pelo menos, no minimo, que estas medidas extraordinárias para esta conjuntura extraordinária têm de ser amortizadas a muito longo prazo. Um pouco como se fossem dívidas de guerra. Não para uma década, (...). Há a medida que muito se discute que é a mutualização da dívida que será ainda dívida nossa, mas em que os nossos juros estão garantidos pelo conjunto dos países europeus, para prevenir um ataque especulativo sobre a nossa economia, como aconteceu a seguir a 2009.
E a nossa economia, como disciplina científica, prevê outras medidas: o Ricardo Paes Mamede chamava a atenção para que se podia fazer emissão de moeda. Mas isso é expressamente proibido pelos Tratados.
José Rodrigues dos Santos: Isso implicava sair do euro...
Paulo Pedroso: O euro poderia emitir moeda.
José Rodrigues dos Santos: Mas isso vai ser feito...
Paulo Pedroso: Vamos ver. Porque há matérias que estão proibidas pelos Tratados. Este é o momento em que Portugal não tem solução que não seja trágica se não houver solidariedade europeia e uma capacidade - não é solidariedade - da Europa olhar para a sua moeda de um modo muito menos ortodoxo do que olhou até hoje.
José Rodrigues dos Santos: A austeridade é inevitável ou há alternativa?
Paulo Pedroso: Ainda há alternativa se houver uma flexibilidade alargada dos critérios de gestão dos Orçamentos de Estado para os próximos anos. Se não houver nem dinheiro nem uma suspensão prolongada das regras que estão definidas, é inevitável. A questão não é se há concessões este ano. (...) E que nós não vamos só precisar este ano. Com esta dimensão de intervenção de que estamos a falar, se estamos a pensar numa contracção da economia no ano que pode ser entre 5 a 10% do PIB, se estamos a falar de uma emissão de dívida para financiar estas medidas que - mesmo que não fossem substituídas por outras mais intensas - nos iriam custar num agravamento da dívida para os 140 a 150% do PIB -, ligando o aumento da dívida e a diminuição do PIB, se isto acontece, não é uma moratória de um ano ou dois. É preciso olhar para isto como tendo impacto durante uma geração. Se não olharmos, vamos ter cinco anos muito difíceis a seguir.E ouço Nani Moretti: "Diz alguma coisa de esquerda, diz alguma coisa de esquerda..."
É uma verdade de La Palice: sem espírito combativo, não há esquerda que faça inveja...
ResponderEliminarHélas, La Palice est mort,
Est mort devant Pavie.
Hélas, s'il n'était pas mort,
Il ferait encore envie.
É trágico para a classe trabalhadora como os “socialistas” prosseguem com a concretizar de estratégias que só reforçam o capital e a alta finança. Mais um bom negócio para os seus principais quadros que aplicam pacotes de medidas para reproduzir mais poder para os bancos e lixar ainda mais a classe trabalhadora na linha da “uberização” do trabalho, desproteção do emprego e descida dos salários.
ResponderEliminarAinda ontem, no Jornal da Noite da TVI, a entrevista de Elisa Ferreira é de um vazio e subserviência assustadores. Questionada se na falta de coronabonds o euro vai terminar, ou a UE entrar em crise profunda com a possível saída de alguns países, veio falar do amor à Europa dando o exemplo do programa Erasmus... Aceitar a normalização do absurdo, não ir ao fundo dos problemas, ao mesmo tempo que se dá rédea solta às formas concretas de reprodução do capitalismo selvagem. As ideias do PS, significam a matização e o discurso das elites.
Repito aquilo que já escrevi anteriormente no Ladrões.
ResponderEliminarEu quero que os responsáveis por NÃO utilizarem as ferramentas do Estado para ajudar a população a ultrapassar a crise do Covid19, ultrapassar a crise social-económica-ambiental que se arrasta há já bastante tempo sejam levados à Justiça e sejam punidos!
Não me venham com a conversa que não se pode fazer porque tratados (cheios de tralha arbitrária embebida na degenerada ideologia neoliberal).
