sexta-feira, 24 de abril de 2020

Alvo: Segurança Social

"Como o Estado não pode injectar dinheiro a fundo perdido nas empresas - nem sei se isso seria desejável, pelo menos para a minha mentalidade mais liberal - acho que alternativa é abdicar de receitas, de custos significativos para as empresas. (...) Eu penso que seria desejável, do ponto de vista de colecta de impostos, nomeadamente pagamentos especiais por conta, ou de contribuições para a Segurança Social – a Taxa Social Única (TSU) - que é, aliás uma medida que está directamente relacionada ao emprego, que o Estado abdicasse de receber essas receitas durante determinados meses."

Quem tão despudoradamente defende esta aspiração dos dinheiros da Segurança Social - um projecto aliás tão liberal - é aquele que foi entrevistado na Grande Entrevista da RTP, apresentado como "gestor e antigo ministro da Economia". Mas na realidade António Pires de Lima é muito mais ex-presidente do Conselho Nacional do CDS de 2007 a 2014, ex-ministro da Economia do Governo Passos Coelho/Portas desde 23/7/2013, um dos fiéis “soldados” que se dispôs a aplicar um programa para “além da troica".

Em Setembro de 2012, o Governo Passos Coelho /Portas quis pôr os trabalhadores a pagar as empresas, reduzindo a TSU das empresas e aumentando a dos trabalhadores, ideia que Pires de Lima - tal como o CDS (ver programa eleitoral na pag.27) - sancionou, depois deu por "mal entendida", acabou por repudiá-la e concordar com o enorme aumento de impostos sobretudo sobre os assalariados do setor privado. Oito anos depois, defende-se agora que seja a Segurança Social a pagar TODAS as empresas do sector privado, durante pelo menos três meses, e sabe-se lá quanto tempo mais, já que a retoma será algo lento. Sem garantias, nem dívidas. E, por certo, não faltarão ameaças do presidente da CIP de que, senão pagarem sob a forma de lay-off, o setor público pagará sobre a forma de subsídios de desemprego, aliás, ameaças que já foram feitas.

Pires de Lima esquece-se de um problema: a TSU não é uma receita do Estado, mas da Segurança Social, a qual é um activo dos trabalhadores, montado para dar cobertura a diversas eventualidades que lhes possam acontecer. Não é para financiar empresa, como quer Pires de Lima. Aliás, o lay-off simplificado - ao contrário do lay-off clássico marginalmente usado até esta crise - vai ser pago pelo Estado e, por isso, é o Estado que está a financiar as empresas a fundo perdido. A Segurança Social – ao contrário da sua ideia – não é saco azul do Estado. E não deveria competir ao Estado decidir o que fazer desses dinheiros.

Este despudor - que perpassa até no tom e na atitude de Pires de Lima, como se tivesse iniciado a tentativa de retrocesso histórico a 2011 - parece ser apenas possível pela forma como este governo deu luz verde ao ministro da Economia Siza Vieira, o qual abriu as portas a um completo e opaco programa de financiamento empresarial através do Estado e da Segurança Social, do qual estão a beneficiar a maioria das grandes empresas.

A entrevista é, aliás, sintomática em três aspectos: primeiro, no toca a trabalhar para toda a população portuguesa, mesmo que as empresas não tenham condições sanitárias; segundo: por abrir caminho a que se discuta publicamente o alargamento do lay-off simplificado a todas as empresas; e terceiro pela ideia de que isso pode ser feito - sem que a direita faça um mea culpa, sem que perca a cara porque - alega-se - a crise actual tem características diferentes da de 2008/2011, quando apenas se está a discutir terapias para atacar uma recessão. É sintomático que Pires de Lima omita as consequências do seu programa de privilégio das empresas e que atirou 25% da população activa portuguesa para o desemprego e mais umas centenas de milhar para a emigração. E ainda venha dizer na entrevista que "a austeridade não é uma escolha; é uma cconsequência". Toda a entrevista de Pires de Lima está carregada desta arrogância de quem está à frente de empresas e que, por isso, sabe melhor o que é melhor para o país.

