Lembram-se da Agenda de Lisboa na viragem do milénio? Lembram-se da intensa colonização de grande parte da social-democracia europeia pelo neoliberalismo, através de uma retórica de investimento social tributária de uma economia da oferta em versão supostamente progressista? E lembram-se do fundo de ajustamento à globalização, essa demonstração de como a integração europeia tanto ajuda o mundo do trabalho, como se viu também com as troikas e quejandos?
Se faço estas perguntas é porque o novo pacto verde europeu e o seu fundo para a transição têm a mesma lógica, destinada agora a cooptar também parte do movimento ecologista. Esperemos que a história não se repita. Não é por acaso que a pós-verdade tem origens europeias: não é verde, de facto.
Jornais como o Público lançaram vários mil milhões para cima dos leitores, papagueando a linha da Comissão. No caso do tal fundo de transição dita justa, estamos a falar de dinheiro fresco, à escala da UE e para meia dúzia de anos, num montante inferior ao orçamento anual do Estado português para a saúde. Rebaptizam-se depois verbas já existentes ao serviço do mais importante: parcerias público-privadas que vão até onde as engenharias financeiras de mercado as levarem para fingir que este sistema pode ser verde. Lembram-se do Plano Juncker?
O mais importante, como sempre acontece na integração europeia realmente existente, é a tentativa de encontrar soluções de mercado para problemas criados pelo mercado, o que é típico do neoliberalismo desde pelo menos Milton Friedman: no caso do ambiente, a obsessão de sempre são os opacos e ineficazes mercados de emissões.
Ao contrário do New Deal original e do Green New Deal proposto pelos social-democratas norte-americanos, o chamado pacto europeu não é proposto para um Estado, mas sim para uma organização supranacional pós-democrática, que constrange, através de regras cada vez mais estúpidas, o investimento público e anula a mobilização de outros instrumentos de política pelos Estados democráticos realmente existentes, obviamente sem os substituir por nada de relevante do ponto de vista macroeconómico.
E ao contrário do New Deal original, que pressupôs naturalmente um contexto histórico desglobalizador, que é hoje de novo necessário também nesta área, a UE é o outro nome da globalização mais intensa, por via dos tratados e dos acordos comerciais sem fim, destinados a estender cada vez mais as cadeias de valor, transferindo os segmentos mais poluentes para longe e favorecendo o poluente transporte de longa distância.
Não há mão de verde que esconda estas realidades. Ou haverá?
Portanto, vamos lá a ver se eu percebo. Regressamos a estados nacionais onde cada um corre para o fundo e onde quem mais perde são naturalmente pequenos estados como Portugal, e é isso que vai resolver a crise climática?
ResponderEliminarSim, eu sei, não é isto que vai acontecer se levar a sua avante, mas sim um retorno ao protecionismo, após o que as nações reconstroem as suas indústrias, desmantelando as supply-chains internacionais e sendo que cada nação adquire (não se sabe bem como) os meios de alta tecnologia de que precisa, cooperando com as outras num verdadeiro espírito internacionalista para a resolução dos problemas globais, incluindo os ambientais.
E será igualmente um mundo do qual estarão ausentes as tentações imperialistas dos maiores estados. E como diz Francisco Louçã amiúde, o Pai Natal vem na Páscoa!
Mas, na verdade, não haverá nenhum Green New Deal nos EUA porque Sanders, se for o escolhido pelos Democratas, perderá em toda a linha contra Trump. Há mais americanos dispostos a votar num ateu do que num socialista...
E portanto, se o nacionalismo vencer, veremos apenas um agravar dos problemas ambientais, com os lóbis do carvão e gás e petróleo a ocupar completamente os corredores do poder em Washington, com umas migalhas para os evangélicos e para os fachos que se encarregarão de pôr fim à 'libertinagem' (para usar um termo caro ao João Rodrigues) moral das 'elites', das mulheres e das pessoas LGBT e a oprimir ainda mais as minorias étnicas.
E a classe operária que trabalha nesses sectores vai aplaudir... Afinal, o que interessa o ambiente ou os mais fracos de entre os fracos se há emprego e segurança e os indesejáveis são expulsos? Era assim que se pensava no Bloco de Leste, não era? Isto muito embora os muros servissem na verdade para impedir o pessoal de sair, até porque ninguém queria entrar... Pelo menos, eles por lá certamente não se preocuparam muito com o ambiente, isso é certo... Não me parece é que lhes tenha valido de muito, porque faliram na mesma...
