terça-feira, 10 de março de 2020

A Mão Invisível

O 1º texto da coluna Mão Invisível, a  26/11/1983
Quer mergulhar nos últimos 40 anos da vida económica portuguesa e das universidades portuguesas?

Então tem de ver este filme: A Mão Invisível - uma história do neoliberalismo em Portugal

A Mão Invisível foi uma coluna do jornal Semanário - dirigido, entre outros, por Vítor Cunha Rego, Marcelo Rebelo de Sousa, Daniel Proença de Carvalho, José Miguel Júdice - que albergou nos anos 80, economistas para defender o primado do mercado, num país em que a Constituição defendia a irreversibilidade das nacionalizações, como instrumento público para o desenvolvimento do país.

Miguel Beleza, Jorge Braga de Macedo, António Borges, os irmãos Pinto Barbosa, Diogo Lucena, entre outros jovens formados nos Estados Unidos, defenderam todas as semanas que o país precisava de flexibilizar, desregular, desregulamentar, liberalizar, privatizar, tudo em prol da ideia de que o papel do Estado devia ser apenas o de um regulador.  Sim, porque o mercado - devidamente integrado nas regras da União Europeia - se encarregaria de produzir bons empresários, boas empresas, bons grupos económicos portugueses, uma boa distribuição da riqueza, a justiça e equidade sociais. Tudo sem o papel do Estado.

Essas ideias tiveram o apoio dos responsáveis do Estado português - na altura, Mário Soares era primeiro-ministro - para criar em Portugal uma universidade pública à imagem das norte-americanas  - a Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa - que foi formatando gerações de quadros técnicos, que acabaram por preencher os gabinetes políticos, os quadros do Banco de Portugal - já incumbido daquela função independente, de se sobrepor aos malfadados e incoerentes políticos -; e que influenciaram os curricula dos cursos de Economia das universidades portuguesas e contaminaram as opiniões dos directores dos órgãos de comunicação social, fechando o círculo da Hegemonia. Ainda hoje.

Mas passadas quase quatro décadas desde esse dealbar - apesar de se ter adotado essas receitas neoliberais - Portugal está mais desigual, mais dependente, mais frágil. E quem sabe a pedir cada vez mais que o Estado tenha um papel que deixou de ter.

Ver o filme não exclui - muito pelo contrário! - a necessidade de ler a investigação académica em que se baseou.

O projecto foi designado por RECON - “Que ciência económica se faz em Portugal? Um estudo de investigação portuguesa recente em Economia (1980 à actualidade) - e foi levado a cabo por um equipa do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, do DINÂMIA do ISCTE de Lisboa e do Centro de Estudos e Formação Avançada em Gestão e Economia (CEFAGE) da Universidade de Évora - José Reis, Vítor Neves e João Rodrigues (CES/Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra), Ana Costa e Gonçalo Marçal (DINÂMIA/ISCTE, Universidade de Lisboa) e Manuel Branco (CEFAGE, Universidade de Évora).

9 comentários:

  1. Atenção, João Ramos de Almeida, Mário Soares não tem nada a ver com a criação da Universidade Nova de Lisboa, que foi criada em 1973 com a FCM e a FCSH. Não confundir universidade com faculdades, por favor.

    ResponderEliminar
  2. Pergunta simples, o João Ramos de Almeida contesta a existência de investigação científica (em ciências sociais e económicas) que se baseia num padrão ideológico oposto a este?

    Eu não, a bem da liberdade de investigação e pensamento...

    Não gosto que se confunda Ideologia com Ciência (embora a primeira pode inspirar a segunda, ver acima), mas uma Ideologia que se chama a si própria 'Socialismo Científico' não pode propriamente queixar-se do aparato matemático do Liberalismo Neoclássico...

    Mas, mesmo assim, eu aconselharia de novo aquele artigo de Bárbara Reis dedicado à Iniciativa Liberal, mas que poderia ser lido com proveito lá para os lados do PCP...

    https://www.publico.pt/2019/12/13/politica/opiniao/813-milhoes-esmolas-deputado-cotrim-ajudou-gerir-1897184

    Valha-nos a UE... O João Ramos de Almeida é demasiado jovem para se lembrar de Portugal nos anos 70 e 80, não é? Das escolas nas grandes cidades onde se passava frio, da fome denunciada pelo bispo de Setúbal, das falhas de electricidade recorrentes, das praias sujas e dos rios poluídos, da investigação científica inexistente, das estradas cheias de buracos (demorava-se quase um dia inteiro para chegar do Porto à Covilhã), da inflação de dois dígitos e por aí a fora...