Por partes: Primeiro, é a ideia do toca a trabalhar e toca a consumir, porque já foi tempo demais em casa. A forma como o ex-dirigente do CDS desdramatiza a pandemia é sintomática (1m55):

"é um vírus muito incomodativo e - quando não existe uma capacidade de resposta dos serviços de saúde - com uma letalidade muito elevada, mas que em Portugal (...) não houve ninguém que tivesse morrido com menos de 40 anos. E mesmo a taxa de mortalidade até aos 60 anos é muito marginal". 

Elogia-se o SNS, mas como trampolim para tocar a sirene da fábrica:

"A capacidade de resposta do SNS e a impossibilidade de continuarmos a suportar a nossa economia nesta situação de confinamento, creio que temos de regressar a algum tipo de nornalidade (...) temos de regressar à nossa vida de trabalho presencial. Seria um bocado estranho que um vírus que, sendo muito incomodativo e mortal nas franjas... podendo ser mortal nas franjas etárias mais velhas, mas que tem tão pouca letalidade abaixo dos 60 anos, toda a população activa - jovens, crianças [?!] e pessoas em idade de trabalhar - estivesse confinado em casa à espera de uma vacina. Isso não é possível".

(17m) Uma das condições para existe recuperação económica é que as pessoas percam o medo e se comportem de uma forma mais racional face a esta pandemia. É que se recupere alguma confiança. Assim como o estado de emergência foi decretado de um dia para o outro, não se pode pedir às pessoas que recuperem a sua confiança e percam o medo de um dia para o outro. E quanto mais conscientes dessa recessão, mais aptos estaremos para tomar medidas - entre elas o desconfinamento - que permitam aliviar os efeitos desta recessão, nas empresas e na vida das pessoas. 

Quando o Vítor Gonçalves lhe fala do risco de "abrir e fechar" da economia , caso o desaconfinamento se traduza em mais infectados, nota-se o nervosismo de Pires de Lima. Responde (5m):

 "Não sabemos, a verdade é que não sabemos. (...) temos de experimentar. Não é solução continuarmos todos em casa. Não é só pelos custos económicos brutais (...) mas é também porque eu acho que é impossível pedir às pessoas que estejam, permanentemente em casa à espera que apareça uma vacina durante um ano. Do ponto de vista psicológico, é uma violência enorme para as pessoas este isolamento a que estão a ser sujeitos."

Como fazer? As empresas têm de ser capazes – diz – de criar condições para o trabalho com a distanciamento, máscaras, etc. Mas sabe-se que na maioria das empresas, das micro e pequenas empresas isso não existe. Por será que na região Norte existe o triplo de infectados que em Lisboa? Ninguém lhe perguntou isso. Vítor Gonçalves pergunta-lhe se as empresas têm condições. E Pires de Lima remexe-se nervoso na cadeira. Foge à resposta directa (7m):

"Sabe... a economia portuguesa não paralisou totalmente ao longo deste últimos dois meses.(...) eu continuo a acompanhar empresas... que estão a funcionar. (...) algumas delas empresas industriais. Fábricas. E eu acho que os portugueses têm uma enorme capacidade de adaptação. (...) e portanto não temos alternativa. Porque a situação económica exige [exige?!!] que nós regressemos ao trabalho. de uma forma organizada, ordenada, cumprindo regras sanitárias, mas é absolutamente fundamental. Não há nenhum país no mundo, muito menos Portugal que é um país bastante endividado que esteja em condições de estar sem trabalhar ou a trabalhar de forma não presencial durante um período mais longo que um mês, dois meses." 

Vítor Gonçalves insiste de outra forma.  Pires de Lima sublinha outra coisa:

 “Nós próprios já estamos a ver muitas empresas que estão abertas - supermercados, mercearias, farmácias - que rapidamente se adaptaram a esta situação. E mesmo as empresas industriais que estão a funcionar, estão a funcionar cumprindo regras de distanciamento social, de organização do trabalho, para evitar a multiplicação de casos de infecção” 

Pires de Lima parte para elogiar o lay-off simplificado, mas a sua é ideia é a de não criar diferenças entre empresas. Se umas têm, outras também devem ter. Agora o Estado pode pagar tudo. Aliás, a Segurança Social pode pagar tudo. Eis o resultado de o Governo ter cedido a tudo o que patronato exigiu.