Aos responsáveis se pensam que depois do Covid19 vai ser business as usual eu os aviso, tenham cuidado, estão a brincar com o fogo e a probabilidade de se queimarem é bem alta...
Um faz-de-conta que é uma entrevista.
ResponderEliminarDois ativistas da mesma classe social representam uma rábula na tv pública, para veicular uma determinada mensagem, com objetivos políticos.
O tom parolo denuncia a autoria da rábula.
Muito desconfortável não ouvir nada de esquerda!
ResponderEliminarUm qualquer saque aos ricos indígenas, uma baforada anti-UE ou pelo menos anti qualquer dos ricos...nada.
Decididamente descrever a realidade não é de esquerda.
Vergonhoso, absolutamente vergonhoso que alguém que pertence ao partido socialista diga isto, é uma fraude autêntica esta gente.
ResponderEliminarA verdadeira extrema direita reside no mainstream europeu. Ortodoxia.
ResponderEliminarPragmatismo (ai Cavaco, Cavaco), é mais fácil encontrar, uma vez mais, na extrema direita americana que nestes jovens centenários europeus.
Passos, volta, a história está mesmo a teu jeito. Há pessoas a sofrer e outras sem terem com que alimentar os filhos e o melhor está para vir. Vem mesmo a calhar. Faz lá umas promessas, diz umas mentiras e enterra mais uma geração na miséria em nome de umas privatizações e tal (Que se fale sobre a TAP e o seu papel nesta crise do COVID19).
Imagino, agora, grupos privados da saúde e outros a esfregarem as mãos para o que aí vem. Chata a história da TVI. Dava mesmo jeito.
(Desta vez, espero uma resposta à altura da esquerda portuguesa e europeia)
Este gajo não tem a mínima noção do que é viver em sociedade.
ResponderEliminarBem gostaria que fosse explorado, do ponto de vista da análise político-iedológica da social-democracia realmente existente e a que o PS dá um importante contributo - isto é, da social-democracia como ela é de facto e não da social-democracia como ela de si própria se diz ser - um eixo, que seria precisamente isso: apenas um eixo analítico, mas para o qual antevejo um bom potencial explicativo, qual seja o da gestão do sistema capitalista (tarefa fundamental da social-democracia), na óptica do seu potencial de "ascensão no elevador social", segundo a perspectiva dos respectivos quadros e dirigentes. É que na verdade e não por acaso, quer por razões estritamente remuneratórias (em sentido muito amplo, naturalmente, já que é preciso incluír aí prebendas de toda a espécie), quer também por razões de status, ser do PS (não incluindo neste juízo os seus muito estimáveis militantes anónimos de base, como se compreende), muito mais do que ter ou possuír uma ideologia ou estratégia, é sobretudo poder alcandorar-se às luzes da ribalta e fazê-lo (voltamos ao lado mais prosaico da coisa), preferencialmente, de forma recompensadora. Ele são negócios, ele é empreendedorismo, ele é gente que veste Armani, ele são colocações e desmandos, ele é, enfim, gente com aquele ar flutuante de quem está "de bem com a vida", ele é, sei lá, uma subserviência bacoca e rastejante quando isso é preciso (e é preciso tanta vez...), que tendo a considerar que não é defeito: é mesmo feitio. A Elisa Ferreira é um exemplo? É com toda a certeza. Mas há tantos, mas mesmos tantos que me vêm à cabeça logo assim de caras, que é capaz de não ser tudo uma mera coincidência. Por isso, se num convento espero encontrar freiras, num bordel...
ResponderEliminarDigam alguma coisa de Esquerda que não seja queremos gastar mais dinheiro, que não temos, porque o Povo precisa. Como por exemplo como poderemos sair do Euro sem destruir toda a nossa Economia e como é que nos vamos financiar depois disso... Ah, pois, o nosso Banco Central vai passar a emitir moeda que não vale nada para financiar a coisa...
ResponderEliminarQuando é que alternativas que passem pela emissão de dívida mutualizada entre os estados, flexibilização dos Orçamentos dos Estados e suspensão das regras dos tratados deixou de ser linha aprofundada e defendida pela esquerda? ... Coisa de esquerda realmente sendo dita?
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