terça-feira, 17 de março de 2020

É à confiança


Num editorial do Público de ontem, Manuel Carvalho conclui que, no fim de contas, não há alternativa a não ser confiar no Estado e nas virtudes cívicas dos nossos compatriotas. Não há mesmo. E é por isso que é tão importante saber o que pode minar tal confiança.

Em primeiro lugar, há muito que se sabe que os países com maior desigualdade económica tendem a exibir maior desconfiança social.

Em segundo lugar, sabemos que Portugal tem sido tratado pelas elites dominantes como se já não fosse um Estado, dado que permitiram o furto pelas instituições europeias de instrumentos vitais de política económica, sem os quais a soberania perde a sua base material.

Ficámos dependentes, em matéria de relações internacionais, da chamada bondade de estranhos, sabendo nós que estes estranhos não são bondosos. Basta lembrar uma palavra: troika. Hoje é uma sopa de acrónimos.

No fundo, temos agora de recuperar todos os instrumentos de um Estado velho e que soube durar, mas que foi deliberadamente desqualificado e esvaziado, como também aqui não nos temos cansado de denunciar: o laboratório militar é só um pequeno exemplo, que em boa hora se salvou, de um desmantelamento que há muito já atingiu a capacidade técnica de planificação. Tudo se reverte, claro, com esforço e dedicação.

Entretanto, não se pode deixar de assinalar que um país com um banco central ao serviço do Tesouro corre menos riscos de envelhecimento. Mantém agilidade em situações de catástrofe iminente, de incerteza ainda mais radical, o simplesmente não sabemos de que falava Keynes. Nestas situações, só a discricionariedade do soberano pode realizar rapidamente despesa necessária na sua moeda, suportando os rendimentos e dando confiança.

Temos de agir como se fossemos soberanos. Da UE, o melhor que se pode esperar é que não atrapalhe.

4 comentários:

  1. Um simples vírus -altamente contagiante e perenemente escondido- vigora para além das fronteiras geográfias/políticas em todo o globo.
    Nesta artificial ex-União Europeia regressam, à força, as responsabilidades nacionais. E as regionais. E as locais....
    Nada será como dantes.

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  2. «permitiram o furto pelas instituições europeias de instrumentos vitais de política económica»

    Não deverá dizer-se: "pagaram e pagam abundantemente o não uso «de instrumentos vitais de política económica» que repetidamente nos puseram sob assistência externa"?

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  3. «um Estado velho e que soube durar, mas que foi deliberadamente desqualificado e esvaziado»

    Quantos seus adversários vão subscrever essas palavras!

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  4. Nem se percebe como é que a Euronext ainda tem uma tasca aberta em Lisboa...

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