Quem anda a falar de tais programas ou é francamente ingénuo ou nos toma por ingénuos e quer usar tal lenga-lenga para promover as tais agendas falhadas que só agravaram os problemas ambientais. Em resumo, a ecologia serve de alavanca para o retorno à 'Economia de Abril', ou lá o que é... Deus nos livre!
Eu parto do facto simples de que, com todos os seus defeitos, a UE, organização supranacional de estados onde vigora a democracia liberal (exceto onde não vigora, como é o caso da Hungria, mas isso não preocupa muito o PCP porque, como se sabe, a democracia liberal é incompleta, o que é inteiramente verdade, muito embora seja a menos incompleta de todas, mormente menos incompleta que a dita democracia popular, porque esta não era democracia de todo) tem a legislação (e a prática) ambiental mais avançada do mundo.
Olhe-se para o Portugal de 70, com as suas praias, rios e mar sujos, os derrames de petróleo, a ausência de ETARs e pergunte-se graças a quê as coisas mudaram para bem melhor e a resposta é capaz de ser a legislação e os fundos da UE (ver https://www.publico.pt/2019/12/13/politica/opiniao/813-milhoes-esmolas-deputado-cotrim-ajudou-gerir-1897184, recomendado a militantes da IL mas também do PCP)...
Logo, por muito imperfeita que seja, a UE é talvez o melhor instrumento para tentar mitigar os problemas com que nos defrontámos. Por isso, se calhar eu partiria dela para tentar construir coligações que contribuíssem para uma resolução gradual e quiçá apenas parcial dos problemas... Uma geringonça europeia na mão é melhor do que uma utopia nacional a voar, digo eu...
O "verde" e a ecologia da actualidade têm por base a mais profunda ignorância, ignorância digna de gente impreparada que tem banalidades como coisas profundas, ignorância de gente ridícula que fala sem dizer absolutamente nada. É este o ponto.
ResponderEliminarSubscrevo !
ResponderEliminarJRodrigues
um green new deal é pouco provável na actual conjuntura de forças políticas nos USA e em portugal afastar os segmentos mais poluentes da economia é arrasar com o sistema de transportes e substitui-lo por carros eléctricos e tractores do mesmo jaez que serão abastecidos sabe-se lá como e onde
ResponderEliminar«... o poluente transporte de longa distância»
ResponderEliminarUma questão que ninguém aborda com detalhe, por muito verde que seja!
Quanto à desglobalização, aguarda-se pelo menos um programa esboçado: substituir o olival e o amendoal globalizante por uma nova 'Campanha do Trigo' com os novos voluntários para as UCPs, e por aí fora.
Quanto às parcerias o cenário é dramático.
Quantas Comissões, Grupos de Trabalho, Institutos, e Observatórios poderiam ser criados com essas verbas para analisar, definir, regular e acompanhar o estender da manta de funcionários públicos sobre o território!
Aqui, na mui liberal Holanda, anda-se de bicicleta.
ResponderEliminarJá na mui comunista Havana, só se veem carros velhos e poluidores.
Dizem por aí que o socialismo é verde!
E claro que Jaime Santos tem razão. A crise climática jamais pode ser resolvida com o regresso ao "soberanismo", aliás é exatamente essa soberba soberana que tem impedido a resolução da crise climática, pois os estados evocam a soberania nacional para poderem fazer o que lhes apraz em termos de emissões. A crise climática só poderá ser sanada com recurso a entidades supranacionais, tal como a União Europeia.
ResponderEliminarRecomenda-se a leitura de Einstein a propósito:
https://www.veraveritas.eu/2017/04/einstein-um-europeista-e-rebelde.html
How to Pay for the Green New Deal (EUA)
ResponderEliminarUm documento interessante:
http://www.levyinstitute.org/pubs/wp_931.pdf
Haverá necessariamente alterações no nosso modo de vida, à escala planetária, nomeadamente em resultado da finitude dos recursos e da incapacidade dos sistemas ecológicos para a sua reposição, considerado o actual modo de produção, distribuição e acumulação.
ResponderEliminarPor conseguinte, a discussão central não é, nem pode ser, sobre se haverá ou não tais mudanças - que são inevitáveis, pelas razões já sugeridas - mas antes, de que modo e em favor de quem, elas serão operadas.