    Eu percebo que a Esquerda da Esquerda olhe para estas tentativas da Direita em procurar definir a linguagem política e económica com inveja, porque gostaria de fazer o mesmo ("Economics are the method; the object is to change the heart and soul.", dizia Thatcher). Agora, por favor não o façam queixando-se do pluralismo político.

    É que se não são capazes de vencer senão na ausência dele (e combater quem tem dinheiro é particularmente difícil já se sabe, mas Sanders não está a ser derrotado por Biden por falta dele, por exemplo), então manifestamente já perderam...

    ResponderEliminar
  3. Não se preocupe, Jaime, o frio acaba dentro em breve em Portugal, com um grande contributo Europeu. Já falhas eléctricas e buracos eu, um pouco mais jovem, nunca vi tantos desde a entrada no Euro, mas é o progresso solidário novamente.
    Avante, camarada, que a nublina cedo se esfuma sobre a reforma do Euro.

    ResponderEliminar
  4. Tudo irá dar a dizer-se: se o poder fosse absoluto o bem seria absoluto!

    Sabe-se por experiência própria como começa, e já em muito lugar foi visto como acaba.

    ResponderEliminar
  5. Estamos cheios de sorte! Desta vez o Jaime Santos não "mandou vir as grilhetas de Bruxelas". ;)
    Praise be the lord my brothers and sisters!

    ResponderEliminar
  6. Abençoada a solideriedade europeia...

    https://www.reuters.com/article/us-health-coronavirus-eu/eu-pledges-25-billion-euros-fund-to-tackle-coronavirus-crisis-idUSKBN20X2XD

    «France, Germany and the Czech Republic last week refused to lift controls on the export of protective gear to avoid shortages at home, despite a formal request for kit from Italy, which is reeling from an explosion of infections and deaths.»
    (foram salvos pela China, lol)
    «Earlier on Tuesday Austria had unilaterally broken with the EU principle of free movement of people by denying entry to people arriving from Italy to slow the spread of the disease.»

    Isto é que é União!

    ResponderEliminar
  7. Caro anónimo,
    Tem toda a razão e foi um facilitismo da minha parte. Já foi emendado. Muito obrigado.

    Caro Jaime,
    Por que será que não consegue ater-se ao tema em debate? Não vê que isso é, de certa forma, um sinal de fragilidade de argumentos? Defender uma ideologia atacando outra ideologia parece-me mais uma conversa de café sobre o último desafio de futebol.

    Depois, agradeço-lhe o elogio - se bem que o tivesse feito como crítica - de ser demasiado jovem para me lembrar dos anos 70 e 80. Eu acho que me lembro mesmo dos anos 60. Mas tem razão: claro que não se pode comparar o país dos anos 70 e o actual. Mas acho que está a confundir coisas: desenvolvimento económico é um pouco mais do que acesso a fontes de financiamento que permitem fazer um upgrading de bens materiais. Se "ler" devidamente o filme, verá que as coisas de que se fala é - como diz o Francisco Pereira de Moura - de "estruturas, estruturas técnicas". E é disso que se fala quando se sublinha o retrocesso verificado. Na verdade, continuamos - como nos anos 60 - a apostar em sectores de eternos baixos salários.

    Caro José,
    Poder absoluto é talvez a hegemonia que se vive actualmente no pensamento económico. E alguém tão sensível a isso, como o José, deveria sentir essa mesma ausência de pluralismo de ideias e o empobrecimento de debates sobre alternativas. Mas o mal do poder absoluto é que, quando é da cor que se defende, deixa de ser visto como um valor em risco...

    ResponderEliminar
  8. Caro João

    Que discorde, que tenha uma qualquer fé no Estado, está no seu direito.

    A mim nunca me pode acusar de querer extinguir as funções do Estado em serviços essenciais e neles incluo a saúde, muito do assistencialismo e até a produção.
    Agora o que recuso é entregar todo o poder ao Estado e à camarilha que sempre o povoaria sem escrutínio válido - e de que tanto já se vê!
    Em tudo que não seja soberania quero o Estado a concorrer e a promover a concorrência; quero custo e benefícios medidos e analisados, e não uma boyada apascentada em cima do trabalho de outros.

    ResponderEliminar
  9. Jose,

    E, acima de tudo, viver à custa dessas medições e análises!

    ResponderEliminar