APL: Lay-off simplificado. Muito bem. Penso que foi uma medida tomada pelo governo extremamente eficaz.
VG: Provavelmente, se não tivesse sido tomada essas pessoas estariam hoje no desemprego...
APL: Exactamente. Portanto, está a permitir que um milhão de pessoas esteja numa situação de rendimento a 2/3 quando a alternativa de muitas delas era o desemprego. Portanto, foi uma boa medida, mas é uma medida que está limitada a empresas que tenham tido uma perda de facturação de 40% , o que para mim é errado. Devia ser possível estender o lay-off simpllificado a empresas com perda de facturação menor (...) Seria desejável que muitas das medidas que estão agora a ser postas em marcha fossem medidas de injecção directa de liquidez nas empresas por complemento ao recurso ao crédito. Creio que devíamos ser mais ambiciosos. 

Ambiciosos?! Até Vítor Gonçalves se assusta.

VG: Entregas a fundo perdido? Esse ponto tem sido muito defendido pela CIP. Ou está a ver outras opções que permitissem ressa liquidez? (...)
APL: Eu creio que as regras europeias não permitem a injecção de meios a fundo perdido nas empresas e, em qualquer caso, as empresas que vierem... que viessem a beneficiar de injeções a fundo perdido teriam de ter ou sujeitar-se a algum condicionamento por parte de quem dá o dinheiro. O Estado. Mas há outros mecanismos. Por exemplo"
  - e aqui sente-se o nervosismo, ajeita os óculos, mexe-se na cadeira: 
"eu penso que seria desejável , do ponto de vista de colecta de impostos, nomeadamente pagamentos especiais por conta, ou de contribuições para a Segurança Social – a TSU- que é aliás uma medida que está directamente relacionada ao emprego" – parece querer dizer: vejam lá como isto faz sentido... - "que o Estado abdicasse de receber essas receitas durante determinados meses. 

E aqui surge o argumento da igualdade:

 Está-se a fazer uma diferença entre empresas que recorreram ao lay-off que puderam pôr uma série de trabalhadores em lay-off e não pagar a Segurança Social desses trabalhadores; e empresas que não recorrem ao lay-off - por decisão voluntária ou porque não cumpriam as condições e que têm de pagar a TSU. Portanto, há aqui até para empresas às vezes no mesmo sector, empresas que estão aqui em diferentes circunstâncias e portanto uma certa desigualdade que, no meu ponto de vista devia ser evitado. Depois, se aquilo que é essencial é injectar dinheiro nas empresas e se o Estado não pode - e se calhar não deve - injectar dinheiro a fundo perdido nas empresas, aquilo que o Estado pode fazer é abdicar de receber as receitas que lhe corresponderem neste momento. E entre essas receitas, uma que é mais relevante e que está ligada com o emprego criado pelas empresas é a TSU. Se o Estado abdicasse de receber a TSU durante 2 ou 3 meses isso significaria uma perda de receita de 4,5 mil milhões de euros por mês.
 - Para todas as empresas?
 - Para todas as empresas ou para todas as empresas que estão a sentir uma redução da sua actividade signicativa e isso é menos 10 ou 15% da actividade que tinham há um ano.
 E continu, desta vez em defesa da banca:

Porque ao estarmos a optar substancialmente pela via do crédito, nós estamos a fazer duas coisas. Em primeiro lugar, a activação do crédito demora., (...) E os bancos não querem voltar a viver os tempos de 2008, 2009, 2010 e 2011. (...) E portanto o Estado devia activar todos os meios que tem, para poder abdicar de receita, nomeadamente naquelas empresas que mantêm a sua actividade (...)
  VG: É isenção, não é para pagar mais à frente?
APL: Não, adiar moratórias não resolve nada. 

Basicamente, as moratórias aos bancos fazem sentido, ao Estado não...

“Devia se privilegiar por uma questão de automatismo, de simplicidade. 
E a simplicidade é, através de um simples decreto-lei, isentas as empresas de descontos sociais. Eis o paraíso na Terra de qualquer empresário. De qualquer empresário do CDS.

13 comentários:

  1. Um exercício de Lógica e Dialéctica: Imagine que você me assalta todos os meses e me rouba 100 euros mensais. Se num determinado mês eu pedir-lhe para me roubar apenas 50 euros porque eu estou famélico, será correcto, do ponto de vista lógico, você afirmar que eu estou "despudoradamente a aspirar" ficar-lhe com 50 euros?