A única coisa que é realmente global e que como tal se manterá, é o planeta que habitamos. Tudo o mais - isto é, o modo como os seus recursos são apropriados, transformados e afectados à satisfação das necessidades humanas, já depende de decisões que podem e devem revestir duas características essenciais: decorrerem no quadro de um modelo de organização jurídico-política, institucional e económica, de superação do capitalismo e, por outro lado, decorrerem do exercício do poder soberano à escala nacional.
A necessidade de satisfazer a primeira condição, prende-se com o facto de o sistema capitalista, dados os seus eixos axiomáticos, ser incompastível com qualquer ideia de sustentabilidade: será a verificação cíclica da tendência para a diminuição da taxa de lucra e o esforço permanente para a inversão dessa tendência, que manterão o sistema, tal como até aqui ao longo da sua história multi-secular, crescentemente predatório e gerador de um se número de externalidades negativas nas esferas da ecologia e do ambiente, como, do mesmo modo, na produção de desigualdades cada vez mais insustentáveis e no aporte constante de um sem número de indivíduos ao exército de excluídos. A segunda premissa torna-se necessária também e por razões que se podem sintetizar deste modo: a escala global implica necessariamente o progressivo enfraquecimento da democracia e o consequente empoderamento das elites dirigentes, com todas as perversidades que são intrínsecas a essas dicotomias dirigentes/dirigidos. Por conseguinte a o contrário do que alguns possam idealizar, não há uma capitalismo bom e um capitalismo mau, do mesmo modo que não há um capitalismo poluidor e um capitalismo verde: há um só capitalismo que encerra em si todas as sementes que põem efectivamente em causa o nosso futuro colectivo e até a ideia de felicidade, esse limiar básico da existência humana a que todos nascemos com igual direito. "En passant" e de forma cordial, o Pimentel que deixe lá essas considerações tão primárias dos carros velhos em Havana, se não ainda colocamos a discussão, num blogue com esta qualidade, ao nível das reportagens da CMTV, o que nos deixará a todos a perder.
«... o poluente transporte de longa distância»
ResponderEliminarUma questão que ninguém aborda com detalhe, por muito verde que seja!
Ouvi ontem Carlos Windsor falar sobre isso com prespectivas optimistas.
Francisco, tal é um dogma socialista: "o facto de o sistema capitalista, dados os seus eixos axiomáticos, ser incompastível com qualquer ideia de sustentabilidade". E é falso! O que o sistema capitalista implica é o crescimento exponencial de capital, com taxas de crescimento constantes, mas tal não implica obrigatoriamente a predação de recursos naturais. Não há uma correlação. Um bom software gera muito mais riqueza que uma tonelada de carvão. Um carro elétrico é muito mais oneroso, e gera mais lucro, que um carro a gasóleo.
ResponderEliminarO problema da poluição causada pelo transporte de longa distância é mais complexo do que as "perspectivas optimistas" de Carlos de Windsor. Ver:
ResponderEliminarhttps://finance.yahoo.com/news/fighting-shipping-pollution-bad-planet-070050325.html
Quanto aos carruchos de Havana convém perceber que são o resultado de um embargo que é um resíduo da Guerra Fria.
No essencial Francisco focou os pontos principais. O credo neo-liberal é por sistema contrário a todas as limitações impostas por via de regulamentação, a não ser que isso represente embaraços para os concorrentes e vantagens acrescidas para os poderes corporativos instalados.
A EU, a sua Comissão e todo o aparelho burocrático que a rodeia é um bom exemplo da captura por lobbys e grupos de interesse que assim fogem ao escritinio e decisão democrática dos povos e países. Basta referir os casos do dieselgate e das centrais a carvão alemãs.
Mais um artigo para relançar o debate:
https://www.wired.com/story/capitalocene/
Um artigo muito mais realista do que o Pimentel Lavamaisbranco:
ResponderEliminarhttp://links.org.au/degrowth-green-capitalism-ecosocialism-richard-smith
Pimentel tenta vender a banha da cobra de um capitalismo que não seja predador dos recusos naturais quando essa predação dos recusos naturais está na própria essência do sistema.
E um bom software não serve para nada sem a energia que anima o computador e sem as terras raras que estão nos ecrâs tácteis. E depois o software serve para quê? A não ser que se encare um mundo tipo Matrix em que é um fim em si mesmo. Senão o software serve para controlar máquinas, drones e robots que necessitam matérias primas para serem fabricados.
A proposta de um capitalismo sanitizado para efeitos de propaganda é de um descaramento absoluto. O capitalismo pode funcionar mas apenas num quadro estrito de regulação e contrapoderes democráticos. Isto é, em caso algum o poder politico pode estar sujeito ao poder financeiro/económico e dar outra coisa que não seja um capitalismo predador com uma demão de tinta verde para disfarçar.
Pimentel, vai dar banho ao cão mais as tuas bicicletas holadesas.
ResponderEliminarJá em 2007 o número de carros por 1000 habitantes era de 21.0 em Cuba e 441,37 na Holanda.
Os holandeses não são verdes, são ricos.
Se alguém tiver dúvidas acerca do facto de os holandeses terem já em 2007 441.37 carros por cada mil habitantes contra 21.0 carros por cada 1000 habitantes de Cuba, vejam a origem:
ResponderEliminarhttp://chartsbin.com/view/1113
Dados de 2015 Cuba 42/1000; Holanda 487/1000
https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_countries_by_vehicles_per_capita
O que permite concluir também que metade da frota de Cuba tem menos de 8 anos. Interessante, não é?
Afinal confirma-se que os Holandeses não são verdes, são é ricos. O que também é irrelevante porque de qualquer forma o "verde" dos holandeses é só fachada.
Meu estimado Pimentel Ferreira, creio que incorre em erros de palmatória, a dois níveis: em primeiro lugar ao estabelecer uma relação de identidade entre capitalismo e sistema económico ou economia. Como qualquer sistema político - sistema e não mero regime - o capitalismo é de natureza holística e transversal, impactando todas as esferas da vida e não apenas esse segmento que tendemos a particularizar, por razões de praticabilidade e de apropriação intelectual, sob o designativo economia; em segundo lugar, ao não distinguir entre efeitos estruturais desse mesmo regime (os que são regidos por lei de verificação constante) e elementos conjunturais, que reflectem precisamente causas e efeitos decorrentes de uma certa circunstância dada e dos seus particularismos. Se fizer uma leitura judiciosa quanto a tais leis e às contradições que elas encerram do ponto de vista do desenvolvimento do sistema capitalista, verificará que não as encontra apenas em Marx, mas por exemplo, também nos escritos desse pensador notável que foi Adam Smith. A diferença se quiser e em exercício de deliberada simplificação, é que tendo ambos detectado prematuramente essas contradições nas análises que realizaram, um deles conformou-se com a sua ocorrência e o outro não.
ResponderEliminarO que fica claro é que Pimentel, ao arvorar-se em defensor do status quo da EU usa todos os argumentos falaciosos a que consegue deitar mão, obrigando a um exercício de desmontagem sistemática das suas incorrecções que raiam as alarvidades.
ResponderEliminarIsto diz muito acerca do quanto as bases intelectuais em que assenta a prática da EU estão corrompidas para favorecerem estados e grupos de interesses transversais a toda a EU.
Fica claro a tentativa de evitar que o público tome consciência dos reais problemas que se colocam em matérias que vão desde a geoestratégia aos problemas sociais passando pelas questões ambientais.
Thomas Piketty, uma voz moderada e que não pode ser acusada de esquerdismo tem razão quando diz que há um esforço concertado dos poderes instalados para impedir que as reais questões ligadas à desigualdade de rendimentos e riqueza. Pimentel é claramente um papagaio destes esforços de manter a opacidade. Em francês falar-se-ia de "enfumage".
https://www.lemonde.fr/blog/piketty/2020/01/14/after-the-denial-of-climate-change-the-inequality-denial/
O recente golpe de estado na Bolívia inscreve-se num padrão de mudanças de regime destinadas a controlar os recursos naturais vistos como fundamentais à dominação planetária. Segue no rasto do golpe de Pinochet no Chile, o derrube de Mossadegh no Irão e o assassinato de Patrice Lumunba na RDC.
ResponderEliminarhttps://www.earthisland.org/journal/index.php/magazine/entry/clean-tech-versus-a-peoples-green-new-deal#disqus_thread
Ao 24 de janeiro de 2020 às 15:43
ResponderEliminarUm bom software pode ser, por exemplo, o Tinder, que vale muito mais que várias centenas de toneladas de carvão, e que em princípio não faz mais que "ligar" as pessoas. Mas ainda tem o facebook, ou o motor de busca do Google. Quem polui mais, a Google, cujas ações atingiram recentemente 1 bilião (trillion in USA) de dólares ou uma mina chinesa de carvão?