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  2. A irresponsabilidade e o cinismo de António Pires de Lima não tem limites, a desfaçatez com que ignora as implicações de uma abertura do país são o posicionamento de quem sabe que não serão os deles a sofrer com as opções erradas, esta gente são a certeza de que nunca vamos ter um país decente.

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  3. «"a austeridade não é uma escolha; é uma consequência"»

    É verdade, é uma consequência directa da comissão do padreco Delors que previa que as crises eram impossíveis. Cá estamos, no início da terceira década de gambuzinos.

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  4. Tudo que seja perturbar a ocultação do custo real do trabalho é para a 'doutrina dos coitadinhos' uma ameaça real e, consequentemente, a indignação é sempre hiperbólica.
    A que propósito as empresas têm que pagar os descontos dos trabalhadores?
    Ainda que entrasse no salário bruto para ser acrescido aos descontos; mas não, os coitadinhos continuam a ganhar uma miséria e os descontos por conta do patrão são, ora o preço de um oportunista reconhecimento de uma função social da empresa, e sempre mero instrumento de ocultação de rendimento do trabalhador.
    E com essa e com outras (14/11, …) o choradinho miserabilista vai-se sustentando e a obscenidade dos lucros das empresas vai-se cultivando.

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  5. A austeridade não só é uma escolha como é um mecanismo de transferência de custos e de lucros. Mentem sempre e mentem muito, o importante é construir um lógica de moralidade que faça com que os que perdem sempre aceitem o seu desígnio.

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  6. Caro João,
    Considerar as contribuições para a Segurança Social como um roubo, só - mais uma vez - própria de um pensamento do século XIX. Anda a repetir-se muitas vezes. Um dia, muito em breve, arrisca-se a que algum software o substitua nas redes sociais.

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  7. As cadeias são para meter lá os corruptos, e mais não escrevo...

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  8. A falta de empatia humana no discurso do Pimentel acusa a conversão de humano para bot da internet.

    Não vai levar muito até que comece com comentários assim:

    "ganhe 10 mil euros por semana a partir de casa"

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  9. Caro João Ramos de Almeida
    Eu não considerei as contribuições para a segurança social como um roubo, fiz apenas uso de um exercício lógico, para demonstrar que dizer que os empresários querem ficar com o dinheiro da Segurança Social não tem qualquer sentido. O dinheiro resulta da atividade da empresa, e por isso, o que qualquer liberal sério pode defender, em vez de subsídios do estado, é menos fiscalidade. Mas desde quando baixar fiscalidade é ficar com o dinheiro do estado, se o dinheiro é gerado na empresa pela via dos trabalhadores e dos processos produtivos da empresa?

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  10. Caro João Pimentel Ferreira,

    «fiz apenas uso de um exercício lógico, para demonstrar que dizer que os empresários querem ficar com o dinheiro da Segurança Social não tem qualquer sentido.»

    Novamente, em sentido estrito, tem toda a razão. O que se passa é, a meu ver, melhor explicado como uma externalidade: ao isentar as empresas de pagamentos para a Segurança Social -- e como esta última é um activo dos trabalhadores, e não das empresas -- o que se faz é tomar uma decisão que beneficia os empresários no curto prazo, podendo prejudicar os trabalhadores no médio longo prazo.

    Uma alternativa seriam moratórias (em vez de isenções) para os pagamentos à Segurança Social, mas como o autor do post assinala correctamente, na cabeça mui liberal de Pires de Lima, há bancos de primeira e estados previdenciais de segunda...

    Um bom 25 de Abril para todos!

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  11. Os exercícios lógicos do Pimentel Ferreira dão nisto.

    Em disparates consecutivos a que depois tenta emendar a mão...com mais uma mão cheia de disparates

    Foi por isso que andou anos com a segunda derivada às costas a tentar apresentar Passos Coelho como o campeão do combate ao desemprego

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  12. "o que qualquer liberal sério pode defender"

    Isso existe?

    E pimentel ferreira não tem pena de o não ser?

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  13. Obscenidade dos lucros das empresas...

    Ora aí está uma boa definição de quem anda por aí a apregoar o destino dos muito ricos

    Ficarem obscenamente mais ricos


    A realidade é tramada, O choradinho miserabilista tem dias. A obscenidade dos ditos também

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